Da Assessoria de Comunicação do MPF em SP
O Ministério Público Federal em São Paulo quer a anulação da Portaria nº 683/2017, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que invalidou a ampliação da Terra Indígena Jaraguá, situada na zona norte da capital paulista. O texto, assinado pelo ministro Torquato Jardim em agosto deste ano, contraria o devido processo legal, a jurisprudência brasileira e normas internacionais ao se basear em motivos falsos e ter sido editado sem prévia consulta a órgãos e grupos envolvidos na demarcação, entre eles a comunidade Guarani que habita o local.
A norma do Ministério da Justiça anulou uma portaria anterior da pasta, nº 581/2015, publicada pelo então ministro José Eduardo Cardozo. O documento reconhecia a posse permanente dos Guaranis em uma área de 512 hectares, correspondente à ocupação tradicional e histórica do grupo na região. Com a determinação mais recente, a reserva indígena voltou a ter apenas 1,7 hectare, extensão delimitada pelo decreto nº 94.221/87 conforme princípios anteriores à promulgação da Constituição de 1988.
A necessidade de ouvir os interessados em manter a vigência da Portaria 581/2015 é amparada na Lei nº 9.784/99 e em decisões de tribunais superiores que estabelecem a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa também a atos administrativos federais. Porém, ao ordenar a anulação do texto, o Ministério da Justiça não só deixou de consultar os Guaranis, como também a Fundação Nacional do Índio (Funai), cujos estudos técnicos e antropológicos atestaram a inadequação da área definida em 1987 e calcularam em 512 hectares o espaço apropriado à reserva.
Aos indígenas, o direito de manifestação em casos como este é assegurado ainda pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. O país já foi alvo de sanções por desrespeitar a norma. Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos impôs medidas cautelares ao Estado brasileiro por não ter havido prévia consulta às comunidades que habitavam a bacia do Rio Xingu, região diretamente afetada pela construção da usina de Belo Monte.
São Paulo – Na ação civil pública que ajuizou pela anulação da Portaria nº 683/2017, o MPF contesta todos os argumentos do Ministério da Justiça, entre eles o de que a ampliação da Terra Indígena Jaraguá deveria ser revertida devido à ausência do Estado de São Paulo na definição conjunta das formas de uso da área. A alegação, ressalta o MPF, é falsa. Documentos comprovam que, desde 2014, a Procuradoria-Geral do Estado mantinha contato com a Funai para estabelecer um plano de administração do local. As negociações só não avançaram porque o governo estadual resolveu suspendê-las.
O MPF também refuta a impossibilidade de revisão da terra indígena demarcada em 1987. Segundo a Portaria nº 683/2017, a ampliação não seria permitida devido à extrapolação do máximo de cinco anos que a Lei 9.784/99 prevê para revisão de atos administrativos. Porém, esse prazo legal não se aplica ao caso do território no Jaraguá porque o decreto inicial baseou-se em critérios constitucionais de demarcação distintos daqueles que hoje estão em vigor.
A Constituição de 1988 ampliou o parâmetro para a definição das reservas e considera que os limites não podem se restringir às parcelas habitadas pelas aldeias, mas devem se estender às áreas tradicionalmente ocupadas, o que inclui recursos naturais necessários à preservação da vida, da cultura e das tradições de seus integrantes. A portaria de 2015, portanto, adequava a terra indígena da capital paulista ao que a Carta Magna impõe, o que justifica a revisão de sua área quase 28 anos depois da primeira demarcação.
O MPF quer que a Justiça determine a anulação da Portaria nº 683/2017 com urgência, em caráter liminar, e alerta para as possíveis consequências caso a redução da terra indígena se mantenha. “O perigo do dano é evidenciado pelo risco concreto de conflitos sociais e fundiários envolvendo o povo Guarani do Jaraguá”, destacaram as procuradoras da República Suzana Fairbanks Oliveira Schnitzlein e Maria Luiza Grabner, autoras da ação civil pública.
“Com a edição da portaria 683/2017, aquela terra indígena volta a ter a menor área demarcada no Brasil, com ínfimo 1,7 hectare. Essa situação calamitosa de extremo confinamento impede o pleno desenvolvimento de atividades típicas da cultura Guarani, sendo causa de diversos conflitos internos e com a comunidade não indígena no entorno, problemas sanitários, violência sexual, abuso de álcool e outras drogas psicotrópicas, dentre outros problemas”, concluíram.