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21/12/2017

Entrevista – Negociação coletiva em tempos de crise

Do jornal da FNE*

Balanço elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que no primeiro semestre de 2017 cerca de 60% das negociações resultaram em ganhos reais.

Tomou por referência a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (INPC-IBGE) em cada data-base (confira o levantamento em https://goo.gl/kxuYhN). O resultado, contudo, não indica reaquecimento da economia, mas sim um movimento de arredondamento da baixa taxa de inflação. É o que afirma nesta entrevista ao Engenheiro o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, que também não vislumbra recuperação a curto prazo.

 

Clemente Ganz Lúcio, técnico do Dieese. Foto: Beatriz Arruda/SEESP.

O que explica a obtenção de aumento real em praticamente 60% dos acordos e convenções coletivas no primeiro semestre de 2017?

Tem-se uma situação de comportamento da inflação com uma taxa bem menor do que o verificado nos anos anteriores (em média, 2,5% no período), o que favorece que acordos sejam celebrados com reposição integral, que é o que esse levantamento mostra, com algum pequeno ganho de arredondamento em termos de crescimento de salários. Uma parte grande das empresas também já reduziu o volume de emprego. É o que explica em grande medida esse resultado, porque o nível de atividade ainda está muito ruim, o emprego muito baixo, nada indicaria que se poderia ter uma performance desse tipo se a inflação fosse mais alta. Se estivesse em 6 ou 7% ao ano provavelmente boa parte das campanhas estaria fechada com reposição parcial.

O balanço aponta que a média de ganho real foi de 0,35%, é o arredondamento que você comenta?

Isso. A predominância é claramente de um movimento de arredondamento. Não me lembro de nenhum resultado muito expressivo de nenhuma categoria.

Então não indica um começo de recuperação econômica?

A baixa inflação é resultado da crise. A economia parou de cair do precipício, mas está longe de indicar melhora. Teria que olhar também a performance no mercado de trabalho, crescimento da economia, nada disso está melhorando. Neste primeiro semestre o desemprego parou de crescer, mas porque não teve aumento de demissões e houve uma leve redução por conta da ocupação informal. O que surgiram foram postos de trabalho autônomo, por conta própria, não assalariado.

Mais precarizados e sem direitos?

Exatamente. Nessa estatística das convenções não entram.

A região Sul foi a que teve melhor resultado. O que explica essa diferença?

Talvez esteja mais associada a uma grave dificuldade nas regiões Sudeste e Nordeste do que a um resultado virtuoso. A indústria de transformação em São Paulo e a do petróleo no Rio de Janeiro foram gravemente afetadas – Minas Gerais também sofreu, e a recessão é muito grave. Já no Nordeste tem-se um rebatimento da crise muito mais severo, a dinâmica tem mostrado que a região foi mais afetada nos últimos dois anos na crise do emprego. Pode ser que o setor de serviços e comércio tenha dado uma compensada na região Sul.

Com a entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), o que se pode esperar em relação ao próximo período nas negociações salariais?

As empresas vão em certa medida testar a aplicação dessa nova legislação. Algumas no sentido de já tentar implantar as novas regras, outras podem concordar em ganhar um tempo para ver como vão se comportar e não gerar insegurança jurídica. Se renovar do jeito que está e colocar uma cláusula que nenhuma regra trabalhista será implantada sem uma negociação será um avanço.

Como o movimento sindical deve se portar para assegurar bons resultados nas negociações futuras?

Imagino que devíamos tentar uma linha de primeiro fazer uma grande reorganização das campanhas salariais, que viria a suscitar uma capacidade organizativa diferenciada. Tem que juntar, fazer campanhas de todos os trabalhadores. Nas próximas campanhas o diferencial vai ser a capacidade de mobilização e fundamentalmente de fazer greve, mas não aquela que não faz sentir o prejuízo porque as outras categorias estão trabalhando. Tem que parar tudo, reorganizar a base sindical, a temática. Hoje a pauta é da resistência, tem que colocar na convenção que ninguém vai implantar a reforma sem negociar com o sindicato, essa é a principal cláusula. E o resto renova, é hora de criar os mecanismos para impedir a retirada de direitos. A outra é conseguir instituir por meio das convenções um financiamento sindical decente. O que foi feito agora é um verdadeiro ataque à organização sindical, vamos ter que criar mecanismos para reverter isso.

E os sindicatos precisam se envolver cada vez mais na luta por um projeto de país, como a FNE tem feito, ao apresentar o projeto “Cresce Brasil” e articular o movimento “Engenharia Unida”?

O movimento sindical vai precisar conectar essa agenda corporativa com uma mais global, porque as mudanças em curso na economia mundial e brasileira alteram o emprego, seu tipo, volume e isso tudo vai levar necessariamente a se discutir o papel do Estado. Se a empresa quer demitir e contratar a hora que quiser, o Estado tem que dar proteção. E o sentido geral é do desenvolvimento, a qualidade da geração de emprego está associada ao tipo de crescimento econômico, portanto, necessariamente a projeto nacional. À organização da infraestrutura econômica, da inovação dos processos produtivos e de agregação de valor, a engenharia está no coração, suas iniciativas são fundamentais.

Quais as perspectivas em relação à recuperação da economia?

Acredito que somente em 2020, 2021 teremos uma recuperação um pouco mais estável que tenha impacto positivo sobre emprego. E vai depender do que o novo governo vai fazer. Para os trabalhadores nada será rápido, a crise é muito severa, o contingente de desempregados é muito grande e isso gera muita instabilidade.

* Por Soraya Misleh, no jornal Engenheiro, edição 187, de dezembro de 2017

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