Antônio Augusto de Queiroz*
Em artigo anterior, sob o título “As três visões em disputa na eleição de 2018”, tratei dos desenhos de Estado que estão em disputa. Neste trato de medidas que poderão ser propostas pelos representantes dessas três visões:
1) Estado de proteção social,
2) Estado liberal-fiscal e
3) Estado penal.
Ressalte-se, desde logo, que alguns candidatos podem combinar, em seus programas de governo, políticas públicas de caráter liberal-fiscal com medidas do Estado penal, mas é bem menos provável que um candidato que adote a visão de Estado de proteção social possa compatibilizar seu programa com propostas de ordem liberal-fiscal, ainda que possa incorporar algumas medidas de reforço à segurança pública.
Os candidatos do campo da esquerda e da centro-esquerda, que adotam a defesa do Estado de proteção social, terão como prioridade recuperar a capacidade de o Estado ofertar serviços e proporcionar o acesso a bens públicos, especialmente aos mais vulneráveis. Isso não significa que deixarão de propor reformas estruturais, inclusive com impacto sobre direitos, como reforma da Previdência e do Estado, mas com generosas regras de transição.
Os pressupostos para a retomada do projeto de Estado de proteção social, entretanto, são a revogação ou flexibilização da Emenda Constitucional 95 e a realização de reforma tributária que amplie a arrecadação, sem o que será impossível conter o aumento da desigualdade e evitar o colapso do Estado.
Já os candidatos que defendem o Estado de perfil liberal-fiscal [1], além de manterem o congelamento do gasto público — admitindo a sua flexibilização somente se, e quando, forem aprovadas reformas profundas para reduzir o gasto social —, descartam qualquer aumento de tributos, exceto do Imposto de Renda de pessoa física, aprofundando o ajuste apenas pelo lado da despesa, e notadamente na área social.
A prioridade — ao lado da venda de ativos, mediante a alienação do patrimônio público e da privatização de empresas estatais — tende a ser a promoção de reformas radicais nos regimes previdenciários e na administração pública, com o objetivo de reduzir, no curto prazo, as despesas com Previdência, assistência social e pessoal, sem o que será impossível manter a EC 95 durante seu mandato.
No caso dos servidores públicos — além da extinção da estabilidade, da paridade e da integralidade nas aposentadorias e pensões —, a visão liberal-fiscal tende a ampliar a transversalidade nas relações de trabalho no serviço público, permitindo que o servidor possa ser remanejado de seu órgão de origem para onde houver necessidade de pessoal, para compensar a ausência de concursos públicos.
Ainda na esfera da administração pública, como a meta é economizar ou reduzir despesas, ganha força entre os liberais-fiscais a ideia de aumento da terceirização no serviço público, ou a contratualização de resultados mediante a simples transferência de funções para entidades privadas.
Duas medidas, que afetam fortemente os mais pobres, também tendem a ser propostas, caso ganhe alguém do campo liberal-fiscal: 1) a extinção do abono salarial, devido a quem ganha menos de dois salários mínimos por mês, e 2) a eliminação da política de aumento real do salário mínimo, pela “economia” que elas representam para o erário.
O candidato que representa o Estado penal, por sua vez, além do aprofundamento da agenda liberal-fiscal defendida pelo fundamentalista de mercado que o assessora nesse campo — Paulo Guedes —, terá como prioridade a repressão e o aumento de pena para delitos, especialmente de integrantes de movimentos sociais e de pequenos infratores.
Poderá, ainda, adotar políticas de interesse das Forças Armadas, investindo no seu reaparelhamento e expansão, mas, em troca, tornando ainda mais presentes os militares em setores como segurança pública e gestão de infraestrutura tecnológica.
O receituário liberal-fiscal, especialmente as medidas de corte de despesas nos programas de transferência de renda, como o abono salarial, a revisão da política de aumento real do salário mínimo, a descentralização e terceirização de alguns serviços públicos, assim como a reforma da Previdência — com aumento de idade mínima, de tempo de contribuição e redução de benefício — já estão disponíveis para imediato envio ao Congresso, porquanto foram formuladas durante a gestão dos ministros da Fazenda Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Henrique Meirelles.
Este é o cenário provável da postura do futuro presidente, dependendo de sua visão de mundo. No campo liberal-fiscal, o problema será mais de calibragem do que propriamente de tomar ou não a decisão de enviar tais propostas ao Congresso. O eleitor é quem fará o julgamento do candidato que melhor representa seus interesses, tendo como parâmetro a visão de mundo e as propostas dos candidatos.
*Antônio Augusto de Queiroz, Toninho, é jornalista e diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)