logo seesp

 

BannerAssocie se

11/08/2025

Artigos questionam ações superficiais direcionadas aos adoecimentos mentais

Fundacentro

 

Após anos ignorando o tema da saúde mental, as empresas se encontram frente a frente com a questão. Seja pela alta dos casos de adoecimentos mentais relacionados ao trabalho, seja pela obrigatoriedade, a partir de maio de 2026, de incluir os fatores de risco psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), conforme prevê a Norma Regulamentadora n° 1 (NR 01), que trata das disposições gerais e do GRO.

 

Ainda assim, os esforços empresariais seguem ignorando condições da organização do trabalho responsáveis por afetar a saúde mental do trabalhadores e se direcionam a ações superficiais, individualizadas e individualizantes que maquiam o problema. Com base em preceitos da Clínica da Atividade, três publicações da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional (RBSO) questionam essa postura e contribuem para a discussão e o debate a respeito do tema.

 

A partir de revisão de literatura, o ensaio A pauta da saúde mental nas empresas: ocasião para a problematização das medidas individualizadas e individualizantes pontua, entre outros aspectos, a necessidade do trabalhador socializar o sofrimento coletivamente como uma das forma de contribuir para intervenções mais eficazes.

 

Nessa mesma linha, o ensaio Fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho: uma análise contemporânea mostra como políticas e instrumentos permeados pela lógica neoliberal e do acúmulo de capital capturaram a temática da saúde mental e mascaram o papel no processo saúde-doença.

 

Por fim, o relato de experiência Atendimento psicológico referenciado pela análise clínica da atividade: relato de experiência em saúde mental e trabalho mostra que o acompanhamento psicológico, embora individual, pode trazer bons resultados ao tratar a saúde mental na dimensão laboral-pessoal. Para tanto, deve considerar a complexidade psíquica e social envolvida no ato de trabalhar.

 

Saúde mentalImagem: FreepikSocializar o sofrimento

Com base na Clínica do Trabalho e na Saúde Mental Relacionada ao Trabalho, o ensaio questiona os insuficientes mecanismos das empresas para lidar com adoecimento mental no trabalho. Trilha uma via de mudança com base na socialização do sofrimento.

 

Entre as reflexões, observa que as empresas não se aprofundam nas reais causas do adoecimento mental relacionado ao trabalho. Adotam um discurso alicerçado em velhas concepções de doença como fenômeno biológico individual e saúde como estado de bem-estar, desprezando que saúde-doença constitui um processo e não um estado.

 

Seguem, assim, ignorando condições da organização do trabalho responsáveis por afetar a saúde mental e se concentram em oferecer aos funcionários ações cosméticas individualizadas e individualizantes. Entre elas, atividades de relaxamento, academia de ginástica, orientação alimentar e atendimento psicológico. “Individualizadas porque operam apenas ao nível dos indivíduos; individualizantes porque, ao operarem desse modo, reduzem problemas decorrentes da organização do trabalho a questões individuais”, argumenta o autor.

 

“O aumento vertiginoso dos agravos e das doenças mentais relacionadas ao trabalho deveria tornar evidente que a natureza desse fenômeno se deve a processos sociais e tem efeitos prejudicialmente progressivos sobre a subjetividade”, acrescenta.

 

Nesse sentido, o autor frisa ser preciso aplicar esforços para oferecer aos trabalhadores condições de construírem coletiva e ativamente um processo de socialização do sofrimento no trabalho. Auxiliá-los a desmistificar o tabu em torno do sofrimento enquanto algo individual, a se esconder e vivenciar sozinho, e mostrar que ele pode e deve ser discutido em conjunto.

 

“Visto que o sofrimento não pode ser acessado diretamente, e nem mesmo se mostra claro e distinto para os próprios sujeitos, é necessário um trabalho de identificação e de nomeação que deve envolver a esfera coletiva. É nessa esfera que eles adquirem visibilidade política e podem ser motores da transformação da organização do trabalho”, explica.

 

Dimensão social do trabalho

Também a partir de revisão de literatura, o outro ensaio traz o mesmo alinhamento temático, com análises à luz da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade. As reflexões oferecem uma visão de como as empresas negligenciam pensar o trabalho como uma das causas dos adoecimentos mentais, em uma postura permeada pela lógica neoliberal e de acúmulo de capital.

 

Essa lógica, também enraizada em políticas e instrumentos voltados à saúde mental e que mascara o papel do trabalho no processo saúde-doença, pauta a atuação das empresas. A partir dessa visão superficial, as empresas desconectam o adoecimento mental de aspectos econômicos, socioculturais e intersubjetivos que estão nas causas do problema e atribuem o adoecimento a questões individuais do trabalhador. Para simular saná-lo, adotam estratégias não eficientes e que maquiam a situação.

 

Nesse cenário, o ensaio aponta possíveis horizontes da proteção e promoção à saúde mental dos trabalhadores. “A participação dos trabalhadores e a consideração de seus valores, suas experiências e seus interesses, portanto, são fundamentais na construção de qualquer tipo de intervenção. As ações devem ser feitas, do início ao fim, com os trabalhadores e não sobre eles”, concluem

 

Complexidades psíquica e social do trabalhar

Relato publicado no mesmo volume da RBSO também traz a Clínica da Atividade, no entanto aliada aos princípios metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural vigotskiana. Embora analise experiência de acompanhamento psicológico individual, mostra que é possível tratar a saúde mental na dimensão laboral-pessoal. Destaca, todavia, a necessidade de utilizar abordagens teórico-metodológicas adequadas às situações concretas de trabalho e que considerem a complexidade psíquica engajada no ato de trabalhar.

 

Ao se distanciar de discursos e práticas produtivistas, gerencialistas e mercadológicas, a experiência permitiu enxergar o indivíduo em sua construção e relação sociais. Estabeleceu assim conexão entre as condições materiais e organizativas do trabalho e a existência psicossocial do trabalhador. Ou seja, tornou clara a ligação entre a queixa de saúde mental e a situação de trabalho vivenciada ao coanalisar a atividade, dialogando, no espaço do consultório, sobre aspectos psicológicos, materiais e coletivos.

 

O relato destaca que a abordagem adotada se mostrou positiva na melhora da saúde psíquica do trabalhador atendido. Isso porque, entre os resultados, contribuiu para o paciente atuar como protagonista da análise da sua atividade. Ampliou a compreensão e o senso crítico sobre as determinantes do seu trabalho e produziu mobilização afetiva (questionamento, interesse, desejo, curiosidade). Todos esses são aspectos que colaboraram para melhorar os sentimentos de sofrimento e diminuir o mal-estar psíquico.

 

“Esta experiência enfatiza a importância de relacionar o desenvolvimento da saúde mental ao desenvolvimento do próprio trabalho na perspectiva de um mundo laboral sustentável”, conclui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lido 226 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:

Receba o SEESP Notícias *

agenda

ART site SEESP 2025