Soraya Misleh
Da produção à extensão rural, o engenheiro de pesca tem amplas possibilidades de atuação. Atualmente são 2.058 profissionais da modalidade registrados no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Uma delas é a manauara Ana Theodora Gonçalves Monteiro, formada em 2010 pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), segundo ela, o “ terceiro ou quarto curso aberto no País” – um dos melhores do País, conforme avaliação do Ministério da Educação.
A instituição que ofereceu em caráter pioneiro a graduação foi a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em que ela chegou a cursar mestrado na área – foco em produção –, cuja primeira turma colou grau no ano de 1974, em 14 de dezembro. A data passou a ser comemorada como o Dia Nacional do Engenheiro de Pesca.
Segundo o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP), há agora mais de 20 cursos em funcionamento, em estados do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul e a necessidade de mais profissionais, para atender a uma demanda de crescimento do setor de 10% ao ano. “Há no País cerca de 200 grandes reservatórios propícios ao desenvolvimento da piscicultura de água doce e centenas de viveiros instalados em propriedades rurais, sem contar o enorme potencial de produção da pesca marítima. Esses fatos, aliados a um perfil dos mais humanistas dentro do Sistema Confea/Crea, levam às novas gerações, cada vez mais interessadas na preservação da natureza e na sustentabilidade ambiental, grandes perspectivas de realização profissional na Engenharia de Pesca”, aponta o órgão em seu site.
Essa é a visão que norteia a atuação de Ana Theodora junto a comunidades tradicionais da pesca artesanal. Associada ao SEESP, hoje ela desenvolve seu trabalho sobretudo com foco na capacitação de mulheres que vivem da pesca artesanal. Nesta entrevista em homenagem ao Dia do Engenheiro de Pesca, a profissional fala sobre a formação, mercado de trabalho e dificuldades a serem superadas para que haja mais oportunidades aos que optam pela modalidade.
Engenheira Ana Theodora em ação, junto a pescadores. (Foto: Arquivo pessoal)
Conte um pouco sobre a formação e sua trajetória profissional.
A graduação em Engenharia de Pesca tem duração de cinco anos e exige muito conhecimento em exatas, biológicas e humanas. No entanto, não fornece a vivência necessária ao trabalho com pescadores. Foca muito na produção industrial, em que a maioria dos profissionais busca atuar. Mas é preciso estudo pela vida inteira. Eu trabalho com pescadoras e pescadores artesanais. Minha trajetória se dá na questão social, na cadeia produtiva movimentada pelas populações que vivem da pesca, mas também da agricultura, e levam essa matéria-prima à mesa do consumidor. A costa brasileira tem cerca de 8 mil km, e a partir da extração do pescado é possibilitada tanto a venda quanto a alimentação e segurança alimentar das famílias envolvidas na pesca. Sou uma engenheira de campo, com atuação em extensão rural, com um olhar mais sensível a essas comunidades no que se refere ao social, econômico e ambiental. Hoje desenvolvo capacitação de mulheres que vivem da pesca artesanal junto à ONG Gestos. É uma troca de saberes, que engloba a parte de tecnologia (beneficiamento e processamento do pescado) e utilização de subprodutos para confecção de artesanatos para geração de renda e empoderamento das mulheres. Nas capacitações trabalhamos com filetamento, salga, defumação, entre outros processamentos, como a elaboração do hambúrguer de peixe (fishburguer). Tem também as marisqueiras que trabalham na pesca e isso possibilita que elas acreditem em seu potencial. É um trabalho multidisciplinar.
Quais as possibilidades de atuação ao engenheiro de pesca?
Pode implementar construções aquícolas em pequenas ou grandes empresas de aquicultura, empreendedorismo local com cultivo de camarões, peixes, de algas e cultivo de jacarés. Manejo e gestão dos recursos pesqueiros e na parte de legislação pesqueira, na extensão rural. Esta última sofre com a deficiência de vagas, falta de mais concursos públicos. Boa parte também busca o empreendedorismo. No entanto, a área sofre com ausência de fomento e incentivos, bem como de cursos de extensão e especialização lato sensu. Carece de reconhecimento e mais oportunidades.
Você enfrenta dificuldades por ser mulher atuando nessa área?
Existe um olhar diferente para uma mulher engenheira. Ainda lhe é reservado lugar principalmente no beneficiamento e processamento do pescado, na confecção de produtos e subprodutos descartáveis para alimentação. É preciso mudar isso, não deixar que a mulher fique à sombra, escondida, ofertar outras posições de trabalho. É uma batalha todo o tempo, um enfrentamento diário. Por exemplo, a mulher não pode embarcar em navios para fazer determinadas atividades, por questão de segurança.
A um jovem que está pensando em estudar Engenharia de Pesca, qual a orientação?
As áreas de trabalho de um engenheiro de pesca são diversas, mas é preciso estudar as habilidades de cada futuro profissional para que possam de fato contribuir com suas reais competências em campo. É necessário entender quais habilidades são exigidas ao engenheiro de pesca e ver as afinidades desse jovem. Me reconheço como educadora do campo junto às práticas e saberes das pescadoras.