Abaixo, a reprodução da matéria publicada pela Revista Painel, edição de setembro deste ano, traz a discussão sobre a desordem nos fios e cabos aéreos. Entre as fontes ouvidas para a reportagem, está o diretor do SEESP Carlos Kirshner e o consultor Marcius Vitale, coordenador do Grupo de Infraestrutura de Telecomunicações do SEESP.
A questão dos postes
Novas tecnologias e serviços fizeram as cidades avançarem, mas também as tornaram mais poluídas em razão do cabeamento aéreo de internet, TV a cabo e energia elétrica; entenda como funciona e quem é responsável por isso.
Foto: Beatriz Arruda/Comunicação SEESP
Desde 2018, está em vigor a Lei Municipal 14.045/2017 que estabelece regras de gestão para o compartilhamento dos postes em Ribeirão Preto. Os postes da cidade, cerca de 80 mil, têm dono: a concessionária de energia elétrica que, na maioria das cidades paulistas, é o Grupo CPFL. Ela compartilha esse espaço, mediante aluguel, com outras empresas prestadoras de serviços – de telefonia, internet etc – que penduram seus fios e equipamentos para fazer seus sinais chegarem às casas das pessoas.
“Ocorre que, as empresas usam os espaços de maneira indiscriminada, causando transtornos à cidade, uma vez que os cabos, quando se soltam – o que não é raro – ficam no lugar por muito tempo, e ninguém se responsabiliza”, observa o engenheiro Luiz Umberto Menegucci, diretor administrativo da AEAARP.
São as agências reguladoras de telecomunicações (ANATEL) e de energia elétrica (ANEEL) que normatizam a utilização dos postes em todo o país. O engenheiro Március Vitale, do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (SEESP), afirma que a questão é de segurança da população e de poluição visual. Ele integra um grupo que debate o tema no SEESP, propondo soluções.
Os postes são concessões públicas outorgadas à exploração por distribuidoras de energia elétrica. A atual legislação concede às empresas de telecomunicação o direito de uso compartilhado dessa infraestrutura, que é pública, porém gerida e explorada comercialmente por empresas privadas. O direito é garantido por lei, a de número nº 9.472 de 16 de julho de 1997, conhecida como Lei Geral das Telecomunicações.
A concessão do direito inclui, além dos postes, “dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”.
Para disciplinar essa relação, a ANATEL, a ANEEL e a ANP (Agência Nacional de Petróleo) fixaram diretrizes em resoluções conjuntas editadas em 1999, 2001, 2014 e 2017. As regras valem para os 46 milhões de postes de distribuição de energia elétrica de todo o Brasil. No estado de São Paulo são 7 milhões de postes.
As resoluções disciplinam, por exemplo, quais os tipos de infraestruturas que usarão os espaços compartilhados, regras para resolução de conflitos, define valores de referência a serem cobrados no aluguel de postes e a última, de 2017, atualiza a primeira, de 1999. Segundo a ANATEL, as normatizações não regulam a quantidade de cabos ou equipamentos a serem fixados nos postes. “Cabe às distribuidoras detalhar as regras de utilização dessa infraestrutura e realizar a boa gestão dos postes, atividade pela qual são remuneradas pelos prestadores ocupantes”, informou a assessoria de imprensa da agência.
Cabe à empresa que ocupa o poste, ainda de acordo com a agência, observar a legislação local, o plano de ocupação e a conformidade técnica com as normas de postes de cada distribuidora.
A CPFL informa que os postes têm capacidade de suportar esforços entre 200kg e 1.200kg, dependendo do modelo de construção de cada um.
A companhia substitui aqueles que apresentam defeitos ou representam riscos, conforme o plano de manutenção. Não há, porém, busca ativa de mau uso dos postes. Isto é, os cabos que por ventura não estão ligados a redes de energia ou telecomunicações são de inteira responsabilidade das empresas que os colocaram ali. Não há também da CPFL resposta clara para um questionamento: como é a fiscalização e se é aceitável que um poste tenha inúmeros fios. À essa questão, a assessoria de imprensa da companhia respondeu que a CPFL atende às normas técnicas, sem informar, porém, qual é o número da referida norma.
Solução Uma das possibilidades apontadas pelo engenheiro Luiz Umberto é a instalação de infraestrutura subterrânea, semelhante ao que já foi feito no calçadão central de Ribeirão Preto. A primeira é a normatização do uso do subsolo urbano. Március afirma que, em geral, muitas cidades brasileiras não têm planejamento ou lei que regule o uso do subsolo. Na prática, significa que os montes de cabos aéreos seriam apenas enterrados, transferindo o problema para debaixo da terra, literalmente.
Para se ter uma ideia, no Brasil existem cerca de 10 mil provedores de internet, fora os prestadores de serviços de televisão, telefonia, etc.. O subsolo já é ocupado por redes de água, eletricidade, esgoto e gás. Em alguns lugares, conforme relato de Március, o projeto de transferir a fiação aérea para infraestrutura subterrânea é dificultado pelo fato de que cada prestadora de serviços reivindica a instalação de seu próprio duto, sem acordo de compartilhamento da infraestrutura de rede.
A tecnologia, esclarece Március, permite que os dados que passam por um grande número de cabos ópticos tradicionais, por exemplo, sejam substituídos por microcabos que podem ser instalados em um único microduto com várias vias e menos agressivo à paisagem urbana – até mesmo se permanecerem pendurados nos postes.
A questão, portanto, não é onde colocar os fios. Mas, como coloca-los, o que necessita de planejamento, boa engenharia e ocupação racional do subsolo urbano.
Há ainda outra questão: a destinação da fiação. As empresas de telecomunicações que colocam os cabos nos postes são as responsáveis pela manutenção e retirada dos mesmos.
Muitas não retiram os “cabos mortos”, no jargão do setor, por questão de logística – precisam destinar uma equipe para retirar algo que não é usado na rede. Além disso, a destinação correta desses cabos, especialmente os óticos, é complexa.
Os postes das grandes cidades suportam hoje redes de TV a cabo, de cabos metálicos e ópticos de operadoras e provedores de internet, redes primárias e secundárias de energia, transformadores, braços de iluminação pública, amplificadores e dispositivos (armários de distribuição aéreos, caixas de emenda óptica e reservas técnicas).
Além disso tudo, segundo o engenheiro Március, os postes têm dezenas de canos galvanizados fixados em suas estruturas para subidas de lateral (tubos galvanizados que interligam as redes subterrâneas com a rede aérea por onde passam os cabos de telecomunicações).
“Antigamente os postes suportavam os cabos, hoje os cabos suportam os postes”, fala o engenheiro. “Antigamente”, ainda segundo ele, os manuais técnicos de procedimentos da holding Telebras, que controlava as 28 empresas operadoras estaduais mais a Embratel, regulamentava a utilização dos postes. Isso, antes das privatizações e da criação das agências reguladoras. A Telebras determinava para as operadoras de telecomunicações a implantação de cabos aéreos metálicos em postes com até 200 pares. “Em um ramal, quando a quantidade de pares era superior ao especificado, a rede tinha necessariamente de ser subterrânea”, conta o engenheiro.
Os postes eram ocupados por: cabos metálicos aéreos de telefonia de até 200 pares, caixas de emendas, redes primárias e secundárias de energia, braços de iluminação pública, fios externos de telefonia e, em alguns casos, os tradicionais transformadores. Mas, era uma época sem internet, redes de dados, provedores e o grande número de serviços ofertados a pessoas físicas e jurídicas que exigiam energia, comunicação e compartilhamento de informações.
As empresas proprietárias dos postes definem em cada um deles os espaços de 500 mm, com cinco pontos de fixação, distantes 100 mm um do outro, que podem ser utilizados pelas operadoras e provedores de internet. “O que passar deste limite estará fora do padrão atualmente definido pelas concessionárias de energia”, de acordo com Március. Ele ressalta que, além de poluir visualmente as cidades, tecnicamente as manutenções das redes aéreas são custosas e a qualidade dos serviços ofertados instáveis, além de não atenderem às Normas
Regulamentadoras NR 10 – Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade 10 e NR 35 Trabalho em Altura.
No passado, o lugar do poste onde se concentravam fios e equipamentos foi apelidado pelos técnicos de zona “T”, em razão da formação da letra quando combinados o concreto e os cabos. Március “brinca” com essa denominação: “Hoje, seria zona do terror”. Para ele, a solução é a utilização de recursos tecnológicos já disponíveis, que possibilitam a organização dos cabos no subterrâneo e nos postes, de forma segura e agradável aos olhos. “Existem pequenos dutos, os microdutos, onde é possível lançar microcabos ópticos em cada um deles. Com projeto mais específico, é possível colocar um número maior de microcabos, usando normas sobre compartilhamento de redes que precisam ser detalhadas no projeto”, explicou o consultor. Há aí engenharia, no projeto e na definição de soluções para implantar a infraestrutura. Dois caminhos podem ser seguidos para reduzir o volume de cabos aéreos. Um deles é enterrá-los em uma vala aberta, o que também resolveria a poluição visual. Outro aglutiná-los em um microduto aéreo ou subterrâneo. “A grande vantagem da microtecnologia subterrânea é que dá para usar o espaço entre o meio fio e a capa asfáltica entre a calçada e a rua, onde é possível abrir uma microvala. Nela, que tem cerca de três centímetros de largura e 30 centímetros de profundidade, é possível instalar alguns microdutos. Depois, a microvala é tampada com asfalto frio”, detalha o engenheiro.
“Pelas pequenas dimensões da microvala”, continua, “não existe a necessidade de recompor a capa asfáltica em toda a via, o que resulta numa obra mais econômica, além de evitarmos que serviços de recomposição mal acabados sejam realizados, causando enormes problemas para a população”.
O Caso Bauru
Em Bauru (211 km de Ribeirão Preto), a Comissão de Infraestrutura Aérea Urbana (Coinfra) adotou a estratégia do diálogo. O poder público suspendeu a aplicação de multas, a concessionária de energia (também lá a CPFL), empresas de telecomunicações e internet comprometeram-se a retirar os fios “mortos”.
O cronograma definido no acordo se estenderá até 2020. Já foram retirados 1.500 quilômetros de cabos que equivalem a 34 toneladas de fios. O engenheiro Carlos Kirshner representa o Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo (SEE) na Coinfra e explica que o êxito da estratégia do diálogo não eliminou ações punitivas por parte do poder público, que são aplicadas em casos de redes clandestinas, por exemplo.
O sucesso do projeto de Bauru talvez seja sintetizado em uma frase do engenheiro Carlos: “as outras partes não são tratadas como inimigas”. Isto é, conversando todos se entendem.
Opinião - Fiação aérea e as cidades
por Luiz Umberto Menegucci, engenheiro civil
Somos ufanistas por natureza, característica que nos impede de ver e sentir que, comparados à realidade de cidades europeias, norte-americanas e mesmo várias sul-americanas, estamos muito atrasados quando se trata de questões urbanas. Sejamos realistas: nossas cidades não são bonitas. Ribeirão Preto inclusive, que nasceu e cresceu sem planejamento, como a maioria das cidades brasileiras. Ruas e calçadas, por exemplo, atendem às necessidades de uma época, sem qualquer previsão sobre o volume de pessoas, carros, ônibus ou outros tipos de transporte que poderiam existir no futuro.
As ruas e calçadas são estreitas, os canteiros centrais das avenidas não são adequados e, objeto deste artigo, a fiação é aérea (redes elétricas, de dados, telefonia, dentre outros) e polui a cidade. Se não planejamos o passado, por falta de conhecimento ou cultura da época, essa desculpa não mais nos cabe.
Nós temos o dever de planejar a cidade para que as próximas gerações não sofram as consequências da omissão, porque já não se trata mais de falta de conhecimento ou informação.
Em passado recente, a administração municipal aprovou a Lei da Cidade Limpa. A exemplo da cidade de São Paulo, Ribeirão Preto conseguiu remover imensos outdoors que agrediam a paisagem urbana e disciplinou o tamanho dos letreiros em fachadas de estabelecimentos comerciais. Mas, não conseguiu (ou sequer tentou) interferir nos cabos ligando os postes de todas as ruas e avenidas da cidade.
Enterrar os fios, como foi feito no calçadão do centro da cidade, é uma solução. A questão dos fios aéreos não é meramente estética. Veja algumas desvantagens:
- • maior necessidade de manutenção, aumentando os custos;
- • riscos de rompimentos por conta de ventos fortes, chuvas, desgaste do tempo, quedas de árvores, vandalismo, caminhões e acidentes de trânsito;
- • riscos de acidentes com o rompimento dos fios;
- • vulnerabilidade e manutenção cara;
- • exigência de trabalho de manutenção em alturas elevadas O cabeamento elétrico aéreo foi adotado em nosso país por ser mais barato, mas o fato é que os custos de manutenção deste modelo acabam sendo mais elevados com o decorrer do tempo.
Dentre os benefícios que o cabeamento elétrico subterrâneo tem a oferecer, estão:
- • redução dos riscos de rompimentos acidentais;
- • redução de conexões clandestinas (“gatos”);
- • eliminação da poluição visual;
- • baixo índice de manutenção, reduzindo custos;
- • reduz o risco de queima de equipamentos eletrônicos, pois o modelo não é condutor de sobretensões;
- • quando necessária, a manutenção é mais rápida, eficiente e não coloca a vida dos técnicos em risco;
- • Possibilita principalmente a adequação de arborização urbana sem interferências.
A oportunidade de pautarmos a questão é agora, quando a cidade se empenha em debater alterações no Plano Diretor. É hoje que temos o dever de planejar como a cidade será no futuro.