logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

09/06/2020

Saúde emocional em tempos de pandemia: reflexões e orientações

Os psicólogos Nilva Marcandali e Marcus Vinicius Batista pontuam algumas questões para os dias atuais. Uma delas é a cobrança por produtividade que ganha maiores proporções no home office

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia

A Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 13 de maio último, publicou relatório sobre como a pandemia da Covid-19 pode impactar a saúde mental das pessoas, com o aumento de sintomas de depressão e ansiedade em vários países. O órgão indica a necessidade de os governos aumentarem, urgentemente, o investimento em serviços de saúde mental nos próximos meses. "O isolamento social, o medo de contágio e a perda de membros da família são agravados pelo sofrimento causado pela perda de renda e, muitas vezes, de emprego”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

200 Marcus Vinicius psicólogoPsicólogo Marcus Vinicius Batista. Crédito: Arquivo pessoal.A situação é confirmada pelo psicólogo e professor universitário Marcus Vinicius Batista, segundo o qual “ninguém passará ileso por essa pandemia”. Para entender tudo o que envolve a saúde mental de uma pessoa, neste momento de mudanças drásticas tão repentinas, o especialista observa que o ser humano é composto de quatro elementos: bio, psico, social e espiritual. “Esses quatro elementos que, muitas vezes, são separados pela religião, pela ciência, pela medicina, pela educação, são sempre unidos, não têm divisão possível. Somos o corpo, as nossas emoções, a nossa relação com o ambiente e o social e, na questão espiritual, são as relações transcendentes; tudo ao mesmo tempo e misturado.” Portanto, os impactos sempre serão individuais, cada um vai reagir dependendo de aspectos físicos, ambientais, financeiros e histórico emocional. “Quem tem dinheiro para se proteger melhor será impactado de uma forma na questão social, por exemplo, bem diferente daquele que precisa sair todos os dias para trabalhar, de quem está com contas e dívidas atrasadas.” 

 

Os prejuízos e incertezas financeiros também são aspectos destacados pela psicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental Nilva Marcandali neste momento em que a sociedade é abalada pela Covid-19. Ela avalia que as questões que envolvem a quarentena estão angustiando mais as pessoas, como a “privação de liberdade, enclausuramento solitário ou com familiares, perda de reforçadores, rotina monótona e tempo ocioso, que trazem uma demanda que não se havia pensado antes, e todas vieram juntas”.

 

Comportamentos não realistas
O estudo da ONU indica que, antes mesmo da pandemia, as estatísticas sobre as condições de saúde mental – incluindo distúrbios neurológicos e de uso de substâncias, risco de suicídio e deficiências psicossociais e intelectuais associadas – já eram alarmantes: a economia global consome mais de US $ 1 trilhão por ano devido à depressão e ansiedade; a depressão afeta 264 milhões de pessoas no mundo; e nos países de baixa e média renda, entre 76% e 85% das pessoas com problemas de saúde mental não recebem tratamento adequado. Marcandali observa que estamos lidando com uma sociedade repleta de expectativas que vão além das contingências ao nosso redor: “As pessoas estão cada vez mais autoexigentes e exigindo do outro posturas e comportamentos não realistas. Viver constantemente em estado de impotência, cobranças, frustrações, exaustão física e mental é caminho certo para um desequilíbrio emocional.” Batista reforça a observação dizendo que o recado está dado, e quem deu foi a pandemia: “É necessário desacelerar.” O ritmo atual, diz, “está adoecendo física e mentalmente as pessoas”.

 

Os dois especialistas também tocam num ponto crucial da sociedade moderna, o da produtividade, que ganhou novos contornos com o trabalho remoto ou home office. Para Marcandali, “a possibilidade de um mundo visível nas pontas dos dedos tira a limitação do tempo e espaço, cerceando o momento presente e a capacidade de foco. Além disso, os parâmetros de nivelação de potencialidade, produtividade e resultado tomam proporções gigantes e inalcançáveis”. Tal mudança, prossegue Batista, como foi “feita na marra”, acaba sendo ainda mais perigosa para a saúde física e mental das pessoas: “Quando você passa para um vida online e tenta ser quantitativamente tão produtivo como na vida pré-pandemia, isso traz outros riscos de prejuízo, dificuldade para dormir, melancolia, angústias.”

 

Batista defende a prática da reflexão, contemplação e de parar de querer ser produtivo o tempo todo. “É claro que precisamos ter uma rotina, mínima que seja, para estabelecermos referências temporais e espaciais, e isso ajuda na questão da saúde emocional; assim como a vida online nos mantém conectados com pessoas que gostamos e na construção e renovação de relações. Mas acredito que um dos grandes equívocos no início da pandemia, e vivi isso nas duas primeiras semanas de isolamento, foi ter relacionamento profissional com pessoas que tentam ser produtivas o tempo inteiro.” Segundo Batista, um dos grandes males do homem contemporâneo é a cultura da produtividade contínua. “É comum depoimento de cardiologistas com pacientes com queixa de palpitação, de taquicardia, que nos exames clínicos e laboratoriais não se detecta nada. Por que? Porque é crise de ansiedade, muitas vezes é um transtorno de ansiedade que está relacionado com o sofrimento emocional, o físico e o modo de vida.”

 

Resiliência
200 Nilva 2A psicóloga Nilva Marcandali. Crédito: Arquivo pessoal.Por outro lado, como explica a psicóloga, a resiliência pode ser o segredo do sucesso em qualquer crise, lembrando a capacidade da [ave] fênix de renascer das cinzas. “A terapia cognitivo-comportamental tem também esse objetivo, de ensinar ao cliente habilidades resilientes, instrumentalizando-o através do autoconhecimento e da avaliação do ambiente ao seu redor”, diz. Segundo ela, ao se conhecer e saber como vai se comportar quando alguns estímulos se apresentarem, “consigo antever minhas posturas não funcionais, meus boicotes, e manejo as variáveis (internas ou externas) para buscar as consequências mais favoráveis. Conhecendo e treinando várias vezes esse processo, eu fortaleço minha resiliência em cada novo enfrentamento”.  

 

A terapeuta comportamental e cognitiva Nilva Marcandali propõe algumas práticas para minimizar os impactos das mudanças exigidas pela pandemia, como o home office e o distanciamento social, como o “reforço positivo”.  Ela explica: “Você é reforçado positivamente quando a consequência de sua ação é benéfica para você. Imagine um lago (seu cérebro) de águas limpas (neuroquímicos bons – serotonina, noradrenalina, dopamina) que está recebendo constantemente cargas de lama (cortisol) vindas de caminhões. Todos os aversivos resultantes do momento atual são caminhões de lama no seu cérebro (e parecem incontroláveis), assim, você precisa arrumar um jeito de aumentar o volume de água no teu lago.”

 

Um momento reforçador, explica, podia ser o happy hour com os colegas. Dentro dos parâmetros atuais, ela propõe outros tipos de reforçadores, como assistir sua série favorita; exercitar-se; trocar afetos; cozinhar etc.. “Tire também um tempo para “reiniciar” sua mente, através da meditação, contemplação, orações, ouvir música, ou seja, aquilo que for relaxante para você. Cinco minutos por dia já terão um grande efeito.”

 

Sobre como se “desligar” das atividades em home office é uma proeza, observa a especialista, pois isso já era difícil mesmo antes da pandemia. "Em minha experiência clínica é o maior desafio de um trabalhador na atualidade”, aponta. Por isso, ela questiona: “Será possível um dia, você terminar todas as tarefas impostas no teu trabalho? Alguma vez, você vai conseguir ler e responder todos os e-mails? Quantas horas do teu dia, ou melhor, da tua vida, serão necessárias para finalizar a tua demanda profissional? Tua demanda é realista? Um ser humano normal conseguiria cumprir toda esta agenda, ou você terá que abrir mão de tua humanidade para se tornar o profissional que a empresa espera?”

 

Outra demanda, nesses tempos de pandemia, é como lidar com o luto, as perdas e a impossibilidade de estar mais próximos a familiares, conhecidos e amigos nessas horas. Para ela, todo luto é inconsolável, por isso, indica, o melhor a fazer para ajudar a minimizar um pouco esse sofrimento, é ouvir em silêncio. “Acolher a dor do outro em processo de luto significa carregar um pouco dela, suportando as palavras de desespero, dor, revolta, indignação, raiva, culpa, e qualquer outro sentimento que lhe for desabafado.” Outra orientação da terapeuta é para não querer “julgar”. Ou seja, “não tente encontrar respostas, evite conselhos, evite consolos, pois qualquer uma dessas ações pode desvalorizar a dor do outro. Além da escuta, a única ação bem vinda é o partilhar de boas lembranças de quem partiu”.

 

Como seguimos
A pandemia também trouxe impressões, suposições de que a humanidade poderia estar vivendo um quebra de paradigma com mudanças positivas para o mundo. O psicólogo e professor Marcus Vinicius Batista vê a questão de forma realista, como faz questão de salientar. “Na minha observação, experiência, na conversa, no testemunho e nas minhas preocupações, entendo o conceito de humanidade tão vago quanto superficial. O mundo é complexo demais, ninguém dá conta dele.”

 

Por isso, ele define como “pretensiosa qualquer afirmação que fale em mudanças na humanidade, muito menos vejo quebras de paradigma”. Basta ver, observa ele, o noticiário do País e do mundo, “porque os ´nossos´ problemas são os velhos problemas”. O que ele apreende da situação atual é um “intervalo do paradigma anterior, até porque não mudamos o sistema econômico, não mudamos a lógica do raciocínio político a partir desse modelo econômico, as redes sociais funcionam como bolhas, portanto quem é preconceituoso, truculento, violento, virulento continua deste modo, encontrando seus pares racistas, sexistas, fascistas”.

 

Para Batista, a coletividade é mais abstrata do que prática. Por isso, ele acredita em mudanças a partir do indivíduo: “O que eu gostaria de apostar é em pequenas mudanças individuais, ao invés de pensarmos em humanidade e paradigmas, precisamos melhorar em pequenas coisas. A pandemia está dando essa chance de pensar pequenas coisas, no vizinho, no amigo, porque o modelo político-econômico não vai mudar por causa da pandemia. Se arrumarmos o nosso quintal o coletivo também tende a melhorar.”

 

Para enfrentar esses tempos, a psicóloga Nilva Marcandali orienta: “A atitude emergencial que indico, enquanto você não consegue um tempo hábil para definir seus valores e prioridades, será disciplinar-se. Equilibre minimamente as áreas da vida que são importantes para você, através do gerenciamento de tempo. Relembre a todo momento, e principalmente quando a culpa vier, que teu corpo e tua mente têm limites, e eles buscam o tempo todo a homeostase para a própria sobrevivência. Se você os sobrecarregar, eles vão adoecer. Para os workaholics que não conseguem entender como isso tudo que eu disse pode fazer sentido para o sucesso profissional, uma dica: um corpo e uma mente minimamente saudáveis produzem mais.”

 

750 Pandemia ONU 

 

Lido 6905 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda