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02/02/2012

A internet ameaçada

Em entrevista, Sergio Amadeu, do Comitë Gestor da Internet no Brasil, mostra que por trás dos projetos Sopa e Pipa, que ameaçam liberdades na rede, estão interesses das operadoras de telecomunicações e das indústrias de copyriright. 

        Um protesto contra dois projetos que tramitam no Congresso americano tomou conta da internet em 18 de janeiro último. Do poderoso google a hackers anônimos, as ações miraram o Sopa (Stop Online Piracy Act) e o Pipa (Protect IP Act), que, se aprovados, tornarão a rede um espaço com muito menos liberdade aos internautas. Por trás dos discursos moralistas, interesses de um setor fortemente oligopolizado, das operadoras de telecomunicações, que fatura R$ 180 bilhões. Sobre o tema e como a discussão acontece no Brasil falou em entrevista ao Engenheiro o sociólogo Sérgio Amadeu Silveira, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet.


Por que a liberdade na internet está ameaçada?
        A internet está correndo dois grandes riscos de restrição, que visam mudá-la para pior. O primeiro diz respeito ao princípio da neutralidade da rede; o segundo refere-se a criar muralhas digitais à navegação. Eles são promovidos a partir das operadoras de telecomunicações e das indústrias de copyright, como a cinematográfica, a fonográfica, aqueles que vivem da cobrança de licenças de propriedade.


Qual o risco em relação à neutralidade da rede?
        A internet sempre funcionou sob a ideia de que as suas várias camadas, de rede, transporte de dados, aplicações e física, devem ser neutras umas em relação às outras para não impedir o avanço tecnológico. Por exemplo, eu crio um protocolo novo e, desde que ele se comunique com os já existentes, pode ser aplicado na boa. O que se transfere pela internet não são coisas, são bits, a menor unidade de informação, transformados em sinais elétricos ou luminosos. Portanto, a rede física tem que ser neutra em relação à transferência de dados. Isso é o princípio da neutralidade. No entanto, quando a internet foi criada, utilizou-se a infraestrutura física das empresas de telefonia. Hoje, essas operadoras perceberam o poder que têm e possuem modelos de negócios que não privilegiam a liberdade do usuário. Quando esse começa a transferir arquivos muito grandes, congestiona a rede que não está dimensionada para isso. Esse tráfego deveria ser aumentado, mas as operadoras preferem filtrá-lo.


A operadora, portanto, identifica o que está sendo transferido?
        Quando alguém está transferindo um pacote de dados, esse tem um cabeçalho que, ao ser lido pela empresa de infraestrutura, diz se é um vídeo, por exemplo. Ela não sabe o conteúdo, mas sabe que é um vídeo e pode filtrá-lo, atrasando a transferência. E esse filtro não é para melhorar o tráfego e o uso. Quando alguém está usando voz sobre IP, eles bloqueiam. Por isso muitas vezes não se consegue usar skype. As operadoras querem que você use o software delas para cobrar diferenciadamente. Cada vez mais, as pessoas e as empresas são dependentes dessa infraestrutura, usam muito a rede e vão usar mais. Então os detentores da infra viram o poder que têm. Querem definir que têm uma atividade privada no cyberespaço e podem cobrar por aplicação ou impedir que determinadas coisas passem. É gozado, porque a rede é privada, mas a comunicação é pública. E são poucas empresas que controlam essa infraestrutura. É um oligopólio nunca atingido na radiodifusão. São grandes corporações com um poder descomunal sobre a comunicação. Isso vai interferir não só na liberdade de expressão, mas também na criação de tecnologia. Nos Estados Unidos, as operadoras obtiveram uma decisão judicial a favor disso e criou-se um movimento contrário muito grande, chamado “Save the internet”


E qual a situação em relação à restrição de acesso a conteúdo?
        O outro problema é o bloqueio à liberdade da internet por interesse da indústria de copyright. Ela percebeu que as pessoas trocam muitos arquivos digitais, não acham que isso seja crime e será difícil convencê-las a não fazê-lo. Essa indústria pretende então utilizar leis ou tecnologias que impeçam o usuário de compartilhar conteúdo. Sopa é uma lei que bloquearia o número de IP e o domínio de um site que fosse acusado de ter uma foto ou texto pirateado. Com isso, os EUA passam a ser como a China, que tem uma lista de bloqueios. O cidadão americano não poderá acessar o site bloqueado. Pior, esse site será varrido na medida do possível da internet. Os grandes buscadores, tipo google, e redes sociais, como facebook e twitter, que estão em solo americano, não poderão ter qualquer link com esse site. A outra tentativa é de atuar sobre o intermediário, criminalizados provedores de acesso e de conteúdo. O Pipa, que foi enviado antes do Sopa, basicamente cria uma lista de IPs bloqueados.


Considerando que a troca de conteúdo na internet tornou-se prática trivial, algo assim tem chances de prosperar?
        Não vão conseguir pegar as pessoas, é uma ação cultural corriqueira. Equivale ao xerox na faculdade. Mas os principais enfrentamentos econômicos do século XXI vão girar em torno do capital financeiro e da propriedade intelectual, que vai gerar muitos embates. Existem forças que querem aproveitar essa expansão das redes para criar novos negócios e reproduzir o capital e outras que lutam contra o avanço tecnológico, como se fosse uma empresa de lampião a gás contra a energia elétrica. O controle da internet junta todo um rebotalho de interesses obscuros. Isso é um perigo. Estamos num momento em que as redes estão se aprimorando e isso não é feito por uma empresa, é uma criação coletiva gigantesca. Esses setores não podem se colocar contra o avanço tecnológico, mas não querem os seus resultados, tampouco a apropriação social deles.


Como esses temas estão sendo tratados no Brasil?
        No Brasil, o projeto de marco civil da internet que foi enviado ao Congresso Nacional em setembro pela Dilma ainda não tem sequer relator para dar um parecer e fazer andar nas comissões. Um dos seus princípios básicos é a neutralidade da rede. Dá garantias para que as pessoas possam utilizar a rede com liberdade e privacidade. É importante porque grande parte da invasão é feita por corporações. O banco põe um script no seu navegador que fica dizendo o que você está fazendo. Isso não é crime? Por outro lado, está pronta para ser votada a Lei Azeredo, que está preocupada com o copyright e criminalizou o acesso indevido. Mas o que é acesso indevido? É preciso criminalizar a invasão de computador. Mas por que não diz isso? Porque querem enrijecer. O marco civil vai numa linha diferente. Também determina que o provedor não seja responsável pelo conteúdo. É o paradigma do motorista de táxi, que não pode ser acusado se transportou um criminoso.



(Rita Casaro)
www.cntu.org.br




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