A introdução dos tablets nas salas de aula é inevitável e pode servir para atrair a atenção dos alunos para o conteúdo acadêmico, mas é preciso dar especial atenção à adequação da linguagem para a nova plataforma e à formação dos professores. Confira a entrevista com Samantha Kutscka no Correio Braziliense.
Em entrevista ao Correio, a coordenadora executiva de projetos da Escola do Futuro, do núcleo de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP), Samantha Kutscka., que investiga novas tecnologias aplicadas à área de educação, afirma ser necessário transformar o método de ensino para se obterem resultados. Investir apenas na mudança da mídia, de acordo com ela, não traria progresso algum. Leia abaixo os principais trechos da entrevista, selecionados pelo Jornal da Ciëncia.
A senhora acredita nessa ideia de que o lápis, a caneta e o papel vão desaparecer das escolas?
Não vejo a possibilidade de isso acontecer. Não preparamos o aluno para um mundo de certeza, claro. Mas, hipoteticamente falando, se uma instituição ficar sem energia ou houver algum evento complexo envolvendo os aparelhos, o lápis e o papel vão ser a solução. Acredito que eles não vão deixar de existir nunca. Também há um processo de desenvolvimento da cognição, onde você ensina a criança a escrever com a mão. Nesse caso, você não vai alfabetizar alguém com um tablet. Se usarmos um exemplo atual, você vai ver que ninguém deixou de fazer conta com a mão porque apareceu a calculadora. Há nove anos, quando entrei na Escola do Futuro, havia uma resistência dos professores em usar o computador. Não é diferente hoje. Podemos esperar isso a partir da introdução de qualquer nova tecnologia nas escolas.
E quanto ao desvio da finalidade do aparelho, quanto à possibilidade de dispersão por parte do aluno. É realmente um risco que se corre?
Acredito fortemente que o papel do professor não deixa de existir, ele simplesmente muda. Os pais têm, realmente, uma preocupação com a relação do filho e a tecnologia. O professor, por sua vez, com a dispersão do aluno. Mas, hoje, a maioria dos pais trabalha fora e os filhos, quando não estão sob o olhar deles, ficam sujeitos a diversos conteúdos. Não tem como fiscalizar, policiar em 100% do tempo. Tirando a censura, não tem o que fazer. Nesse sentido, acredito que a orientação do professor surge como algo fundamental. Ele deve apresentar conteúdos, mostrar o que deve e o que não deve ser acessado, afinal, a censura não agrega nada. Ela apenas aguça, atrai a pessoa para o proibido.
A senhora acredita que pode haver um agravamento do desnível entre as escolas públicas e as particulares, uma vez que essas últimas vêm incorporando primeiro esses
aparelhos?
Esse desnível sempre existiu em praticamente tudo. As escolas privadas acabam sendo mais pioneiras nessa área de tecnologia, principalmente porque têm recursos. Seria incoerente dizer que isso não acontece. Agora, a capacidade de aprender do aluno de uma escola pública é a mesma da de um de uma escola particular. Tudo depende de como você ensina. O governo tem capacidade de fazer algo bem melhor que uma escola particular, afinal ele é um, digamos, polvo com milhões de tentáculos, enquanto uma escola particular está sozinha ou pertence a uma rede. É necessário apenas fazer.
E a capacitação dos professores, a senhora acredita que realmente esse é um desafio?
Sim, porque as gerações são diferentes e, por isso, entendem a tecnologia de forma diferente. Existe certa resistência, mas ela passa. A formação do professor começa com uma quebra de paradigma, pois não se trata apenas de mostrar ao profissional como usar o aparelho, mas de fazê-lo reconhecer potenciais pedagógicos naquilo. Incorporando uma nova tecnologia, você acaba agregando mais trabalho ao educador e ele, normalmente, não está satisfeito com a remuneração que recebe. Então, nesse caso, você deveria incluir uma bonificação, um estímulo a esses professores.
Vem se falando também da insegurança que andar com um aparelho de alto custo pode trazer ao aluno. O que a senhora pensa sobre isso?
Acho que pode ser um risco sim, mas não tenho uma opinião sólida sobre o assunto. Acredito que, quando a tecnologia se popularizar, os preços irão cair e talvez não fique tão perigoso andar com o tablet. Pensar nisso no âmbito das escolas públicas depende da aplicabilidade, afinal, ainda não sei se o aparelho vai sair da escola ou não vai. De toda forma, não acredito que os assaltantes vão se apoderar dos entornos das escolas como um alvo primário. Afinal, hoje vejo muitos alunos de escolas particulares carregando notebooks, smartphones.
Quais são as maiores vantagens em usar esses aparelhos nas escolas?
Atratividade. Esse é o grande diferencial. Uma questão muito complexa é que as pessoas não aprendem da mesma forma. Por isso, quando você tem um conteúdo multimídia, você tem possibilidades maiores e melhores de transmitir um conteúdo de várias formas.
E qual a grande preocupação na introdução desses aparelhos no ambiente escolar?
Adequar a linguagem e formar o professor. O que você não pode fazer é simplesmente transformar um livro impresso para digital. O conteúdo deve ser repensado, você tem que aproveitar o potencial daquela plataforma. No caso de livros, você tem praticamente que os recriar. Sabemos, por experiência, que não adianta apenas trocar a mídia para que o aluno assimile o conteúdo.
(Correio Braziliense)
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