Carlos Magno Corrêa Dias *
Atualmente falar em profissões que deixarão de existir e de outras tantas que ainda não foram criadas e que passarão a ser fundamentais não é mais um assunto que cause espanto ou indiferença, pois, na verdade, começam a causar sim muita apreensão em diferentes setores. E o motivo é muito simples dado que muitos profissionais começam a se perguntar qual é de fato a possibilidade de sua profissão atual deixar de existir ou de ser substituída por outra que ainda não foi inventada dada a rápida transformação das tecnologias ou das realidades.
Com os avanços tecnológicos em ritmo acelerado e cada vez mais inovador e disruptivo as profissões vão sendo transformadas, criadas e modificadas a todo instante de forma muito veloz sem que se dê conta das correspondentes alterações. É, então, difícil dizer (com precisão) o que será necessário aprender nos próximos anos para se manter um profissional relevante em dada área de atuação. Entretanto, a despeito das incertezas, ansiedade, complexidades ou incompreensões, será necessário “saber como aprender a aprender”.
É sempre importante salientar que independentemente das profissões o trabalho jamais deixará de existir. Então, em última análise, são as formas de trabalho que sofrem transformações dia após dia nesta Quarta Revolução Industrial que torna mais evidente as infinitas possibilitadas quânticas existentes e que estão exigindo mais e mais inolvidáveis habilidades ou competências dos trabalhadores.
Pouco antes do advento da pandemia de Covid-19 o mundo 4.0, inovador e disruptivo, era marcado pela volatividade (volatility), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity), o chamado mundo Vuca (acrônimo cunhado a partir da primeira letra de cada uma das correspondentes palavras inglesas).
Este mundo Vuca, entretanto, um mundo propriamente das mudanças constantes, não era de todo percebido com igual intensidade pela maioria das pessoas (e nem tão pouco pelos trabalhadores em particular). Não eram de todo percebidas, também, as consequências na realidade circundante que conduziam o mundo Vuca a existir.
Muitos, na verdade, demoravam muito para sequer perceber que da noite anterior (quando iam dormir) até o amanhecer do dia seguinte (quando se levantavam) inúmeras situações estavam mudando continuamente. Muitos, também, naturalmente, chegavam à morte, ao fim de suas vidas, sem notar as profundas mudanças produzidas em praticamente todos os setores de suas vidas, mas o mundo Vuca estava lá se desenvolvendo.
O conceito Vuca absolutamente não é uma concepção nova. Foi criado pelo Army War College, dos Estados Unidos da América (USA), entre as décadas de 1980 e 1990. O mundo Vuca foi uma forma utilizada para se tentar explicar a realidade do mundo no contexto após a Guerra Fria pretendendo evidenciar mais claramente quatro características marcantes do momento em que se vivia na época.
Na época os correspondentes termos podiam se adaptar facilmente tanto ao ambiente de negócios quanto à sociedade em geral e possibilitou a promoção de novos desafios para as organizações e para os profissionais de todas as áreas.
O mundo Vuca (volátil, incerto, complexo e ambíguo) é aquele no qual não se tem muita certeza do vai acontecer daqui a alguns segundos; no qual o planejamento sistêmico é muito difícil e apenas incerto; sendo a complexidade permanente, enorme e que aumenta intensamente diuturnamente; onde solução alguma é simples ou única e sempre está em uma enorme cadeia de complexidades.
No mundo Vuca a prosperidade está condicionada a se ter “resiliência para lidar com as inevitáveis mudanças; flexibilidade para lidar com cenários imprevisíveis ou imprecisos; multidisciplinariedade para se enxergar soluções eficazes; e, plena abertura para escolher soluções e saber arcar com os erros cometidos e agilmente resolvê-los”. Viver no mundo Vuca era fazer do presente o futuro de forma que decisões tomadas ontem, geralmente, não valiam mais hoje e sequer poderia retomadas amanhã. Aquela postura de que soluções valeriam para sempre não possuíam mais a menor possibilidade de se considerar, pois o mundo Vuca era por excelência a realidade da constante mudança.
Pouco antes da pandemia de Covid-19 instava-se a necessidade do forte desenvolvimento da inteligência emocional, da resiliência, da colaboração, do autocontrole, do contínuo aprender para apreender; características do mundo Vuca. Naquele mundo de antes o homem era constantemente chamado a desenvolver a criatividade, a capacidade de resolver problemas cada vez mais complexos. O pensamento crítico era exigido e o homem necessitava melhorar continuamente sua flexibilidade cognitiva e sua forma de tratar com pessoas.
Naquela realidade aprender, desaprender e reaprender muito rapidamente era a expertise que muito bem deveria ser desenvolvida pelos profissionais uma vez que a cada instante o conhecimento se alterava, se transformava, sendo deixado de lado ou para trás aquilo que no passado era imprescindível.
Muitos se iludem (ainda hoje) achando que com a pandemia de Covid-19 houve uma parada no normal de antes e que depois de se vencer as crises geradas pela Covid-19 se voltará aquela realidade do mundo Vuca por exemplo. Mas, não será possível mais o normal de antes.
A realidade durante a pandemia de Covid-19 já sinalizou que não mais será factível aceitar diversos posicionamentos daquele normal anterior, pois são “já compreendidos como ultrapassados e que só contribuem para danos contínuos na vida das pessoas se mantidos”.
A pandemia de Covid-19 acelerou, por exemplo, a transformação digital do mercado e muito provavelmente muitas das profissões exercidas antes dela deixarão de existir quando as crises geradas forem controladas. Não apenas as empresas serão impactadas violentamente após a pandemia como, também, a carreira dos colaboradores serão transformadas violentamente.
Para enfrentar, também, o imprevisível gerado pelo universo cada vez mais conectado tanto empresas quanto profissionais estão sendo chamados a se reinventarem e o mundo Vuca que em tempos próximos ao início da pandemia de Covid-19 se mostrava eficiente deixou de ser interessante por não ser mais suficiente. As transformações constantes e os processos acelerados de obtenção de soluções passaram a exigir um novo modelo de mundo para impulsionar negócios ou manter o desenvolvimento.
Embora o conceito de mundo Vuca (caracterizado pela instabilidade, insegurança mundial, transformações rápidas e forte presença tecnológica) tenha voltado com intensidade lá no início da pandemia de Covid-19 para tentar orientar as empresas e os profissionais a se desenvolverem diante do catastrófico mundo de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade que a pandemia vinha gerando, a tática Vuca foi pouco eficiente perante as enormes e inusitadas problemáticas que se iam formando.
A ampla digitalização potencializada pela pandemia de Covid-19 mostrou que o mundo Vuca estava desatualizado e prerrogativas como ampliação da agilidade, controle da ansiedade, desconexão constante e incompreensão devido às rápidas mudanças constantes pertencem a um novo mundo que o mundo Vuca não dá conta.
Limitar-se simplesmente aos parâmetros do mundo Vuca não se mostrou adequado já no início da pandemia de Coviod-19 e, portanto, após se controlar a pandemia de Covid-19 aquele “normal” onde se tentava reestabelecer o mundo Vuca, também, não retornará. Diante de semelhante constatação se fez necessário identificar novas diretrizes para organizar o mundo para além da pandemia.
É importante ressaltar que a concepção VUCA como metodologia de ação dos profissionais nas corporações havia retornado por volta de 2002 e vinha se popularizando como estratégia disruptiva (“inovadora”) até que os desastres da pandemia de Covid-19 se iniciaram o mundo.
A pandemia de Covid-19 mostrou que o mundo se transformava de volátil para ágil, de incerto para ansioso, de complexo para não linear e de ambíguo para incompreensível; dando origem ao mundo Bani (acrônimo formado pelas primeiras letras das palavras inglesas brittle, anxious, nonlinear e incomprehensible).
No mundo atual (caótico e com dificuldades nunca experimentadas) a “impermanência” é determinante. O mundo está sujeito a catástrofes a qualquer momento. Tudo pode desmoronar da noite para o dia. O mundo é frágil. Nada é suficientemente robusto que não possa ruir de repente. Assim, a volatilidade do mundo Vuca passa a ser frágil no mundo Bani.
Diante da diversidade de tantas mudanças que se evidenciavam no mundo pandêmico o medo, a incerteza, a insegurança, intensificaram o aumento incontrolável da ansiosidade pelo que pode acontecer ou deixar de ocorrer. O sentimento de se estar perdido é algo muito presente em todos diante do momento de insegurança que se vive atualmente no mundo. Assim, o mundo está ansioso e está ansiedade impacta diretamente na tomada de decisões para se obter novas soluções. O senso de urgência acarretado pelo medo ocasionado pela possibilidade da morte por Covid-19 chama, também, fortemente a ansiedade neste mundo BANI.
A despeito das dificuldades do mundo VUCA mesmo naquele contexto a complexidade se mostrava com vinculação entre causa e efeito. No mundo BANI, entretanto, aquela as conexões se rompem, deixam de existir, e, na maioria das vezes, estruturas bem definidas e padronizadas sucumbem comprometendo o planejamento. No mundo BANI planejamentos bem estruturados e de longo prazo não têm sentido de forma que decisões mais simples podem proporcionar grandes resultados como decisões super elaboradas podem acabar na ausência de quaisquer soluções. O mundo não é mais linear.
Se no mundo Vuca existia a ambiguidade, no mundo Bani o excesso de informação causa, inevitavelmente, a incompreensão. Inúmeros dados para diversas e difusas situações só fazem confundir gerando respostas que não são entendidas.
No mundo Bani, as informações surgem e transitam com tanta frequência e rapidez, que muitos simplesmente não sabem como agir. A sobrecarga de informações gera incertezas. A incompreensibilidade se multiplica e se espalha. De um lado há uma crise para se compreender as respostas postas e de outro não existem soluções para problemas de incompreensível formulação.
Assim, volatividade, incerteza, complexidade e ambiguidade do mundo Vuca dão lugar ao ágil, ansioso, não linear e incompreensível do mundo BANI estabelecendo-se uma forma (ainda provisória) para se identificar o novo “normal” que a pandemia de Covid-19 está obrigando seguir.
É claro que tanto o conceito Vuca quanto a concepção Bani não constituem “modelos mágicos”, ou definitivos, que garantem seguramente as trilhas a seguir para a obtenção de soluções dos inúmeros problemas que assolam continuamente as organizações e comprometem fortemente a ação dos profissionais no mundo do trabalho.
Tais parâmetros podem fornecer subsídios para mais rapidamente se precaver e reagir diante das inúmeras mudanças que, com velocidade jamais constatada, estão transformando o dia a dia da convivência no mundo que se torna incerto, difícil de entender, complexo, ágil, ambíguo, ansioso, volátil, não linear, desafiador, disruptivo e inovado constante e continuamente.
* é professor, pesquisador, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI), líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).