Carlos Magno Corrêa Dias*
Embora as Demências atinjam milhões e milhões de pessoas em todo planeta e diversos tipos vão sendo identificados com o passar do tempo estas síndromes continuam um mistério quanto aos motivos que as determinam sendo, também, um enorme desafio descobrir como tratá-las haja vista que não apresentam qualquer tratamento efetivo que possa oferecer a correspondente cura.
Sabe-se apenas, de concreto, que tanto um paciente com Demência quanto seus familiares vão sofrer muito até que ocorra a inevitável morte a qual poderá demorar muitos anos (até décadas) para ocorrer dependendo de inúmeros fatores os quais não são, também, completamente identificados.
Chamadas, também, de Síndromes Demenciais, as Demências apresentam evolução crônica e vão provocando perdas cognitivos importantes as quais, literalmente, “apagam” o paciente dado que provocam sérios comprometimentos da memória, da compreensão, da capacidade de aprendizagem, bem como da fala, da linguagem e do discernimento.
Não bastasse o comprometimento das funções cognitivas, as Demências promovem acentuada deterioração do comportamento, do controle emocional, da criatividade, da motivação, promovendo, também, o mal funcionamento clínico de diversas partes do organismo chegando, inclusive, a promover a falência definitiva de órgãos essenciais à vida.
Não que a Demência seja uma síndrome condicionada pelo envelhecer, mas na medida que a população do mundo vai envelhecendo o número de novos casos anuais de Demência entre os idosos vai se ampliando também uma vez que a Demência se destaca como uma das principais causas de incapacidade e dependência entre os idosos.
Distintas organizações ao redor do mundo começam a intensificar os alertas para uma possível crise pública sem precedentes gerada pelo aumento exponencial dos casos de Demência no mundo na atualidade e para o futuro próximo. Como a Demência prejudica, e em muito, o desenvolvimento social e econômico, seja em países ricos ou pobres, as consequências do aumento das populações idosas com Demência já se fazem notadas. O número acentuado de casos de Demência antes da pandemia (sejam entre os idosos ou entre os menores de 60 anos) já era preocupante. Todavia, pós pandemia estima que sejam triplicadas em poucos anos as quantidades de pacientes com Demência até 2050. Fala-se em um aumento de cerca de dez a quinze milhões de novos casos de Demência a cada ano para os próximos anos.
Não bastasse o enorme número de casos de Demência conhecidos e as previsões do aumento significativo de novos casos existe, ainda, uma assustadora possibilidade de que, muito provavelmente, em média, mais da metade dos casos de Demência sequer são notificados; sendo que nos países mais pobres este total pode ser de até três vezes que os casos devidamente registrados.
Com a idade sendo aumentada pode ocorrer a contração no volume do cérebro e existir uma perda de peso do encéfalo. Assim, mesmo que a perda neuronal não seja responsável por correspondentes alterações no cérebro dos idosos modificações físicas na massa cefálica, tais como declínio da substância branca, diminuição dos níveis de enzimas que sintetizam alguns neurotransmissores, redução das sinapses que utilizam neurotransmissores para a execução de rotinas funcionais, por exemplo, vão resultar em alterações na memória, no comportamento, nas condições motoras, no intelecto, enfim, no modo de ser daqueles mais idosos.
Entretanto, atualmente, simplesmente, a partir do diagnóstico de Demência, é apenas impossível prever com qual velocidade a Síndrome Demencial vai evoluir dos sintomas brandos do estágio leve ao estágio grave passando pelo estágio moderado. A duração de cada um destes estágios de desenvolvimento é muito variada, mas os sintomas, seguramente, vão pirando ao longo dos anos e, principalmente, quando a saúde do paciente já está prejudicada por outras comorbidades.
Os estágios clínicos do quadro degenerativo das Demências apresentam fases mais ou menos distinguíveis conforme a intensidade dos sintomas. Todavia, existem, também, enormes variações na duração de cada fase de forma que dependendo das condições ou os sintomas evoluem muito lentamente ou a deterioração é super acelerada. Em alguns casos a evolução progride de forma constante, mas existem muitos casos nos quais a Demência evolui em surtos (em saltos) de piora agravados que são seguidos de períodos de alguma estabilidade.
Em geral, concorda-se que o estágio leve possa ser dividido em três fases, o moderado em duas fases e o estágio grave em até duas fases também. Há, ainda, quem admita um estágio anterior ao do estágio leve, denominando-o de “Pré Demência” no qual os sintomas são quase imperceptíveis quando os pacientes não demonstram claramente dificuldades subjetivas ou objetivas, mas que obrigam iniciar investigações mais aprofundadas.
Uma das grandes dificuldades dos diagnósticos da Demência é, sem dúvida, que no estágio leve, que pode durar de dois a dez anos em média segundo a maioria dos estudos, as características identificadas são facilmente confundidas com as de outras doenças ou, pior ainda, pode ser que não existam quaisquer sintomas identificáveis. Mas, embora na primeira fase a cognição é normal, na segunda fase inicia-se um declínio cognitivo brando (muito leve) que se agrava para declínio cognitivo leve na terceira fase deste primeiro estágio.
O estágio leve da Demência é por demais complexo (e angustiante) no sentido que é possível até se pensar que nada está errado no comportamento do paciente durante muito tempo, mas “sente-se” que algo está mudando conforme as sutis alterações vão evoluindo silenciosamente, alterações estas que, em muitas das vezes, até mesmo médicos experientes não são capazes de perceber.
Todavia, na terceira fase do estágio leve vão sendo percebidas mudanças tanto no comportamento quanto no pensamento do paciente, pois o paciente começa a esquecer aquilo que acabou de falar, faz repetidas vezes uma mesma pergunta, chega a se perder em caminhos nos quais estava acostumado, não consegue guardar muito de conversas, começa a ter muita dificuldade de se organizar, não lembra onde guarda objetos de uso diário, não lembra de compromissos assumidos, chegando a não se lembrar do nome de pessoas próximas.
Nas duas próximas fases, já no estágio moderado, o qual se desenvolve bem mais rápido que os estágios leve e grave, os problemas com o pensamento e o com as dificuldades de raciocínio começam a se agravar tornando-se bem visíveis.
No estágio moderado o paciente começa a esquecer quem é, não consegue mais fazer com acerto atividades corriqueiras do dia a dia como dirigir seu próprio carro, perde a noção do tempo, frequentemente se confunde, começa a ter dificuldades para organizar a fala e o próprio pensamento. Os problemas do paciente vão evoluindo até que passa a ser impossível sobreviver sem a assistência de alguém para quase tudo. Na maioria das vezes começa a perder o controle de tudo.
No estágio grave das Demências, tipo a Doença de Alzheimer, o paciente em alguns casos até consegue reconhecer algumas pessoas de seu círculo de convivência, mas acabará por não saber mais quem são e deixará de se reconhecer. É comum confundir as pessoas tipo os pais com os filhos ou os filhos com os cônjuges. Os pacientes passarão a ter alucinações ou delírios, não saberão sequer ir ao banheiro para fazer as necessidades, poderão ter incontinência urinária e fecal, dependerão completamente de um Cuidador para sobreviver. Poderá chegar a sequer conseguir se alimentar ou se movimentar, entrando em estado catatônico até o falecimento pela parada de algum órgão vital à sobrevivência. Muito triste.
Mas, embora ainda não se tenham tratamentos efetivos para a cura das Demências, muitos são os estudos em desenvolvimento para se atingir ou a cura ou para ao menos amenizar o sofrimento tanto dos pacientes com Demência quando dos seus familiares.
A Lógica Dedutiva ensina, basicamente, que “alfa premissas levam a beta conclusões” e a Engenharia de Dados tem a possibilidade de gerenciar, otimizar, supervisionar ou monitorar a recuperação, armazenamento e distribuição de dados de quaisquer mundos possíveis.
O mapeamento de quantidades enormes de dados passou a constituir procedimento de análise para a avaliação das consequências de sequências de ocorrências para ou entender procedimentos ocorridos ou para prever futuras possibilidades. Neste sentido tem-se uma nova forma de Engenharia que poderá ajudar não somente a entender e prever as Demências como será capaz de promover descobertas que levarão à cura das Síndromes Demenciais.
As contínuas associações entre a Engenharia de Dados e a Lógica e iterações delas com a a Matemática, a Computação e a Estatística estão permitindo o desenvolvimento de modelos eficientes centrados em “machine learning” o qual consiste em um método automatizado de análise de dados utilizado para extrair informações relevantes a partir de padrões tanto preestabelecidos quanto desenvolvidos por intermédia da IA (Inteligência Artificial).
Resumidamente, pode-se dizer que “machine learning” (aprendizagem de máquina, em português), também conhecido como aprendizado automático, trata-se de uma evolução do Reconhecimento de Padrões (classificação de objetos em um conjunto categorias ou classes) e da Teoria do Aprendizado Computacional (análise da complexidade computacional do algoritmo de aprendizado de máquina) para a IA. Podendo-se afirmar que “machine learning” é o que dá aos computadores a habilidade de “aprender” por conta sem a necessidade de serem continuamente programados pelos humanos. O próprio computador vai construindo os algoritmos a partir dos dados que recebe e aí realiza previsões ou toma decisões orientadas pelos dados não se limitando às instruções previamente programadas.
Assim sendo, o desenvolvimento de modelos utilizando “machine learning” passa a ser fundamental, por exemplo, para prospecções sobre o ritmo de perda das funções cognitivas dos pacientes diagnosticados com Demência, principalmente com a Doença de Alzheimer dado ser a de maior incidência.
Então, mapeando o histórico clínico de pacientes com Demência poderá ser possível por meio de modelos centrados em “machine learning” estabelecer previsões acertadas sobre as características evolutivas da Demência e até mesmo como encontrar a cura por meio dos algoritmos que continuamente serão construídos pela própria “machine learning”.
Quanto mais dados forem sendo inseridos em modelos de “machine learning” maior e melhor serão as informações que poderão ser obtidas. O que se espera é que o desenvolvimento dos algoritmos criados pelas máquinas sejam cada vez mais potentes de forma a prever, com erro mínimo, em quais condições a Demência poderá surgir, ou como poderá ser tratada, ou bloqueada, ou até mesmo eliminada (curada).
O desafio para as “máquinas que geram máquinas”, para as “máquinas que pensam”, para as máquinas que vão aprimorando os algoritmos na medida que “aprendem”, é diagnosticar Demências precocemente, analisando milhões e milhões de sequências de imagens obtidas em distas épocas por tomografias computadorizada dos cérebros de pessoas com Demência sejam daquelas que já faleceram quanto daquelas que ainda estão desenvolvendo a doença.
Uma dificuldade imediata, entretanto, é reunir todos os dados, haja vista que o mundo não é ainda digital no sentido pleno. A Quarta Revolução Industrial não tem conseguido adesão em massa à necessidade de se transformar digitalmente os mais diversos dados que são absurdamente gerados a cada segundo. Num passado recente o o conhecimento dobrava de 200 em 200 anos. Atualmente o conhecimento dobra a cada um ano.
Mas, a ideia a ser implementada é que a partir dos dados armazenados se possa conseguir o diagnóstico precoce (as “alfa premissas”) para poder inferir eficazes medidas terapêuticas (as “beta conclusões”) que poderão inclusive fazer com que os sintomas da Demência jamais possam se manifestar, ou antes, permita retardar o desenvolvimento da Demência quando já detectada.
As máquinas que aprendem poderão, em futuro muito próximo, compilar um número gigantesco de dados quase que instantaneamente na medida que as consultas vão sendo realizadas para ir mostrando múltiplos caminhos alternativos; algo impensável para o limite das capacidades humanas. Entretanto, mesmo o pouco que já foi experimentado no sentido em questão dá sinais de que diferentes formas de Demência poderão ser previamente identificadas muito antes dos primeiros sintomas aparecerem.
É importante ter em mente, contudo, que nem todo sintoma diagnosticado como o de alguma Demência é, de fato, sinal de que o paciente esteja acometido de alguma Síndrome Demencial dado que ao se envelhecer o organismo (como um todo) vai perdendo potência e fica mais lento, mais fraco, tendo muito mais dificuldades para seguir a vida “normalmente”. Assim, por exemplo, não é porque um ancião não consegue mais fazer contas com normalidade, ou porque não é capaz de responder prontamente às perguntas, ou porque caminha mais lentamente, ou porque esquece acontecimentos com mais frequência, ou porque se confunde mais vezes, ou porque tem maiores dificuldades para conduzir sua vida, é que esteja com alguma Demência.
O envelhecimento promove, necessariamente, alterações fisiológicas significativas ao longo do tempo em organismos multicelulares. E como não existem “peças de reposição novas” quanto mais idoso maiores serão os desgastes em todos os órgãos das pessoas com idades avançadas. Porém, é mais comum do que se pode imaginar confundir sinais de desgastes normais dos idosos como sendo sintomas de alguma Demência dadas as sutilezas envolvidas. O enfraquecimento dos órgãos pelo avançar da idade não significa, em absoluto, que se esteja tratando de uma pessoa com Demência. Tudo pode estar funcionando adequadamente, sem problema algum, só que de forma bem menos intensa, bem mais devagar.
Máquinas “pensantes” serão, então, também, alimentadas com IA para se distinguir quando os sintomas são de fato de Demências ou se são apenas decorrentes do desgaste natural do organismo diante do avançar da idade.
Fato é que com uma base de dados enorme, robusta e consistente, construída a partir de avaliações clínicas diversas realizadas em todas as partes do mundo com pacientes diagnosticados com Demência, poder-se-á construir um Banco de Dados que alimentará algoritmos de IA para desencadear processo contínuo e constante de aprendizagem para fazer projeções. Presume-se que aplicando assim a IA em breve será possível tanto prever Demências com até 20 anos antes de antecedência como, também, será possível descartar falsas informações que poderiam enganar no diagnóstico de Síndromes Demenciais.
Supõe-se que um conjunto muito grande de exemplos de varreduras cerebrais realizadas por meio de tomografia computadorizada por emissão de pósitrons associadas aos resultados de testes cognitivos realizados em pacientes com Demência em distintos estágios de evolução da doença poderá, também, de forma assertiva, contribuir para a geração de outros algoritmos cada vez mais poderosos que por fim serão capazes de equacionar completamente as Demências.
Além da parte lógica do processo aventado a chamada Bioengenharia ou Engenharia Biológica desempenhará importante papel no processo de conhecimento das Demência haja vista que a aplicação das Engenharias na área da Biologia e Saúde já atingiu significativa relevância para melhor entender os organismos vivos. Cada vez mais as Ciências Exatas e as Tecnologias se tornam imprescindíveis para aprimorar equipamentos no campo da Saúde e da Biologia. Diante da evolução da Engenharia da Computação associada às demais Engenharias e às várias Áreas do Saber o aprimoramento dos estudos em Bioengenharia tornou-se essencial para o desenvolvimento de equipamentos cada vez mais sofisticados e de precisão para auxiliar a melhor entender e resolver os diversos e difíceis problemas que se multiplicam em Saúde e em Biologia; não sendo diferente quando considera para vencer as complexas batalhas contra as Síndromes Demenciais em particular.
Muito em breve a Engenharia Biomédica, com o auxílio da IA, será capaz de criar equipamentos tais que poderão diagnosticar as Demências com, possivelmente, um único e rápido exame não invasivo a partir de uma máquina geradora de outras máquinas.
Vários estudos em diferentes organizações já vão apresentando importantes descobertas que corroboram as precedentes considerações. O desenvolvimento de algoritmos baseados na coleta de informações sobre pacientes com Demência tais como prescrições e diagnósticos realizados pelos médicos começam a ser usados, também, para simular o desenvolvimento da Demência. Equipamentos computadorizados revolucionários estão sendo produzidos tanto para se estabelecer uma melhor qualidade de vida dos pacientes com Demência quanto para amenizar as inúmeras dificuldades provenientes da Demência. Uma gama enorme de novos robôs e humanos digitais estão sendo construídos para o atendimento específico de pacientes com Demência.
Programados com instruções específicas sobre os sintomas de determinado tipo de Demência as correspondentes máquinas robóticas poderão executar rotinas de atendimentos complexos funcionando, também, com algoritmos de aprendizagem de IA que evoluirão contínua e constantemente ao desempenharem diferentes funções de acordo com os objetivos que devem atingir. Poderão ser instalados em hospitais, clínicas ou nas próprias residências dos pacientes e receberão comandos de estações remotas em tempo real.
Tais robôs farão a coleta, armazenamento e análise de quantidades maciças de dados na medida que eles próprios vão avaliando, agrupando e classificando os dados colhidos dos pacientes que atenderão e darão suporte para a tomada assertiva de decisões necessárias.
Todavia, há de se ressaltar que todos os estudos e pesquisas foram obrigados a serem desacelerados e estão sendo reavaliados a partir do surgimento da pandemia de Covid-19 haja vista que o próprio coronavírus gerador da Covid-19 está promovendo a ampliação dos casos de Distúrbios Demenciais de forma preocupante. A utilização de “machine learning” objetivando formular tratamentos, antecipar diagnósticos e até mesmo encontrar a cura para as Demências passa a exigir a ampliação da base de dados levando em conta os muitos casos de Demências gerados pela Covid-19.
Mas, a despeito das dificuldades e dos enormes desafios envolvidos, um mundo inolvidável, inovador e disruptivo está sendo construído no combate às Demências baseado em aprendizado de máquina e, mais cedo do que se pode imaginar, as Síndromes Demências serão completamente compreendidas com distintas possibilidades não apenas de cura, mas, também, com procedimentos para se evitar que um ser humano venha a desenvolver Demências. Estas são as apostas mais otimistas.
*Carlos Magno Corrêa Dias é professor, pesquisador, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI), líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).