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18/03/2022

Inovação segue novos rumos com laboratórios de fabricação digital

Carlos Magno Corrêa Dias*

 

Atualmente o mundo vive a Quarta Revolução Industrial ou, também, chamada Indústria 4.0 a qual é consequência de um processo disruptivo de grandes transformações na maneira pela qual a produção das mercadorias foi sendo desenvolvida. 

 

Tais transformações tiveram seu início na Inglaterra por volta da segunda metade do século XVIII quando a manufatura foi gradativamente sendo substituída pela maquinofatura e as indústrias com suas oficinas manufatureiras iniciavam a utilização de novas técnicas de produção e de novas tecnologias tais como a máquina a vapor e o tear mecânico. 

 

De forma geral, pode-se dizer que transformar matéria-prima em produto acabado servindo-se de mão de obra humana e de conjunto de máquinas e energia (processo conhecido como maquinofatura) é a principal finalidade de uma indústria.

 

Maquinofatura pode ser entendida, então, como a indústria mecanizada a qual promoveu, inquestionavelmente, o aumento da velocidade e do volume da produção jamais antes sequer imaginado.

 

A indústria, na forma que é conhecida atualmente, teve sua origem com aquela que foi denominada de Primeira Revolução Industrial desenvolvida no período de meados do século XVIII até o início do século XIX.

 

Cabe ressaltar, entretanto, que antes das Revoluções Industriais a humanidade servia-se, primariamente, da manufatura e do artesanato para a produção de seus bens. 

 

Enquanto no artesanato, basicamente, o produtor executava sozinho cada uma das fases de produção e da própria comercialização dos produtos; na manufatura, no seu início, mesmo com algum uso de maquinário simples, envolvia a divisão do trabalho e, notadamente, dependia do trabalho manual. Manufatura significa, grosso modo, “obra feita à mão”. 

 

Embora a manufatura seja uma sucessora do artesanato, surgida lá no século XV, se distingui por estabelecer forma de produção e organização de tarefas centrada no trabalho manual no qual a divisão das atividades impõe que muitos operários realizem operações distintas utilizando dispositivos individuais. Pode-se dizer que “a manufatura é uma generalização em que a técnica de produção é artesanal, mas o trabalho é desempenhado por muitos trabalhadores e não apenas por um único artesão”. Seja como for, atualmente, entretanto, o termo “manufatura” faz referência aos grandes estabelecimentos industriais de forma que a expressão “produto manufaturado” designa quaisquer bens produzidos nas indústrias.

 

Foi a introdução cada vez mais intensificada das máquinas na produção dos bens que gerou, efetivamente, a Primeira Revolução Industrial a qual ficou distinguida tanto pela divisão do trabalho que passou a ser assalariado e pela grande especialização do trabalhador para a execução dos seus trabalhos quanto pelo emprego acentuado de máquinas movidas a carvão mineral e pela produção em massa seguindo padrões preestabelecidos.

 

É afirmado que as Revoluções Industriais sempre foram marcadas por mudanças profundas, disruptivas, inovadoras, promotoras de grandes invenções nos processos de manufatura e que provocaram aumento de valor dos produtos na cadeia organizacional e ampliaram por demais a competitividade em todo o ciclo produtivo. 

 

Mas, paralelamente à evolução da manufatura, a partir da Primeira Revolução Industrial, iniciou-se um certo distanciamento (velado) entre a universidade e a indústria; ou melhor dizendo, entre as Ciências (desenvolvidas nas Universidades) e as Tecnologias (exigidas evoluir diariamente nas Indústria); chegando-se a situações tais que Tecnologias empregadas no chão de fábrica sequer tiveram tempo de virar temas a serem estudados em disciplinas de Engenharia nas salas de aula das Universidades.

 

A despeito, porém, das dicotomias entre Ciências e Tecnologias, entre Universidades e Indústrias, é sempre notável (em quaisquer épocas) constatar que as Engenharias foram se aperfeiçoando em todos os campos servindo-se indistintamente do conhecimento tanto estudado nas Ciências quando produzido nas Tecnologias. 

 

Porém, a indústria sempre esteve em transformação e a descoberta (gradativa e constante) de novas fontes de energia (tais como combustão e eletricidade), bem como a concepção de produção em escala fizeram, por volta da segunda metade do século XIX ou primeira metade do século XX, surgir o que se consagrou chamar de Segunda Revolução Industrial quando o mundo começou a comprar e usar produtos industrializados.

 

Durante a Segunda Revolução Industrial as grandes indústrias passam a abrir filiais em outros países que desde então ficaram conhecidas como multinacionais e transnacionais. Todavia o período era de incertezas e dificuldades enormes decorrentes das duas grandes guerras mundiais e a economia mundial sofria um colapso que exigiu uma nova reorganização do setor industrial que foi obrigado a se internacionalizar para ter maior mobilidade. 

 

Todavia, após a Segunda Guerra Mundial, o aprimoramento e os novos avanços das Tecnologias propiciaram uma aproximação mais estreita com as Ciências no sentido de se estabelecer integrações ao sistema produtivo. Assim, diz-se que em meados do século XX surge a Revolução Técnico-Científica-Informacional ou Terceira Revolução Industrial.

 

Durante a Terceira Revolução Industrial as indústrias começam a desenvolver Tecnologias nunca sequer imaginadas sendo, principalmente, nos campos da robótica, informática, telecomunicações, eletrônica, genética. Nestas áreas ocorreram avanços surpreendentes os quais produziram modificações radicais em todo o sistema produtivo. Uma nova concepção dirigiu os passos do desenvolvimento haja vista que a ordem passou a ser “produzir mais em menos tempo”, pois era, então, possível.

 

A introdução dos robôs na indústria juntamente com a utilização de outras máquinas e equipamentos cada vez mais eficientes e precisos alteraram fortemente o modo de organização da indústria e a maneira de atuação da mão de obra haja vista que o aumento da produção e a diminuição do tempo de fabricação dos produtos possibilitou ampliar expressivamente os lucros e diminuiu brutalmente os gastos com mão de obra.

 

A Terceira Revolução Industrial marcou um período de enorme prosperidade quando surgiram novas e determinantes Tecnologias e novos métodos e procedimentos inolvidáveis. Naquele período as indústrias químicas, as indústrias automobilísticas, tanto quanto as indústrias de bens de consumo duráveis e não duráveis se expandiram enormemente tornando a manufatura em larga escala imprescindível. 

 

Mas, o homem não consegue parar de criar por meio do engendrar e a indústria não deixa de se transformar dia após dia. Já em 2011, na Alemanha, quando o Governo Alemão decidiu dar um salto de inovação para promover mudanças tecnológicas a fim de alcançar grau disruptivo de digitalização da produção industrial, surge a Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial a qual, chamada, também, de Era da Manufatura Avançada, é a Era da Digitalização e da Internet das Coisas (em inglês: “Internet of Things” - IoT).

 

A Indústria 4.0 consagra a era da produção descentralizada na qual a utilização das Tecnologias de interconectividade e a intensa coleta e análise de dados possibilita, efetivamente, interconexão entre os mundos reais e virtuais na produção. O mundo cyber-físico conecta todas as etapas da cadeia produtiva dando origem às fábricas inteligentes nas quais a partir de uma cópia virtual do mundo físico são tomadas decisões operacionais a distância que se comunicam e cooperam entre si e com os humanos em tempo real.

 

Na Quarta Revolução Industrial os computadores se conectam e se comunicam entre si para tomar decisões com o mínimo possível de envolvimento humano. A fábrica inteligente é uma realidade na Indústria 4.0 e hoje máquinas inteligentes não apenas constroem outras máquinas mais inteligentes como, também, são cada vez mais eficientes, mais produtivas e, principalmente, geram muito menos desperdícios. Na Indústria 4.0 as máquinas evoluem interpretando informações geradas pelos sistemas e vão agindo automaticamente para reduzir ou mesmo eliminar possíveis falhas. A busca pela total eficiência é um padrão recorrente.

 

Na realidade industrial dos algoritmos de inteligência artificial as máquinas conectadas nas fábricas e delas com outros sistemas coletam enormes volumes de dados que são utilizados em tempo real seja para a manutenção de processos já instituídos ou para identificar melhores padrões para produzir mais e mais rápido os quais seriam impossíveis para um ser humano. Na Indústria 4.0 as operações são melhoradas a cada momento com rapidez e eficiência.

 

Todavia, a inovação exige disrupção constante, resiliência e sempre mudanças. Embora os avanços no setor de produção não parem de acontecer o conhecimento, também, não consegue estagnar e formas inolvidáveis de se aprender e de se ensinar vão surgindo a cada período. Tal é o caso da cultura “maker” (do “faça-você-mesmo”) que recorre à concepção que cada um pode criar, construir ou consertar objetos com as próprias mãos desde que possua o conhecimento e as máquinas adequadas para tanto.

 

A disseminação de tal posicionamento surge, também, no início do século XX, na Europa, incentivada logo o pós-guerra, para que a própria mão de obra disponível promovesse a recuperação de muito daquilo que a guerra destruiu. Por volta de 1960, entretanto, o movimento “maker” toma corpo na cultura dos Estados Unidos que motivado pela vitória na Segunda Grande Guerra desejava mostrar ao mundo o quanto seu povo era mais capaz em todos os aspectos relacionados com o desenvolvimento.

 

O movimento “maker”, baseado fortemente nas Tecnologias emergentes e disponíveis para as pessoas em geral, pode ser considerado um desdobramento das muitas possibilidades geradas pela intensa popularização e acesso à informática, pela enorme produção de computadores pessoais, bem como pela cultura dos softwares livres e conhecimento aberto. 

 

A facilidade de acesso e o barateamento de equipamentos como impressoras 3D, máquinas de corte a laser, computadores pessoas cada vez maios potentes, fresas, kits eletrônicos para criação de protótipos (tipo Arduíno), dentre outros, permitiu que a cultura “maker” rapidamente fosse disseminada entre as pessoas para que elas próprias criassem artefatos para atender mais imediatamente suas necessidades emergenciais.

 

Na medida que mais e mais pessoas se interessavam pelo desenvolvimento de produtos, serviços e ações para resolver seus particulares problemas servindo-se de recursos da robótica, da informática, da mecânica, da computação e da eletrônica, bem como sendo auxiliadas por técnicas tanto tradicionais quanto inovadoras das áreas de marcenaria, prototipagem e artesanato foram se organizando em oficinas de fabricação para gerar (em equipes) novos produtos e até novos negócios.

 

Surgiu, então, a concepção de Fab Lab um espaço aberto (inclusivo) no qual todos podem participar para criar, aprender, ensinar e contribuir para o desenvolvimento e progresso da sociedade. Um Laboratório de Fabricação Digital ou Laboratório Aberto de Inovação (Fab Lab, em inglês “Fabrication Laboratory”) é um modelo de laboratório criado para incentivar a troca contínua de informações e conhecimentos entre membros de toda sociedade. Um dos principais objetivos de um Fab Lab é estimular a inovação e o compartilhamento total (sem restrições) de novas ideias.

 

De forma geral, pode-se dizer que um Fab Lab é um espaço (privilegiado) seja de fabricação digital ou de fabricação convencional que disponibiliza para interessados ferramentas controladas por computador e materiais para a produção de conhecimento, soluções, processos, serviços ou produtos, estimulando a inovação e a troca de experiências em um ambiente colaborativo.

Com foco na resolução de problemas específicos os Fab Labs (interligados em rede colaborativa mundial) reúnem estudantes, professores, profissionais, empresas, empresários, especialistas, curiosos, a comunidade em geral, para transformar ideias em realidade de acordo com demandas emergenciais locais ou pessoais em um processo de compartilhamento de saberes e troca de experiências.

 

Espaço de inovação e conhecimento aberto ao público em geral (e disrupitivo intencionalmente) o primeiro Fab Lab surgiu em 2001 como um modesto projeto de extensão no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos, denominado "COMO FAZER (QUASE) QUALQUER COISA" no qual a pretensão era que os estudantes experimentassem as máquinas de fabricação digital criadas no MIT para explorar a criatividade e criar novas soluções particulares. 

 

A ideia inicial era que qualquer pessoa pudesse aprender ou ensinar a utilizar ferramentas e procedimentos tecnológicos atualizados para resolver seus particulares problemas ou criar produtos únicos não oferecidos pela normal produção serial e em massa das indústrias.

Incentivando a cultura do “colocar a mão na massa” e servindo-se amplamente do modelo “Open Source” (“Código Aberto) que promove o licenciamento livre e colaborativo para a produção universal de produtos com a possibilidade de livre consulta ou modificação aos projetos sem a exigência de qualquer pagamento de licenças comerciais, os Fab Labs tornaram-se (rapidamente) espaços de excelência para experiências ilimitadas e locais imprescindíveis para se pensar e engendrar novos produtos, serviços ou ações inovadoras sem depender dos inevitáveis condicionantes da produção em série e das regras finaceiras. Grosso modo, pode-se dizer que os Fab Labs são “oficinas que oferecem fabricação digital e pessoal de forma aberta”.

 

Em geral um Fab Lab é composto de equipamentos específicas como uma impressora 3D, uma cortadora de precisão a laser, uma cortadora de vinil, duas fresadoras (uma de pequeno formato e outra de grande formato), alguns equipamentos de furação e de costura, um conjunto de componentes eletrônicos e ferramentas de programação para microcontroladores de baixo custo e alta velocidade, bem como programação de ferramentas controladas por computadores, um roteador de madeira, dentre outros. O princípio básico de utilização de tais recursos é a produção local de produtos dos mais variados que atendam necessidades dos frequentadores e que, em geral, não estão disponíveis na produção em massa e em séria da indústria normal.

 

Claro que dependendo dos recursos financeiros das Instituições mantenedoras dos Fab Labs muitos outras máquinas, equipamentos e dispositivos são possíveis adicionar. No entanto, o básico para ser considerado um Fab Lab é formado pelos equipamentos precedentemente listados.

 

Há de observar, também, que um Fab Lab deve seguir algumas regras básicas bem definidas e disponibilizadas em plataforma online de forma que todos os Fab Labs autorizados sejam indexados e possam trocar insformações em tempo real todos os dias em qualquer lugar do planeta onde estejam fixados.


Na estrutura de um Fab Lab é necessário pessoal distinguido como um diretor, um “fab manager” (gerente) e um pessoal técnico em máquinas, equipamentos, softwares, conhecedores de processos, que devem orientar os usuários frequentadores quando exigido.

 

Os Fab Labs distribuídos pelo mundo são integrados pela rede “Fab Lab Network” que é uma comunidade que reúne os diversos Fab Labs localizados em quase 100 (cem) países e que contam com perto de duas mil unidades.

 

Sempre é interessante ressaltar a característica ímpar dos Fab Labs de compartilhamento e democratização do acesso às ferramentas tecnológicas mais atuais para instituir a próxima geração de manufatura e fabricação pessoal.

 

Assim, na rede todos os Fab Labs compartilham conjunto comum de ferramentas e os mesmos princípios e processos, atuando localmente para colaborar globalmente. O princípio norteador é que todos os Fab Labs da rede possam compartilhar conhecimento, projetos e colaborar além das fronteiras internacionais de forma que, por exemplo, se alguém na cidade de Curitiba, no Paraná, criar alguma solução ou produto em um Fab Lab de lá ela deverá disponibilizar os correspondentes arquivos com a necessária documentação para que qualquer frequentador de um outro Fab Lab localizado em qualquer localidade do mundo possa reproduzi-lo de forma idêntica sem quaisquer dificuldades ou ônus. 

 

O conjunto dos Fab Labs é uma rede global de compartilhamento de conhecimento que veio para transformar uma vez mais o fazer humano. Com os Fab Labs uma nova onda emerge para além da produção em massa e da economia em escala. Os Fab Labs reinventaram a manufatura e são responsáveis por gerar cada vez mais produtos inteligentes que estão atendendo necessidades locais ou pessoais e que são produzidos pelos próprios detentores das correspondentes exigências.

 

Conquanto na Quarta Revolução Industrial ainda não se tenha compreendido plenamente que se vive atualmente a “era da cooperação entre os saberes e o conhecimento” é dentro de um Fab Lab que, de forma notória, as Ciências e as Tecnologias começam a romper tradicionais barreiras e, enfim, se permitem um relacionamento mais próximo evidenciando uma maneira eficiente e inolvidável de se criar soluções inovadoras, resilientes e disruptivas para melhorar a vida das pessoas. 

 

 

 

 

 

 

*Carlos Magno Corrêa Dias é professor, pesquisador, conselheiro consultivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI) do CNPq, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC) do CNPq.

 

 

 

 

 

 

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