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02/09/2022

Formação do engenheiro precisa ter pilares sociais e ambientais fortes

Exercício profissional, segundo professor da Unifesp, precisa conciliar interesses do mercado e da sociedade.

 

Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
* Foto do destaque da matéria, na home, é do Freepik

 

Anderson do Nascimento Pereira, mais conhecido como Mancuso, é engenheiro químico formado, no final dos anos 1990, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com licenciatura em Química pela mesma instituição de ensino. Em 2009, concluiu mestrado em Engenharia de Petróleo, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, é professor do curso de Engenharia de Petróleo e Ambiental na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista – litoral paulista. Em entrevista à área Oportunidades na Engenharia do SEESP, o docente apresenta reflexões importantes sobre o exercício da engenharia à luz de um mundo que combina avanços tecnológicos importantes e irrefutáveis à humanidade com esgotamento de recursos naturais que vem causando apreensão climática.

 

MancusoProfessor Anderson do Nascimento Pereira, da Unifesp, campus Baixada Santista. Crédito: Rosângela Ribeiro Gil.Para ele, pensar a engenharia no mundo contemporâneo é refletir sobre como a humanidade produziu nas atividades econômicas, “como produziu mercadorias, e valores de uso e troca”, observa o professor. Por isso, reflete o docente, desde meados do século XVIII, a civilização humana vive sob marcos de grandes mudanças tecnológicas – as revoluções industriais, da primeira, em 1760, até os tempos atuais com a chamada quarta revolução industrial – que parametrizaram processos industriais, relações de trabalho e com a natureza e a própria vida em sociedade.

 

“Como todos que vivem sob as regras dessa formação econômica, a engenharia também sofreu o impacto dessas transformações, mas também contribuiu para várias quebras de paradigmas tecnológicos – do padrão mecânico, da primeira Revolução Industrial, passando para o padrão energético, da segunda; depois para a revolução eletrônica da terceira e, agora, como muitos acreditam, estamos no padrão digital, o que seria a quarta Revolução Industrial”, reflete Mancuso.

 

Mas esses marcos industriais foram muito além do âmbito tecnológico ou das paredes ou dos portões das fábricas, acrescenta o engenheiro, deve-se entendê-los também como fruto de processos sociais. “Levando esse olhar para além do ‘chão de fábrica’, a sociedade entende que as chamadas revoluções industriais que alteraram o processo produtivo, geraram impactos amplos, em termos de consolidação, de diversificação e de delineamento de um perfil político profissional”, avalia.

 

Na sala de aula
O impacto também é sentido na área do ensino em Engenharia, acrescenta Mancuso, pois “surgem instituições de ensino, novos cursos e novas pesquisas acabam sendo direcionadas ao sabor do mercado. A formação e a atuação dos profissionais acabam sendo cada vez mais na direção da especialização em detrimento das atividades mais especializadas”.

 

Para ele, as engenharias precisam se ancorar mais no desenvolvimento humano e ambiental para compreender as reais necessidades das pessoas e do planeta. “O valor de uso dos manufaturados deve prevalecer ao valor de troca, por exemplo. Precisam ser pensados novos processos, outros padrões energéticos e sistemas de produção e padrão de consumo. Enquanto pensarmos a centralização da renda e a tecnologia como vocações naturais, a engenharia sempre estará a serviço do pensamento privado e colonialista”, critica.

 

Nesse sentido, Mancuso aponta a necessidade, inclusive, de se avaliar como os países da parte Sul do mundo, como o Brasil, historicamente tiveram suas riquezas e recursos naturais esgotados pelos países do Norte [com destaque para os Estados Unidos], e ainda continuam como exportadores de matéria-prima, de insumos básicos e importadores de tecnologias e fornecedores de mão de obra barata. “Em pleno século XXI esse perfil da economia mundial não mudou”, observa.

 

O professor da Unifesp acredita que é necessário se buscar uma transição para novas relações com a natureza e entre as pessoas. “Mas, para isto, é preciso que a sociedade se reconfigure, se emancipe. Nesta transição, acredito que a engenharia tem papel fundamental e pode se recondicionar para outras direções”, pondera.

 

Todas as transformações tecnológicas implicam mudanças nas nossas relações com a natureza e nas relações de trabalho. Ao mesmo tempo que se vê essa trajetória tecnológica como um avanço da civilização humana, ela também trouxe problemas, principalmente em relação ao esgotamento e destruição ambiental.Grandes obras, máquinas mais eficientes, geração de energia, indústrias e processos digitais podem estar a serviço da construção de uma sociedade mais justa. O pensamento capitalista nos condiciona a amarrar o avanço tecnológico com avanço do capital. E qualquer ruptura com ele seria algo que nos voltasse para um cenário medieval e primitivo. E isso não corresponde à verdade. Nada no modo de produção atual é natural ou livre dos interesses de quem tem a posse desses meios. Ou seja, estamos falando de uma parcela menor que a sociedade mundial”, ensina.

 

Ele completa com apreensão: “É preciso destacar que vivemos num sistema bárbaro e predatório, estruturado em desigualdades sociais e destruição ambiental. Não nos convencer a tempo que urge uma outra forma de nos organizarmos pode significar um processo irreversível de extinção do planeta.”

 

Visão humana e sustentável

O professor do curso de Engenharia de Petróleo e Ambiental, todavia, acredita que hoje todas as graduações de engenharia trazem mais fortemente esse olhar para o todo, não apenas do ponto de vista econômico, mas do social e ambiental também. “A intenção é a preparação de profissionais com uma visão mais humana e sustentável, até holística sobre o exercício da profissão, desde a florestal, a sanitária, a de aquicultura, a agronômica e a ambiental. Partindo da análise da aplicação, as ciências não são neutras, elas falam de um lugar e estão inseridas num contexto político. A formação profissional precisa ter pilares sociais e ambientais mais bem estruturados”, aponta.

 

Ele critica o desvirtuamento num ensino que tenta fazer prevalecer a competição, o individualismo, o elitismo e a meritocracia na formação dos engenheiros. “É muito saudável que não só os projetos curriculares estejam voltados para visões integrais mais humanas e ambientais, mas toda uma prática envolvida no sistema ensino-aprendizagem. É necessário que as universidades, em todo seu tripé ensino-pesquisa-extensão, estejam voltadas ao caráter público e social, transicionar de um sistema educacional mercadológico para um emancipatório”, conceitua Mancuso.

 

Para o docente, outros valores precisam ser reforçados como a coletividade, a cooperação e a justiça social e ecológica.

 

São esses valores, diz o professor, que “busco em sala de aula problematizar o papel das engenharias. Saio de um padrão produtivista e formador exclusivamente para o mercado. O tempo todo troco experiências e visões sobre o mundo do trabalho com alunos e alunas, e a partir dessa reflexão aprofundo as questões sociais, ambientais e políticas envolvidas em nossas atividades. Também busco construir relações não hierárquicas dentro de sala, fugindo da lógica do poder professoral e das práticas pedagógicas conservadoras. Acredito que atualmente venho fazendo um esforço para não passar um pessimismo sobre a situação atual, tento reforçar que é possível mudar, as mudanças são necessárias e o maior protagonismo precisa vir das novas gerações”.

 

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