Jéssica Silva – Comunicação SEESP
Engenheiro de alimentos desenvolve receita saudável de chocolate com zero açúcar e fonte de fibras. Como próximo desafio, quer elaborar fórmula do doce sem gorduras prejudiciais à saúde.
Um engenheiro com uma missão: tirar do chocolate o título de vilão dos alimentos. Isso porque a popular guloseima, em geral, tem uma grande concentração de açúcar em sua composição.
O engenheiro de alimentos Gabriel Almeida. Fotos: Acervo pessoalFoi assim que Gabriel Almeida iniciou sua trajetória de pesquisa no mestrado na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E para tanto, encontrou na pimenta dedo-de-moça o ingrediente especial de que precisava. O resultado foi um chocolate amargo, 55% cacau, sem adição de açúcar e com valor nutricional, com a presença de fibras.
A pesquisa iniciada em 2019 foi concluída no início deste ano, quando Gabriel começou seu doutorado na mesma área. Além da redução de açúcar, o engenheiro visa trabalhar com a substituição de gordura nos alimentos industrializados, sobretudo a saturada.
Doenças cardiovasculares, diabetes e câncer estão relacionados ao alto índice de ingestão desses ingredientes, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Há o consenso de que os alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, são altamente perigosos para a saúde. A engenharia precisa pensar e desenvolver novos produtos mais saudáveis, usar a indústria a nosso favor”, defende Gabriel.
Não se sabe ao certo quem deu o primeiro passo na mistura de cacau que originou o famoso doce, mas estima-se que são cerca de 4.000 anos de história. No Brasil, o consumo anual desse alimento chega a ser de 3,6 quilos por pessoa, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab). Já na Europa o número dobra, a Estônia lidera ranking de consumo de chocolate com 8,5 quilos por pessoa, seguida da Alemanha (8,4 kg), Áustria (8 kg) e Suíça (7,9 kg), de acordo com pesquisa da Euromonitor.
“Estudando as tecnologias dos alimentos me encantei pela que está por trás do chocolate, desde a plantação do cacau, colheita e processamento”, conta o engenheiro de alimentos em entrevista ao SEESP.
De onde surgiu a ideia da pesquisa?
Sempre fui muito curioso para tudo e principalmente com comida. Na escola era bom em matemática e química e, a partir daí, que fui cursar Engenharia de Alimentos. Desde a infância sempre fui muito gordinho, do Ensino Médio à faculdade engordei mais de 20 kg. Quando comecei a ver bioquímica, toda a parte do metabolismo do corpo, no segundo ano da graduação, tive interesse em emagrecer e busquei isso. Logo em seguida, estudando as tecnologias dos alimentos, me encantei pela tecnologia por trás do chocolate, desde a plantação do cacau, colheita e processamento. Foi o que me encantou e eu queria trabalhar com isso! Encontrei na pós-graduação a professora titular da FEA, Helena Bonini, que trabalhava com uma linha de chocolate mais saudáveis. Então, uni o útil ao agradável, eu queria tirar a vilania atribuída ao chocolate.
E como entrou a pimenta na história?
A receita de chocolate com pimenta é antiga, sei que muita gente vai lembrar da novela, mas eu sempre achei interessante esse antagonismo com o doce do chocolate. Usamos a pimenta dedo-de-moça, que não é tão forte, não agride o paladar. Além da inovação no perfil sensorial, chegamos a um produto que tem um adoçante natural, que é a estévia, e com valor nutricional, pois apresenta 5g de fibra (numa porção de 25g), fazendo do chocolate um produto prebiótico. Ainda, a pimenta é acrescentada in natura, em pó, diferentemente de outras marcas que colocam o aroma. O que é justamente o propósito da pesquisa, um chocolate mais saudável.
A partir desse sucesso no produto, o que foi realizado?
A pesquisa foi finalizada. Começamos testando os ingredientes, depois as condições de processo, que é a parte da engenharia, de entender quais seriam as melhores condições para atender a produção em grande escala; e fizemos uma planta piloto, em parceria com o Instituto Tecnológico de Alimentos (Ital), em Campinas. Com o produto, realizamos as análises de qualidade, estudo de modulação de gostos e sabores, e vimos também a viabilidade econômica. É um produto fruto de uma pesquisa, mas tem potencial para atrair investidores e ser lançado ao mercado. Atualmente estamos fazendo testes para ampliar esse chocolate com outras especiarias.
Protótipo do chocolate desenvolvido por Gabriel, com zero adição de açúcar e fonte de fibras
Isso no escopo do seu doutorado?
Sim, além da substituição de açúcar, eu quero trabalhar com a substituição de gordura também, principalmente a gordura saturada. Temos no País a regulamentação, vemos nas embalagens destacadas as informações de quantidade de açúcar, de gorduras nos produtos processados e ultraprocessados. A preocupação em reduzir o consumo desses itens que fazem mal à saúde é mundial. Esse é o desafio do meu doutorado.
Não é todo dia que vemos um engenheiro trabalhando com chocolates, mas a alimentação saudável é uma questão importante a se revolver no País e no mundo todo. Qual o papel da engenharia nesse sentido?
O curso de Engenharia de Alimentos é bem amplo, mas temos esse papel crucial de estar em favor da sociedade. Sabemos que hoje o índice de obesidade é alto no mundo todo, somado ao de sobrepeso chega a 2 bilhões de pessoas. Há o consenso de que os alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, são altamente perigosos para a saúde. A engenharia precisa pensar e desenvolver novos produtos mais saudáveis, usar a indústria a nosso favor, reinventar alimentos processados aliados à nossa saúde. E para isso é preciso investir em ciência, em pesquisa.