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21/11/2023

Das descargas atmosféricas ao machismo, os desafios de uma engenheira eletricista

Jéssica Silva – Comunicação SEESP

 

A energia elétrica é uma das principais fontes de energia no mundo e é praticamente impossível viver sem ela – como São Paulo vivenciou recentemente, após temporal no início de novembro que ocasionou um apagão estendido, em muitas residências e comércios, por quase uma semana.

 

O profissional da engenharia nesse setor, que atua na geração, transmissão, distribuição e utilização da energia; equipamentos, materiais e máquinas elétricas; sistemas de medição e controle elétricos, entre outros serviços correlatos, torna-se indispensável.

 

Leia todas as atividades de responsabilidade do engenheiro eletricista no Mapa da Profissão

 

“É um mercado muito promissor, ainda mais com as novas tecnologias voltadas à geração de energia limpa”, atesta a engenheira eletricista Theresa Walderrama. Ela conta ao SEESP em entrevista que ingressou na área por um sonho de infância: “eu sempre falava que queria ser engenheira”. Encontrou-se na Elétrica e não parou mais de estudar; é pós-graduada em Engenharia de Segurança do Trabalho, com ampla experiência em Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA), e está concluindo mestrado em Energia Nuclear.

 

Para além dos desafios profissionais, Walderrama conta ter enfrentado machismo na construção de sua carreira. “Passei por ambientes quase sem a presença de mulheres. Em um desses, um colaborador disse ao gestor que não acataria uma ordem minha por eu ser mulher e jovem; ‘essa menina aí não sabe nada’”, ela lembra.

 

As engenheiras eletricistas são apenas 8% dos quase 143 mil profissionais registrados nessa modalidade, conforme dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Para mostrar às mulheres que a Engenharia Elétrica é uma área possível a elas é que nasceu o projeto “Eletricista instaladora”, desenvolvido por uma instituição de treinamentos da indústria em parceria com uma distribuidora.

 

“Montamos um grupo de 32 mulheres, de idades e perfis diversos. Havia as que estavam iniciando a graduação, outras que já eram da área e até donas de casa que queriam aprender o básico que uma eletricista faz”, conta a engenheira que atuou como instrutora na iniciativa. Confira na entrevista.

 

 

Theresa Walderrama eng eletricistaCarreira na engenharia: a engenheira eletricista Theresa Walderrama conta os desafios e projetos em entrevista ao SEESP. Fotos: arquivo pessoal

 

 

Qual foi sua motivação para cursar Engenharia Elétrica? 

Desde criança, eu sempre gostei da área de engenharia. Tenho familiares que trabalham com construção, arquitetura; eu sempre falava que queria ser engenheira. E acabei buscando estudar isso, fiz um curso técnico em telecomunicações, que já abordava eletrônica, energia, e me identifiquei bastante com a área. A partir daí, ingressei na Engenharia Elétrica, na Universidade São Judas Tadeu, e durante o curso fui direcionando minha carreira para a parte de eletrotécnica, de transmissão, instalações.

 

E como o ingresso no mercado de trabalho?

Meu primeiro estágio foi na área de telecom, mas depois busquei oportunidades voltadas à engenharia. Foi na mesma época em que houve um boom de apagões e muitas empresas demandaram geradores; estagiei nessa área, na parte de implementação e, depois, no desenvolvimento de projetos. Eu conhecia bastante sobre gerador, mas nada sobre projetos, foi um desafio! Depois fui convidada a gerenciar o setor de engenharia elétrica em projetos. Aprendi a conversar com clientes, desenvolver soluções, elaborar orçamentos, foi um grande aprendizado. Paralelamente, comecei a ministrar treinamentos em outra empresa, e percebi uma lacuna muito grande na parte de segurança quando falávamos em descargas atmosféricas, para-raios e aterramento. Então busquei aprimoramento nesse setor, de Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA). Cursei a pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho, pela Universidade Nove de Julho (Uninove). Atualmente, tenho uma empresa voltada a essa parte da engenharia elétrica, com especialidade em para-raios e aterramento. E estou finalizando o mestrado em Energia Nuclear, na Universidade de São Paulo (USP).

 

Eletricistas projeto eng Theresa WalderramaProjeto "Eletricistas instaladoras"Qual projeto mais marcou sua carreira?

Posso citar dois projetos marcantes. O primeiro deles, um livro voltado ao SPDA e aterramento na área comercial, que fiz para uma instituição em que eu realizava um treinamento. Foram seis meses de pesquisa e elaboração, e depois um ano e meio de implementação das práticas desenvolvidas. Já o outro, foi um projeto para mostrar para as mulheres que é possível atuar na Engenharia Elétrica, o “Eletricista instaladora”. Montamos um grupo de 32 mulheres, de idades e perfis diversos. Haviam as que estavam iniciando a graduação, outras que já eram da área e até donas de casa que queriam aprender o básico que uma eletricista faz. Ficamos quatro meses com essas meninas e foi muito bacana, elas tinham as aulas e já iam lá instalar chuveiros, lâmpadas, e ficavam muito felizes. Muitas delas seguiram na área, outras conseguiram emprego como eletricista durante o curso. Foi muito gratificante.

 

A engenharia, em geral, ainda é uma área com maioria de profissionais homens. Você sofreu machismo ao longo da sua carreira?

Durante a faculdade éramos sete meninas na sala, o que eu já considerava um ponto fora da curva. Durante a minha trajetória passei por ambientes bem machistas, quase sem a presença de mulheres. Em um desses, um colaborador disse ao gestor que não acataria uma ordem minha por eu ser mulher e jovem: “essa menina aí não sabe nada”. Outra ocasião, dando um treinamento, fiquei sabendo de um aluno que cancelou a matrícula no curso porque era ministrado por uma mulher. Eu senti o preconceito. Mas conforme a experiência, e também porque hoje a sociedade mudou um pouco e estamos falando mais sobre tudo isso, fui me sentindo mais respeitada, vista mais como profissional.

 

Como avalia o mercado de trabalho para o engenheiro eletricista?

É um mercado muito bom, muito promissor, ainda mais com as novas tecnologias voltadas à geração de energia limpa. Mas vejo que falta profissional capacitado. O profissional precisa buscar qualificação além da absorvida na graduação, como cursos livres ou especializações. Até mesmo programas web pelo Youtube, têm aulas com professores muito bons, palestras. Para o profissional se destacar, precisa ter disposição de sempre aprender.

 

Theresa Walderrama eng eletricista 2Qual dica você daria ao profissional que está ingressando no mercado?

Que busque todo conhecimento necessário, mas entenda que é um processo, é um passo a passo. Com todo o imediatismo da nossa sociedade, quando as coisas não acontecem como queremos, ficamos frustrados. E na carreira muitas vezes temos que dar um passo de cada vez. Também é importante pensar na vida pessoal, relaxar, ter um tempo para o lazer. Isso interfere na forma de trabalhar. No começo da carreira pode ser mais puxado, mais corrido, mas se não descansarmos, uma hora podemos ter problemas. Temos que ter tempo para a família, amigos; correr e se esforçar, mas sem perder isso.

 

Recentemente, São Paulo sofreu um apagão ocasionado por um temporal, mas o que mais chamou a atenção foi a demora para se reestabelecer a energia elétrica em muitos locais da cidade. Qual sua análise do ocorrido?

Onde dou treinamento ficamos dois dias sem energia. Eu vejo que falta um pouco de tudo, de investimento na área, tanto da parte pública como da privada, para melhorias em toda a parte de instalação. Faltam profissionais que façam as ligações, que façam análises de problemas. Uma tempestade não é algo de outro mundo, que nunca aconteceu. É uma programação que já deveria ter sido prevista, e talvez pela falta de profissionais não se estabeleceu. Na Engenharia Elétrica, quando chega novembro, já devemos ficar em alerta com o verão e as fortes chuvas.

 

Nesse sentido, também interfere o emaranhado de fios nos postes e toda a poluição visual na rede aérea das cidades? Essa é uma discussão na pauta do SEESP, porque representa um risco às pessoas e trabalhadores, ainda mais sem sistema de aterramento adequado.

É alarmante e não somente nos postes, nas construções também, estima que 80% das construções no Brasil não estão com uma instalação adequada contra descargas atmosféricas e aterramento. Em relação aos postes e instalações aéreas, temos toda uma programação subterrânea a se fazer e não são feitas. Com certeza todo mundo já viu ou ouviu falar de um transformador que pipocou; falamos que ele gerou um surto e esse surto precisa ter um caminho para ir embora, que é o aterramento. Falta esse dispositivo de segurança. E essa ausência não é por dinheiro, no geral de uma instalação ou obra o aterramento não vai encarecer o projeto. Eu vejo que em muitas vezes não é feito por falta de conhecimento, porque existe muito pouco treinamento nessa área, e, principalmente, por falta de fiscalização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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