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21/05/2024

Meio ambiente e água: o vasto campo do engenheiro de aquicultura

Jéssica Silva – Comunicação SEESP

 

Não há vida sem água e é impossível pensar em sustentabilidade sem incluir o uso adequado desse recurso e de todo universo que nele existe. Nesse ecossistema, a Engenharia de Aquicultura tem papel essencial. É o que demonstra a vasta experiência do engenheiro José Pedrassoli Salles, relatada em sua entrevista ao portal do SEESP.

 

A profissão está diretamente conectada ao modelo de cidades inteligentes – com preservação do meio ambiente e promoção da segurança alimentar. “Economia circular e desperdício zero em centros urbanos estão relacionados a uma produção diferenciada, altamente informatizada, o que inclui a aquicultura”, afirma Salles.

 

Formado em 2003 pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o engenheiro especializou-se na área, construiu carreira com atuação na pesquisa, no setor público e privado, desenvolvendo e liderando projetos voltados à produção sustentável, captura de gases de efeito estufa, entre outros. Ainda, recebeu o principal prêmio brasileiro entre os pesquisadores de algas marinhas.

 

JoséSallesPedrassoliO engenheiro de aquicultura José Pedrassoli Salles conta sua experiência ao SEESP.
Fotos: acervo pessoal
Em sua visão, o mercado de trabalho é amplo, mas dependente do contexto geográfico e desenvolvimento da indústria pesqueira. “Falta conscientização sobre a profissão como uma carreira viável e emocionante. Para aumentar o número de profissionais nessa área, pode ser necessário um esforço em conjunto de instituições de ensino, governos, indústria e sociedade, para promover a aquicultura junto a um desenvolvimento sustentável”, ratifica o engenheiro.

 

Conte-nos sobre sua trajetória profissional, o que o fez optar por essa modalidade?

Meu interesse nessa área se deu pela minha paixão pelo oceano, pela vida e pela preocupação com o uso sustentável dos recursos marinhos e segurança alimentar. Antes da faculdade eu já trabalhava em uma fazenda de maricultura de ostras na ilha de Santa Catarina e queria que minha vida profissional pudesse ter experiências ligadas ao mar. Fui voluntário em projetos relacionados à conscientização, conservação e educação ambiental com temas relacionados aos desafios da pesca e potencial da aquicultura como fonte segura de alimento.

 

Com a graduação, as possibilidades foram ampliadas. Estive em diversos laboratórios de pesquisas, participei de projetos variados como o de repovoamento de camarões marinhos, o de desenvolvimento de técnicas de coleta de “sementes” de mexilhão nativo, o Plano de Manejo da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo. Sempre gostei muito dos trabalhos de campo, mergulhei no mundo das macroalgas, aprendi muito sobre produção multitrófica, corroborando com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, incluindo responsabilidades sociais, de governança e preocupações ambientais.

 

Acabei entrando de cabeça em aspectos fisiológicos de crescimento e reprodução de macroalgas nativas, levando-as a testes de crescimento e análises de subprodutos em sistemas de biorremediação, de tratamento de efluentes, de inoculação de esporos em substratos artificiais, em ambientes offshore sempre em equipe com laboratórios no Brasil e em alguns outros países, aprendendo com pesquisadores que me incentivaram muito.

 

Logo ao se formar então já entrou no mercado de trabalho?

Não foi fácil conseguir me colocar prontamente porque a área que me especializei, cultivo de macroalgas no Brasil, ainda era praticamente inexistente e, como a maioria dos meus contatos estavam nos laboratórios e centros de pesquisa, foi mais fácil seguir com o mestrado. Encontrei espaço de trabalho em setores governamentais e em concursos temporários, e só depois fui trabalhar no setor corporativo desenvolvendo tecnologias de cultivos e elaborando projetos de implantação/gestão, mapeando áreas e prospectando espécies nativas com potencial de cultivo.

 

Depois voltei à universidade, liguei-me ao Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), com uma parada na Nova Zelândia para buscar novos conhecimentos em bioquímica, fisiologia e reprodução de macroalgas. Cursei MBA em Gestão de Projetos de inovação em São Paulo, e atuo como autônomo em várias áreas em que há macroalgas, modelando projetos e buscando financiamento para área de inovação ambiental em empresas.

 

Um de seus projetos foi o de uso de algas como fertilizantes orgânicos. Como foi esse projeto?

Foi um desafio emocionante que vivi com uma equipe em uma empresa de pequeno porte no interior de São Paulo. Desenvolvemos um fertilizante inovador, com algas na composição, com propriedades únicas de oferecer nutrientes de alto valor para o solo e, consequentemente, melhorar a saúde das plantas. O resultado foi o aumento da produtividade de maneira segura e muito mais sustentável.

 

Conhecendo a composição bioquímica das algas como fonte de muitos nutrientes essenciais às plantas, como hormônios de crescimento e compostos bioativos, a elaboração do fertilizante começou coletando e escolhendo as algas, depois lavá-las e tratá-las para então participar da formulação do fertilizante. Os nano-compostos foram utilizados para encapsular e reter os compostos bioativos, melhorando a estabilidade e evitando desperdícios de nutrientes no solo. Os resultados foram diferenciados e a formulação eco friendly [amigável ao ecossistema], o que garantiu o uso em culturas orgânicas.

 

E a proposta do uso de microalgas na captura e transformação de Gases de Efeito Estufa (GEE)?

Esse projeto ficou em escala piloto e, basicamente, testou um pool gênico [fundo genético] de microalgas dentro de um fotobiorreator com objetivo de biotransformar o gás carbônico em biomassa e outros subprodutos em poucas horas. Visto que microalgas são organismos unicelulares altamente especializadas em absorver gás carbônico, nutrientes e luz, e convertê-los em biomassa e oxigênio através da fotossíntese, o projeto precisou desenvolver um circuito fechado transparente para a penetração da luz do dia junto à uma solução de nutrientes, conectando os gases poluentes com sistemas de controle e monitoramento dos principais parâmetros de qualidade de água e de crescimento/duplicação das algas.

 

Com esse projeto foram produzidos diferentes biocompostos valiosos, biocombustível alternativo, alimentos funcionais e de importância farmacêutica, e também de biomassa para adubos verdes. Tudo com o mínimo desperdício de água. Foi um projeto que representou uma convergência emocionante entre a biotecnologia, engenharia ambiental e a sustentabilidade, oferecendo uma solução promissora para um dos problemas mais prementes de nosso tempo: o sequestro de carbono e as mudanças climáticas.

 

Qual outro projeto de destaque o senhor participou?

Um dos projetos mais importantes foi o Projeto Habitas – Monitoramento do Fitoplâncton na Plataforma Continental da Bacia de Campos-RJ, desenvolvido entre 2008 e 2012. O objetivo foi a caracterização físico, química e biológica inédita na plataforma e no talude da Bacia de Campos, para construir um modelo ecossistêmico de compreensão da dinâmica ecológica desta região. O projeto foi desenvolvido em cooperação com o Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) além de vários laboratórios e universidades (UFF, UENF, USP), e teve o financiamento da Petrobras.

 

José Salles Eng AquiculturaA macroalga, organismo tema de especialização do engenheiro SallesOutro projeto que me deixou animado foi o desenvolvimento de tecnologia de cultivo e de inovação em aquicultura offshore, na Paraíba. O resultado teve um relevante papel social favorecendo dezenas de pescadores artesanais do estado, de complementar suas rendas com o cultivo de macroalgas em áreas afastada da região costeira. O projeto envolveu a Prefeitura de Joao Pessoa, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e uma empresa local.

 

Sua profissão contribui para as chamadas “cidades inteligentes”?

Sim, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade ambiental e à segurança alimentar. Economia circular e desperdício zero em centros urbanos estão relacionados a uma produção diferenciada, altamente informatizada, o que inclui a aquicultura. Como os sistemas de aquaponia, por exemplo, em que a produção de hortaliças é feita juntamente à produção de peixes. O peixe fertiliza a água, que faz crescer a planta, que limpa a água para o próprio peixe. É cíclico e com o mínimo desperdício. Acredito que empreendimentos como esse serão mais comuns nas cidades de um futuro próximo, onde o engenheiro de aquicultura está presente, entendendo o papel dessa atividade na economia local, oferecendo alimentos mais frescos para o consumidor, com uma produção mais sustentável.

 

O engenheiro de aquicultura pode ainda contribuir com uso eficiente e sustentável dos recursos hídricos, em projetos de recirculação de água, estratégias de manejo, restauração e conservação de ecossistemas aquáticos como manguezais, estuários e áreas úmidas, entre outros. Pode também liderar iniciativas de inovação e pesquisa de desenvolvimento, incorporando tecnologias inteligentes, atuar no tratamento de efluentes, promover educação ambiental, segurança alimentar e resiliência das cidades às mudanças climáticas.

 

É uma vasta gama de atuação. Em sua visão como está o mercado de trabalho para o engenheiro de aquicultura?

Tem se mostrado um crescimento gradual nos últimos anos, impulsionado pela crescente demanda por alimentos aquáticos, pelas preocupações com a sustentabilidade da pesca e com a necessidade de encontrar soluções aos desafios da indústria aquícola como doenças, poluição e mudanças climáticas. No entanto, o mercado pode variar dependendo da região geográfica e das condições econômicas locais.

 

O País tem hoje 270 engenheiros de aquicultura, conforme registros do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o que é pouco, se comparado a outras modalidades. Por que isso ocorre, na visão do senhor?

Pode-se atribuir à demanda do mercado, à [baixa] oferta de cursos de graduação e pós-graduação, [baixos] investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área e até mesmo percepções culturais sobre certas áreas da engenharia. O contexto geográfico e econômico como a presença ou não de recursos naturais, extensas áreas de água doce ou marinha, ao meu ver, influencia diretamente a demanda por engenheiros de aquicultura. Países com uma forte indústria pesqueira ou aquicultura estabelecida precisam de mais profissionais nessa área do que aqueles com menos recursos hídricos disponíveis. Minha percepção é que falta conscientização sobre a profissão como uma carreira viável e emocionante. Para aumentar o número de profissionais nessa área, pode ser necessário um esforço em conjunto de instituições de ensino, governos, indústria e sociedade, para promover a aquicultura junto a um desenvolvimento sustentável.

 

O senhor recebeu premiações no ramo da pesquisa sobre algas marinhas

Foram dois, o primeiro foi o Prêmio Joly (2004), com o título “Desenvolvimento de Técnicas de Inoculação de Esporos de Algas Marinhas em Substratos Artificiais”, que chancelou minha graduação com uma honraria concedida por cientistas brasileiros renomados àqueles que fizeram contribuições significativas no estudo das algas marinhas e da sua importância aos ecossistemas aquáticos. É um prêmio criado em homenagem a um importante professor e cientista brasileiro Aílton Brandão Joly, pioneiro nos avanços do conhecimento da botânica no País. Receber esse prêmio foi um marco na minha carreira.

 

O segundo prêmio foi há cerca de dois meses, quando participei de um concurso de ideias inovadoras, especificamente para a maricultura de algas, promovido por uma instituição Inglesa, com o objetivo de abrir caminhos e oportunidades para novas startups, batizado de “Seatropic: Advanced Tropical Seaweed Domestication Program in Latam”.

 

Vejo esses prêmios como o caminho da maricultura nos próximos anos, com atenção à governança do negócio em si, ao atendimento de demandas de trabalho dos pescadores/aquicultores locais e às ações voltadas a sustentabilidade ambiental.

 

Tem alguma dica para o profissional que está ingressando no mercado?

Procure estar atualizado participando de cursos de especializações, aproveite para ir mais fundo em disciplinas relevantes aos seus interesses, ingresse em programas de pós-graduação, participe de grupos de pesquisa, procure cursos de curta duração, treinamentos específicos e se apresente em congressos e simpósios. Ganhe experiências, desenvolva habilidades em estágios, programas de voluntariado, trabalhos temporários em fazendas, laboratórios de pesquisa ou empresas relacionadas à aquicultura.

 

Acompanhe tendências e inovações com literatura científica, participe de conferências e seminários, siga organizações e especialistas líderes nas redes sociais. Isso pode ajudar a identificar oportunidades de carreira, entender as necessidades do setor e aprender sobre as últimas tecnologias ou novas práticas. A aquicultura é um campo dinâmico e em constante evolução. É preciso que o profissional esteja disposto a continuar aprendendo e se adaptando às mudanças na indústria, desenvolvendo-se profissionalmente e obtendo conhecimento ao longo de toda a sua carreira.

 

Procure também desenvolver habilidades interdisciplinares, forme seu pensamento crítico. Conquiste e se empodere de ferramentas de resolução de problemas e de comunicação objetiva e não violenta. E, por fim, construa uma rede profissional sólida na área, conectando-se com profissionais do setor, pesquisadores, acadêmicos e representantes de governos. Participe de eventos da indústria, associações profissionais e grupos e expanda sua rede de networking.

 

 

 

 

 

 

 

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Comentários  
# Entrevista importantíssimaClaudia 29-05-2024 14:21
Sendo o Engenheiro de Aquicultura o profissional que possui conhecimento tecnológico e biológico específico para proporcionar o melhor desempenho produtivo nas atividades de produção de organismos aquáticos. Conhecer este trabalho deveria ser obrigação de todos os cidadãos.
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