Francisco Christovam*
As prefeitas e prefeitos dos 5.565 municípios brasileiros, eleitos ou reeleitos nas eleições de outubro passado, começaram a transformar as promessas de campanha e os compromissos assumidos com os eleitores em Plano de Governo ou em iniciativas que possam conferir factibilidade e credibilidade a tudo o que foi apresentado à população, no período que antecedeu às eleições.
Nas eleições proporcionais, normalmente, as equipes que assessoram os candidatos buscam identificar os grandes problemas locais e as principais necessidades dos eleitores, em cada um dos municípios. Nesse sentido, as questões relacionadas à educação, à saúde, à segurança, à zeladoria e ao emprego costumam ser aquelas que mais atenção despertam nos candidatos.
Na sequência, vem os problemas relacionados ao transporte coletivo urbano de passageiros e à circulação da frota local de caminhões, automóveis, motos e, também, de pedestres. Infelizmente, na maioria dos casos, as promessas de campanha, no setor dos transportes e do trânsito, se resumem ao cancelamento das multas de trânsito, eliminação dos controladores de velocidade (radares ou “pardais”), aumento indiscriminado de linhas de ônibus, acréscimo da frota operacional, aumento das gratuidades, redução das tarifas e, às vezes, até a substituição da empresa de ônibus que opera, há anos, na cidade.
Mas, passadas as eleições, é tempo de começar a pensar na cidade como um centro de decisões técnicas e políticas que reúne pessoas, materiais e serviços, no exercício de inúmeras atividades que, juntas ou isoladamente, respondem pelo desenvolvimento socioeconômico da população e da própria cidade.
Para que essas atividades possam acontecer, as pessoas precisam se deslocar, ou seja, precisam ter acesso aos locais de trabalho, aos centros empresariais, às escolas, aos hospitais, às repartições públicas, aos parques e locais de lazer, entre outros, usando os mais diferentes meios de transporte, público ou privado, coletivo ou individual, motorizado ou não.
Todo prefeito deve conhecer a Lei No 12.587/2012, também conhecida como Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que estabelece diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo o transporte. Essa legislação tem por objetivo melhorar e integrar os transportes de cargas e de pessoas nas cidades brasileiras. Os 1.630 municípios brasileiros, com mais de 20 mil habitantes, são obrigados a elaborar e a aprovar um Plano de Mobilidade Urbana, com o propósito principal de planejar o crescimento urbano de forma ordenada. A Política Nacional de Mobilidade Urbana determina que os municípios só podem receber recursos federais para o financiamento da mobilidade urbana, após a aprovação do referido plano.
Em julho de 2023, uma medida provisória (MP Nº 1179/2023), convertida na Lei Nº 14.748, de 5 de dezembro de 2023, ampliou o prazo para a entrega do Plano de Mobilidade Urbana pelos municípios. As cidades com até 250 mil habitantes terão até 12 de abril de 2025; as cidades com mais de 250 mil habitantes tiveram até 12 de abril de 2024, para a confecção desse plano.
Além dessa obrigatoriedade, as prefeitas e prefeitos que foram empossados no primeiro dia deste ano devem providenciar a preparação de um plano de trabalho mais amplo, contendo ações de curto, médio e longo prazos, abrangendo, minimamente, ações para uma mobilidade urbana sustentável, a modernização do transporte público, a adaptação às novas tecnologias, a ampliação e a manutenção da infraestrutura, o financiamento dos investimentos e do custeio da operação e a participação popular nas decisões que mais interessam à população.
Com relação à mobilidade urbana sustentável, a dinâmica atual das cidades exige soluções que combinem eficiência, sustentabilidade e acessibilidade, com a promoção do transporte público coletivo, redução da dependência do transporte individual motorizado, intensificação do uso da bicicleta e criação das condições necessárias até para os deslocamentos a pé, nos logradouros públicos.
No que se refere à modernização dos serviços de transporte público, para garantir um melhor desempenho da frota de ônibus e uma melhor utilização do espaço viário, é preciso considerar a renovação da frota, priorizando veículos movidos a combustíveis limpos, a ampliação de corredores exclusivos de ônibus e a construção e melhoria de sistemas de média e grande capacidades – VLT’s e BRT’s –, quando necessários e viáveis.
Quando se fala em adaptação às novas tecnologias, é importante separar os avanços verificados na tecnologia veicular, das melhorias verificadas no campo do “Intelligent Transport Systems (ITS)”, considerando meios de pagamento e sistemas de monitoramento e controle da operação da frota, e a criação de novos serviços, como os sistemas integrados ou o transporte sob demanda. Dessa forma, a incorporação de novas tecnologias à gestão dos serviços de transporte é de suma importância, principalmente para a regulamentação de novos serviços de mobilidade e viabilização de investimentos em instalação de semáforos inteligentes e de sistemas de monitoramento e controle do tráfego e da circulação da frota de ônibus.
Não deve ser relegada a um segundo plano a manutenção da infraestrutura urbana, que demanda investimentos constantes na conservação das vias, pontes, viadutos e calçadas e na reparação da sinalização horizontal e vertical, bem como na drenagem das vias públicas, para evitar enchentes que possam comprometer a circulação de bens e de pessoas.
Como o orçamento municipal é, quase sempre, insuficiente para a manutenção e para a expansão dos serviços públicos, uma gestão moderna, que se preocupa com uma eficiente aplicação dos escassos recursos financeiros, deve considerar diferentes formas para aumentar a arrecadação, desenvolver parcerias público-privadas (PPPs) e utilizar fundos nacionais e estrangeiros para o financiamento de obras e para outras atividades que atendam à coletividade.
As prefeitas e os prefeitos não podem se esquecer que o sucesso de sua administração dependerá, em grande parte, de um trabalho em equipe, num ambiente que reúna gestão estratégica, capacidade de realização, forte liderança e engajamento comunitário, envolvendo gestão eficiente dos recursos públicos, articulação com outras esferas de poder, facilidade de comunicação, adoção de políticas públicas de impacto, montagem de parcerias estratégicas, transparência na condução dos assuntos públicos, competência para gerir crises, engajamento com as novas tecnologias e reconhecimento popular.
Por derradeiro, se o inciso V, do artigo 30 da Constituição Federal estabelece que “Compete aos Municípios: organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”, as iniciativas de um bom prefeito, na área dos transportes e do trânsito devem, obrigatoriamente, considerar o planejamento estratégico como ferramenta de trabalho, e a participação popular, por meio da realização de consultas públicas e do envolvimento das comunidades, como um elemento facilitador no processo de tomada de decisões.
Por todas as razões expostas, as prefeitas e prefeitos que assumiram, recentemente, a administração de suas cidades, precisam reconhecer que o transporte público coletivo urbano de passageiros passa por um momento muito interessante e importante. A população que utiliza esse serviço essencial e estratégico, tão relevante para o bom funcionamento das cidades, está exigindo serviços de qualidade, com a utilização de veículos modernos, circulando em itinerários racionalizados, operando com infraestrutura adequada – faixas exclusivas, corredores e sistemas BRTs – gerando serviços ao menor custo possível e com tarifas módicas.
As mudanças que já ocorreram no período pós-pandemia e a ações institucionais que estão em curso, tais como: criação de um marco regulatório para o setor, com texto aprovado pelo Senado Federal e encaminhado para discussão na Câmara Federal; aprovação da reforma tributária, com total isenção de tributos na prestação das atividades de transporte; criação de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), semelhante ao SUS, para garantir recursos financeiros para investimentos e custeio dos serviços, provenientes das três esferas de governo; descarbonização da frota de ônibus, com a substituição de veículos movidos com combustíveis fósseis por outros menos poluentes, entre outras, dão uma demonstração clara de que o transporte urbano de passageiros começa a ser visto sob uma nova ótica, cabendo aos gestores públicos a responsabilidade por criar as condições propícias para que os deslocamentos das pessoas possam ser feitos de maneira a atender os seus desejos e as suas necessidades.Parte superior do formulário
*Francisco Christovam é Diretor Executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (FETPESP) e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia.