Jurandir Fernandes
São Paulo enfrenta desafios enormes em mobilidade urbana. Com um trânsito congestionado e seu centro histórico em estado de degradação, a ideia de pedágio urbano volta à cena. Recentemente um jornal de São Paulo pediu a opinião do SEESP sobre o tema.
Voltam à cena também os casos de sucesso: Londres e Cingapura. Se lá deu certo, aqui também dará? Não seria prudente antes verificarmos os contrastes existentes entre São Paulo e aquelas cidades? Vejamos ao menos dois deles.
Sobrecarga tributária
O brasileiro vive sob pesada carga tributária. Detalhemos. Na largada, ao comprar o carro, o cidadão paga: o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ao governo federal. A seguir, no seu estado, sente o porrete do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Ao colocar o carro para rodar, a surra tributária continua. Assim que abastecer, paga a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e mais ICMS em cada litro de combustível e óleos lubrificantes. Ao fazer o seguro, paga também o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Tem ainda que emplacar e pagar o licenciamento se quiser rodar! Se sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não estiver vencida, vá em frente.
Acabou? Não. O seu estado quer que você mantenha as estradas e cobra o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Nem por isso vai deixar de cobrar o pedágio nas rodovias, que carrega também outros impostos, inclusive o Imposto sobre Serviços (ISS) do município onde se localiza a praça do pedágio. Vez ou outra ameaçam ressuscitar o Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres (DPVAT) e até o extintor de incêndio, a jabuticaba com que tentam equipar seu carro.
Após todo este desfalque tributário, o cidadão paga de novo tudo aquilo que os seus impostos já pagaram. Pior é acompanhar diariamente como e quanto é gasto com a magistratura mais cara do mundo! Com legislativos hipertrofiados e com o desperdício das máquinas executivas. Leiam “O país dos privilégios” de Bruno Carazza (Cia. das Letras, 2024). O livro mostra em detalhes o destino de bilhões de reais arrecadados pela máquina pública para cobrir os penduricalhos incorporados aos ganhos de nossas elites.
Com tudo isso, fica difícil acreditar que um tributo novo, como o pedágio urbano, vai ser bem recebido. Para que essa medida seja aceita, é crucial que o governo ofereça transparência total sobre o destino do arrecadado. Alguém topa pagar para ver?
O Centro de São Paulo, outrora vibrante e pulsante, apresenta hoje um quadro de degradação. Prédios abandonados, falta de segurança e ausência de atratividade para negócios são alguns dos problemas que precisam ser enfrentados. O pedágio urbano atrairá mais investimentos privados ao Centro? Trará maior vitalidade econômica? Haverá garantia de que a receita gerada pelo pedágio urbano financiará projetos de revitalização, transformando o Centro em um local mais habitável e economicamente dinâmico? De novo a pergunta: alguém está disposto a pagar para ver?
Londres e Cingapura
Vamos discutir agora tecnicamente o que ocorre em Londres e Cingapura e o que poderia ser debatido para o caso de São Paulo. Londres implementou a Congestion Charge com o objetivo de reduzir o tráfego no centro da cidade. A taxa fixa diária é simples de entender e gerou recursos significativos que foram reinvestidos no transporte público. No entanto, a falta de variação tarifária baseada no congestionamento em tempo real é uma limitação, pois não incentiva os motoristas a evitarem horários de pico.
O Electronic Road Pricing (ERP) de Cingapura é um exemplo de como a tecnologia pode ser usada para gerir o tráfego de forma mais eficaz. Com tarifas que variam conforme o nível de congestionamento, o sistema incentiva os motoristas a evitarem horários de pico, distribuindo melhor o fluxo de tráfego. No entanto, sua implementação requer uma infraestrutura tecnológica avançada e pode ser complexa para os usuários. É preciso uma comunicação muito eficiente para não deixar dúvida ao motorista que vai ao Centro.
Qual seria o modelo mais adequado para São Paulo? Devemos combinar elementos dos sistemas de Londres e Cingapura ou buscar soluções próprias e originais? Quais? Por onde começaríamos a aplicar o pedágio urbano? No Centro histórico da cidade? No centro expandido? Ou começaríamos por uma área pequena e iríamos ampliando progressivamente?
As necessárias melhorias e adaptações na malha urbana sob o pedágio seriam feitas antes ou durante a implantação? Quais seriam as intervenções necessárias na região do pedágio? Como elas seriam discutidas com a população diretamente afetada (moradias, escritórios, comércio, serviços, prédios públicos)? Qual o cronograma básico para cumprir todas as atividades (das licitações até a implantação das adaptações da infraestrutura local) antes de implantar o pedágio?
A partir das definições básicas do Pedágio Urbano para São Paulo, seria óbvio fazer as estimativas de custos e das fontes financeiras. Existem outras medidas para controlar, diminuir ou acabar com o tráfego de veículos em regiões centrais de metrópoles como a nossa? A resposta é sim.
A alternativa de Paris
Paris optou por não implementar um pedágio urbano, focando no transporte público e na criação de uma infraestrutura robusta para bicicletas e pedestres em toda sua área central. Além de expandir suas ciclovias, promoveu o uso de bicicletas compartilhadas. A circulação de veículos no seu centro perdeu espaço. Calçadões com pedestres e bikes convivendo, faixas e ruas exclusivas para ônibus tomaram espaços dos carros particulares.
Uma questão para reflexão: qual modelo de gerenciamento de tráfego é mais adequado para o Centro de São Paulo: o de Londres/Cingapura ou o de Paris?
Em ambos os casos, há que haver soluções integradas (mobilidade e urbanismo) e visão ampla do quadro socioeconômico para a recuperação da qualidade de vida de nossa cidade. Não custa lembrar que os congestionamentos atingem também locais na periferia onde a população se submete até mesmo ao mototáxi para chegar a tempo num terminal de ônibus ou numa estação de trem ou metrô.
Jurandir Fernandes foi secretário de Transportes de Campinas e secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo. Coordena o Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP e é membro do Conselho Internacional do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Conselho da Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos de Brasília. É ainda vice-presidente honorário da Associação Internacional do Transporte Público (UITP/Bruxelas)