Jurandir FernandesTrólebus trafegando pela capital paulista: transporte sem poluição sonora ou atmosférica. Foto: Rafael Delazari/FlickrO trólebus pode ser enquadrado como um exemplo de "tecnologia apropriada" que, após ser descartada por motivos conjunturais, ressurge como uma solução ótima diante da necessária transição energética imposta pela a crise climática.
A história dos trólebus, ou ônibus elétrico, começa no final do século XIX, como uma evolução natural dos bondes elétricos. A ideia era combinar a eficiência e a propulsão limpa do bonde com a flexibilidade de um veículo que não dependesse de trilhos. O auge dos trólebus ocorreu entre as décadas de 1930 e 1960. Cidades na Europa, na América do Norte e no antigo bloco soviético, adotaram a tecnologia em larga escala.
Motivos do declínio
A partir de meados do século XX, o declínio do trólebus foi impulsionado por uma combinação de fatores tecnológicos, econômicos e culturais. Dentre eles destacam-se: a hegemonia do petróleo e do automóvel após a segunda guerra mundial; o lobby da indústria automotiva e petrolífera, que chegou ao ponto de cometer a destruição física de bondes (vide o filme Great Americam Street Car Scandal); a percepção da baixa flexibilidade operacional e dos altos investimentos e custos de manutenção das redes elétricas quando comparados aos sistemas a diesel; a percepção de algo ultrapassado pois por décadas a tecnologia do trólebus ficou estagnada.
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O retorno no contexto da descarbonização e eletrificação
É justamente nos pontos fracos de seu sucessor, o ônibus a diesel, que o trólebus encontra seu potencial de renascimento. A crise climática, a necessidade de descarbonização e os avanços tecnológicos reposicionaram o trólebus como uma solução moderna e altamente eficiente. O trólebus tem vantagens até mesmo sobre os ônibus elétricos a bateria (BEB-Battery Electric Bus), como mostramos no quadro abaixo.
Característica |
Trólebus moderno (com IMC – In Motion Charging) |
Ônibus elétrico a bateria (BEB) |
Infraestrutura |
Rede aérea em corredores principais. Menor necessidade de garagens com carregadores de alta potência. |
Infraestrutura de recarga de alta potência nas garagens e/ou terminais (carregadores de oportunidade). |
Operação |
Operação contínua, sem paradas para recarga. Bateria carregada em movimento. |
Necessita de tempo de inatividade para recarga (noturna ou rápida durante o dia), impactando a disponibilidade da frota. |
Eficiência/Peso |
Mais leve, maior capacidade de passageiros. Menor consumo de energia por não transportar baterias pesadas. |
Baterias pesadas reduzem a capacidade de passageiros e aumentam o consumo de energia e o desgaste de pneus/pavimento. |
Vida Útil |
Chassi/motor > 20 anos. Bateria IMC pequena e com menor degradação. |
Baterias com vida útil limitada (5-8 anos), com alto custo de substituição e impacto ambiental. |
Custo de Capital (CAPEX) |
Alto custo inicial da rede aérea. |
Alto custo inicial dos veículos (baterias) e da infraestrutura de recarga. |
Ideal para |
Corredores de alta demanda (BRTs), rotas troncais, topografia acidentada. |
Rotas de menor demanda, áreas sem possibilidade de rede aérea, maior flexibilidade de rede. |
Perspectivas futuras
O futuro do transporte urbano por ônibus não será uma disputa entre "trólebus versus ônibus a bateria", mas sim a aplicação de um portfólio de soluções de eletrificação adequadas a cada contexto. Os trólebus, especialmente com tecnologia IMC, são a solução mais robusta, eficiente e com menor custo de ciclo de vida (Life Cycle Cost) para corredores de alta demanda, como os sistemas de BRT (Bus Rapid Transit). Cidades como São Paulo, que mantiveram seu sistema, têm agora uma base sólida para modernização e expansão. Cidades como Lyon (França), Seattle (EUA) e Zurique (Suíça) continuam a investir e expandir suas redes, provando a viabilidade do modelo.
O grande desafio para o renascimento do trólebus é o investimento inicial em infraestrutura e a vontade política para projetos de longo prazo. Em um cenário geopolítico de transição energética e busca por autonomia em relação a combustíveis fósseis e até mesmo a minerais críticos para baterias (lítio, cobalto), o trólebus se apresenta como uma tecnologia madura, resiliente e estrategicamente inteligente. Ele representa a eletrificação do transporte público em sua forma mais eficiente e duradoura.
Jurandir Fernandes foi secretário de Transportes de Campinas e secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo. Coordena o Conselho Assessor de Transporte e Mobilidade Urbana do SEESP e é membro do Conselho Internacional do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Conselho da Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos de Brasília. É ainda vice-presidente honorário da Associação Internacional do Transporte Público (UITP/Bruxelas)