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02/05/2012

Brasil tem mais um motivo para não corar de vergonha

A reação positiva e festiva nas redes sociais da internet foi imediata à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), por unanimidade, no último dia 26 de abril, pela constitucionalidade da reserva de vagas em universidades públicas com base no sistema de cotas raciais, julgando improcedente a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 186, ajuizada na Corte pelo Partido Democratas (DEM).

Um dos que comemoraram a votação “histórica” da mais Alta Corte do País foi o consultor em Políticas de Valorização da Diversidade Étnico/Racial, o advogado e jornalista Dojival Vieira, que também coordenou o Programa Diversidade na Universidade do Ministério da Educação e presidiu a Comissão Intersecretarial de Monitoramento e Gestão da Diversidade da Secretaria do Trabalho do Município de São Paulo, no período de agosto de 2006 a junho de 2008.

Nesta entrevista ao SEESP, Dojival Vieira fala como a decisão do STF pode ajudar na implantação de outras políticas inclusivas.

SEESP - Como o senhor avalia a decisão do STF sobre a política de cotas raciais nas universidades?
Dojival Vieira –
A decisão histórica do STF abre espaço para o avanço das políticas públicas em favor da maioria do povo brasileiro, que é, majoritariamente, negra, preta e parda. O significado dos votos de cada um dos ministros, dos liberais, como Luiz Fux, Carlos Ayres Brito, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio de Mello, Carmem Lúcia e Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, aos de perfil mais conservador, como Cesar Peluzo e Gilmar Mendes, representou a vitória de todos os homens e mulheres que, ao longo de toda a vida, lutaram contra o racismo e a herança de quase quatro séculos de escravidão. Agora é fundamental manter a atenção e iniciar imediatamente uma ofensiva para que universidades, empresas e instituições privadas, e o Poder Público, nas três esferas (federal, estadual e municipal), traduzam em políticas públicas de inclusão a decisão histórica do STF. Não há mais desculpa para que se retarde a adoção no Brasil de políticas verdadeiramente inclusivas, que jamais foram adotadas pelo Estado Brasileiro, no pós-abolição, para garantir a igualdade de oportunidades dos que sofrem a odiosa desvantagem, resultante de quase quatro séculos de escravismo e de mais 124 anos de racismo pós-abolição.

SEESP - Como as cotas raciais podem reduzir a desigualdade no País?
Dojival Vieira –
Acho que a decisão do Supremo é um roteiro para que o Brasil, por meio das elites que governam, deixe de empurrar com a barriga o problema da desigualdade social. Ainda que vivendo um bom momento na economia, a 6ª economia no mundo, acabamos de passar o Reino Unido nesse quesito, etc, seguimos ocupando a vergonhosa posição de um dos 10 países mais desiguais do mundo. Somos campeões em desigualdade social, e a discriminação contra os negros e o racismo que permeia todas as relações sociais, econômicas e políticas se faz presente nos espaços de poder, como é, por exemplo, o mundo acadêmico.

SEESP - Quais os números do ingresso de afrodescendentes nas universidades públicas do País?
Dojival Vieira –
Mesmo com os avanços das políticas afirmativas e de cotas adotadas já por mais de uma centena de universidades brasileiras, públicas e privadas, o percentual de negros nas universidades brasileiras é desproporcional, mas muito desproporcional a nossa presença na sociedade. Os dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] apontam que entre 1997 e 2007 o acesso dos negros ao ensino superior cresceu, mas continua sendo metade do verificado entre os brancos. Entre os jovens brancos com mais de 16 anos, 5,6% frequentavam o ensino superior em 2007, enquanto entre os negros esse percentual era 2,8%. Em 1997, esses patamares estavam em 3% e 1%, respectivamente.

SEESP - Alguns alegam que a política de cotas raciais feriria o princípio de igualdade da Constituição Federal.
Dojival Vieira –
Os ministros deixaram claro, nos seus votos e na fundamentação dos mesmos que, falar em igualdade apenas no plano formal, na base do que todos são iguais perante a lei, é apenas o exercício de um farisaísmo, hipócrita e cínico, que não se sustenta, quando vivemos numa sociedade com contradições explícitas de classe, em que todos sabemos que a igualdade no plano formal é apenas uma cortina ideológica de fumaça, para manter as maiorias às margens e preservar privilégios para uns poucos.

SEESP - Quais outras políticas afirmativas necessárias ao Brasil?
Dojival Vieira –
Com a decisão do Supremo é necessário que governos e empresas públicas e privadas adotem Programas de Ação Afirmativa, com cotas para negros, indígenas e grupos socialmente vulneráveis. Crescimento econômico nunca foi sinônimo de redução de desigualdade. Pode ser. Porém, para que isso aconteça é necessária mobilização social, porque ninguém voluntariamente abre mão de privilégios secularmente acumulados. Defendo que o movimento social negro e antirracista (o que na prática reúne negros, indígenas e os brancos pobres) se articule para fazer pressão pela adoção das ações afirmativas e das cotas, em escala nacional. Trazer essa decisão para o mundo, para a vida real, é a única forma de homenagearmos a sabedoria, o discernimento dos 11 magistrados que nos fizeram ter orgulho do País. É fazer valer as palavras do ilustre presidente do STF, meu conterrâneo de Sergipe, o poeta e magistrado exemplar, Carlos Ayres Brito, que ao proclamar a decisão afirmou: "a partir desta decisão, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha".

 

Rosângela Ribeiro Gil
Imprensa – SEESP

 

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