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28/11/2013

Violência, democracia e direitos humanos

A taxa de homicídios por 100 mil brasileiros passou de 11,7 em 1980 para 26,2 em 2010. No mesmo período, cresceram também o número de execuções sumárias, muitas delas envolvendo policiais civis e militares, o tráfico de drogas, associado à luta pela conquista de territórios, e os conflitos nas relações interpessoais com desfecho fatal.

A evolução dos indicadores de violência nas últimas três décadas surpreendeu os que esperavam que o processo de democratização do país se traduzisse na pacificação da sociedade e na reconciliação da segurança com o respeito aos direitos humanos.

“A expectativa era que o fim das arbitrariedades desse lugar ao estado de Direito, mas, junto com a reinvenção institucional, o que se viu foi uma explosão de violência”, analisa Sérgio Adorno, coordenador do Centro para o Estudo da Violência (NEV), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp).

A urbanização e migração para as cidades, consolidadas nos anos 1980, os déficits sociais e econômicos do passado e sucessivas crises econômicas alimentaram um ambiente de tensão, ao mesmo tempo em que o Estado se revelava ineficiente no papel de mediador de conflitos. “A polícia não investiga e os criminosos não são processados ou punidos, revelando um fosso entre o potencial de violência na sociedade e a capacidade do Estado de contê-la no marco do estado de Direito”, afirma Adorno.

As estatísticas dão provas disso: entre 1998 e 2003, dos 344 mil boletins de ocorrência policial registrados em 16 delegacias de polícia na cidade de São Paulo, apenas 6% converteram-se em inquérito policial. Entre os crimes violentos, 93% dos casos foram registrados como de autoria desconhecida. A impunidade não inibe a violência e alimenta a desconfiança da população. “Estamos vivendo uma situação de desencontro entre os cidadãos e suas instituições”, analisa Sérgio Adorno.

Crimes de autoria desconhecida

O controle legal da ordem e as políticas de direitos humanos são temas fundadores deste CEPID que começou se organizar como Núcleo de Estudos da Violência (NEV) na Universidade de São Paulo (USP), em 1987. Desde o início, o principal desafio do NEV – constituído como CEPID em 2000, no primeiro edital do Programa – foi entender por que, no Brasil, a democracia não se traduziu em segurança com respeito aos direitos humanos.

As pesquisas, aos poucos, mostraram que o sistema de justiça criminal brasileiro funciona como um funil: largo na base (o registro de entrada das ocorrências) e estreito no gargalo (o número de casos que recebem desfecho processual, inclusive condenatório).

Para compor esse quadro, os pesquisadores começaram perscrutando estatísticas oficiais, mas tiveram que recorrer a outros procedimentos metodológicos porque as informações disponíveis não permitiam acompanhar o andamento dos crimes no interior do sistema de Justiça criminal. Foi preciso, por exemplo, individualizar registros, monitorar notícias publicadas nos jornais e até criar um banco de dados para aprofundar a investigação.

“A polícia só registra homicídio, tentativa de homicídio, agressão seguida de morte, encontro de cadáver. Se não recorrer a outras fontes, não dá para conhecer os autores ou saber as circunstâncias em que esses crimes ocorreram”, descreve Nancy Cardia, coordenadora do CEPID. Apesar de o país contabilizar crimes desde o Império, as instituições de segurança pouco utilizam estatísticas para conhecer os fenômenos sociais que engendram os crimes ou para coordenar informações sobre segurança pública.

Utilizando informações secundárias, os pesquisadores puderam analisar mais detidamente 197 processos penais instaurados e julgados, para apuração de responsabilidade em crimes de homicídio, em um dos tribunais de júri da capital e traçar o perfil de vítimas, agressores, testemunhas e até do corpo de operadores técnicos do direito.

Surpreenderam-se com a “banalidade das mortes” e a incapacidade da Justiça de “traduzir diferenças e desigualdades em direitos”, comentou Adorno no artigo Crime, justiça penal e desigualdade jurídica, publicado na edição 132 da Revista USP, referente a pesquisa similar anteriormente realizada. Ele observou, por exemplo, maior incidência de sentenças condenatórias nos processos em que os réus eram defendidos por advogados dativos, constituídos pelo juiz para os que não têm recursos para pagar as custas dos processos.

 

Fonte: Agência Fapesp





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