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15/04/2014

Demora nas decisões encarece mitigação da mudança climática

BustamanteTodos os cenários de mitigação dos impactos das mudanças climáticas apresentadas, no dia 13 último, pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), passam pela redução das emissões de gases do efeito estufa e por investimentos em tecnologias capazes de sequestrar o carbono já emitido.

Se a humanidade quiser impedir que a temperatura do planeta suba, até o fim do século, mais do que 2 graus Celsius em relação ao período pré-industrial – evitando assim impactos mais significativos –, será necessário reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa entre 40% e 70% em relação a 2010, até meados do século, e para quase zero até 2100. As informações são do Sumário para Formuladores de Políticas Públicas do relatório “Climate Change 2014: Mitigation of Climate Change”, elaborado pelo terceiro grupo de trabalho (WG3, na sigla em inglês) do IPCC.

“Mas essas mudanças trazem uma série de benefícios adicionais que precisam ser computados nessa conta. Podem trazer melhoria da qualidade de vida pela redução da poluição atmosférica e disponibilizar recursos de forma mais eficiente para as pessoas”, afirmou Mercedes Maria da Cunha Bustamante [foto ao lado], professora do Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB) e um dos três membros brasileiros da equipe de cientistas que elaborou o sumário. Leia, a seguir, trechos de entrevista da docente à Agência Fapesp.

Como é possível fazer o sequestro de carbono da atmosfera?
Bustamante –
Uma medida já disponível, que pode ser usada em um primeiro momento para abater as emissões, é o plantio de árvores em regiões onde antes não havia grandes extensões florestais. As árvores incorporam o dióxido de carbono (CO2) na biomassa, mas claro que essa medida tem uma limitação, pois as árvores não crescem indefinidamente. Outra forma amplamente discutida no relatório são tecnologias de captura que fazem o bombeamento de CO2 da atmosfera para camadas geológicas mais profundas. Algumas dessas tecnologias são associadas a processos industriais e, antes de o sistema de energia emitir o carbono, o gás já é capturado e bombeado para esses reservatórios. Mas ainda há uma série de desenvolvimentos tecnológicos a serem feitos. Os modelos indicam que, quanto mais tempo a gente demorar para iniciar as ações de mitigação, mais dependente seremos dessas estratégias de captura de carbono. Há vários caminhos, mas quanto mais tempo demorar para começarmos, mais difícil e mais caro será.

Qual é a proposta do documento para a redução das emissões de gases do efeito estufa?
Bustamante –
Falou-se muito em energias renováveis, pois um dos grandes vetores das emissões é a queima de combustíveis fósseis. Isso tem uma repercussão no nosso capítulo [Agricultura, Silvicultura e outros usos da terra] em razão do papel que a bioenergia tem na questão das energias renováveis. Se for necessário destinar mais terra para plantar culturas voltadas à produção de bioenergia, isso afetaria a configuração de uso da terra. No capítulo sobre suprimentos de energia é mencionada a questão da energia nuclear, mas é uma alternativa que encontra uma série de barreiras e riscos associados ao processamento do material, funcionamento das usinas e a possibilidade de acidentes nucleares. Apesar de ser uma alternativa de baixo carbono, vem cercada de vários questionamentos acerca da segurança e do funcionamento desse tipo de instalação. Uma questão importante que o relatório apresenta é a necessidade de se aumentar a eficiência energética e a redução de consumo.Para todos os capítulos, a redução de consumo é um aspecto importante. Atualmente, parte significativa da produção agrícola é perdida ao longo da cadeia de produção de alimentos, por exemplo. Algumas perdas são inevitáveis, mas existe muito desperdício. O ideal seria optar por alimentos produzidos de forma mais eficiente e adotar pequenas alterações na dieta que têm impacto positivo na saúde e nas emissões, como diminuir o consumo de carne, onde hoje ele é excessivo, e inserir na dieta outros itens menos intensivos na emissão de gases de efeito estufa.

Quais setores da economia serão os mais afetados pela redução do consumo e demais custos da mitigação?
Bustamante –
Existe ainda muita incerteza em relação a isso porque estamos falando de números globais. Essa é uma das limitações do relatório, não há como fazer uma avaliação específica para um país ou região. Caberá agora aos países, de posse da informação mais geral, fazer uma estimativa própria. Há um custo de implementar essas medidas de mitigação, mas, por outro lado, as mudanças trazem uma série de benefícios adicionais que têm de ser computados nessa conta. Pode haver melhoria da qualidade de vida pela redução da poluição atmosférica e distribuição de recursos de forma mais eficiente para as pessoas. É preciso considerar que vivemos em um mundo ainda muito desigual. Há países que já atingiram bom patamar de desenvolvimento e bem-estar humano e outros que ainda buscam atingir os patamares mais básicos de bem-estar. Esses países que hoje constroem sua infraestrutura e estão elaborando seus projetos de desenvolvimento devem optar por rotas que tenham em si o contexto do desenvolvimento sustentável. O interessante seria que eles não deixassem de se desenvolver, mas já buscassem alternativas menos intensivas em termos de emissão de carbono.

O Brasil não está na contramão dessa proposta com os investimentos em exploração de petróleo e termelétricas?
Bustamante –
O Ministério da Ciência e Tecnologia publicou no ano passado um relatório com as estimativas das emissões brasileiras. É possível observar que houve uma mudança no perfil da emissões brasileiras em comparação com 2005, quando eram fortemente determinadas pelo desmatamento e pela agricultura. Em 2010, a produção de energia e a agricultura passaram a ser setores majoritários nas emissões brasileiras. A situação recente do país mostra a necessidade de investimentos urgentes para diversificar as fontes de energia.


 

Imprensa – SEESP
Fonte: Agência Fapesp/Karina Toledo

 

 

 

 

 

 

 

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