logo seesp ap 22

 

BannerAssocie se

×

Atenção

JUser: :_load: Não foi possível carregar usuário com ID: 71

28/07/2014

Especulação deve ser combatida com IPTU Progressivo, sugere Cândido Malta

O urbanista, arquiteto e professor Emérito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), Cândido Malta Campos Filho, é especialista em soluções e estratégias para metrópoles como São Paulo. Em entrevista ao Jornal do Engenheiro, ele demonstrou preocupação com o Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, aprovado pelos vereadores no último dia 30 de junho, ele aponta que é preciso refazer os cálculos sobre a demanda do transporte de massa para que não ocorra uma superlotação das linhas que já estão sobrecarregadas. Além disso, defende um "planejamento metropolitano das zonas de interesse social". "Temos que combater a especulação imobiliária no conjunto da cidade ou até no conjunto da metrópole", afirma.

Há 30 anos, quando foi secretário de Planejamento do município, na gestão Olavo Setubal (1976 a 1981), adquiriu uma experiência em calcular o transporte de massa associado ao planejamento de uso do solo. De acordo com Malta é fundamental estudar os efeitos da ocupação demográfica ao longo dos eixos de transporte – corredores de ônibus, metrô e trem - para evitar a superlotação de linhas e a perda da qualidade e vida.

“O planejamento que nós temos de transporte e uso do solo é de só planejar o transporte para atender a uma demanda que já existe. E temos que eliminar essa defasagem fazendo com que o setor imobiliário construa ao longo das novas linhas”, explica em entrevista exclusiva .

Para ele, é “um absurdo” adensar ao longo das linhas que já estão superlotadas, como algumas linhas de ônibus que sobem a Avenida Rebouças e as linhas na região Leste que atendem atualmente mais de 80 mil passageiros por hora. “Adensar nesses pontos vai agravar muito o problema, as pessoas vão ficar revoltadas. Então espero que esse aspecto do plano diretor seja revisto, que seja feita uma revisão do plano na sequência”, completa.

O arquiteto também faz críticas as novas áreas delimitadas como Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) em áreas de manancial. As Zeis foram consolidadas no PDE como instrumento de planejamento urbano e habitacional no município, reservando terrenos ou prédios vazios em locais onde já existe infra-estrutura.

O PDE deverá ser sancionado em sessão solene no Auditório do Ibirapuera, no Parque do Ibirapuera, na quinta-feira (31/7), às 14h30.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Qual avaliação o senhor faz do novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo?

O plano diretor recentemente aprovado tem uma diretriz correta que é de adensar ao longo do transporte coletivo. Isso já é defendido há mais de 30 anos, inclusive por mim mesmo. Mas é preciso levar em conta a capacidade de suporte de cada linha. É um absurdo adensar ao longo das linhas que estão superlotadas, como a linha quatro que sobe a Avenida Rebouças (Zona Oste), e a linha leste que, mais do que superlotada, atende atualmente mais de 80 mil passageiros por hora. Adensar nesses eixos vai agravar muito o problema. As pessoas vão ficar revoltadas pelo fato de serem localizadas junto de linhas que não têm essa capacidade de suporte. Esse aspecto do plano diretor precisa ser revisto. Espero que o prefeito faça isso na sequência.

Como seria essa revisão?

Eu sou especialista no cálculo de transporte de massa para o planejamento do uso do solo. Fui contratado como coordenador técnico pela Secretaria de Transportes Urbanos em 2008, para fazer esse cálculo para o Plano Diretor em vigor na época. E, agora, com esse novo plano temos que refazer essas contas para que se estabeleçam os limites [de seu uso] em toda a cidade.
    

Existem softwares que imitam o mercado imobiliário e as políticas públicas que devem ser adotadas. Ele considera, por exemplo, se temos Zonas Especiais de Interesse Social, as Zeis, a serem atendidas, se há áreas de distrito industrial a serem consideradas, se há grandes parques onde não deve haver construções de moradia ou escritórios comerciais. Tudo isso é considerado em cenários que são planejados para o futuro e até se compara em cenários tendenciais para se avaliar a manutenção das políticas públicas atuais ou o que aconteceria com cenários planejados. Tudo isso é colocado em modelagem matemática que permite fazer projeções para o futuro com grande segurança.

Trata-se de uma nova tecnologia? Qual o custo?

É uma tecnologia disponível e que deve ser utilizada chamada Tranus. É o planejamento de transporte associado ao planejamento de uso do solo. É uma tecnologia inovadora no Brasil, embora exista há 30 anos, e nós devemos estimular seu uso em cidades de todo o Brasil. Ela foi pensada na Universidade de Cambridge, da Inglaterra, na década de 1970, por um grupo de oito pesquisadores ingleses e um chileno [Tomas de La Barra]. Tive contato com o Tomas de La Barra durante a gestão do Olavo Setúbal, quando eu era secretário de Planejamento e ele nos assessorou. Foi quando eu percebi a importância da utilização de softwares desse tipo [no planejamento urbano].

E com relação às áreas de mananciais, onde está previsto o aumento de 23% de Zeis 4, destinadas às Área de Proteção e Recuperação aos Mananciais (APRM)?


A ocupação nos mananciais produz uma erosão do solo que carreia o barro para o fundo da represa, reduzindo sua capacidade de armazenamento de água. E o barro que se deposita no fundo da represa não pode ser retirado por dragagem para evitar a suspensão de metais pesados que ficam depositados no fundo e que comprometeria a qualidade da água, uma vez que o metal pesado é cancerígeno. Então essa erosão já é um prejuízo causado pela urbanização, qualquer que seja, de qualquer densidade. Basta que você retire a cobertura vegetal para abrir um loteamento para que a erosão aconteça.

E haveria mais poluição?

Outro ponto é a poluição difusa que os caminhões e automóveis e ônibus produzem nas ruas em que trafegam no manancial. Essa poluição é a fuligem dos pneus, um pó gerado devido ao desgaste da borracha vulcanizada, que também é cancerígena, além dos metais que reforçam os pneus e se desgastam soltando filamentos metálicas.

Tudo isso é poluição difusa, cancerígena, que vai para a represa e deveria ser medido, monitorado, o que não vem ocorrendo, pelo menos não como deveria. Sabemos que a poluição difusa, em certo momento, combinada com a erosão, vai produzir a perda do manancial, tanto Billings, quanto Guarapiranga. Isso significa uma perda de abastecimento de água de 4 milhões de habitantes. É um absurdo o plano diretor não considerar todos esses fatores e, ainda, querer adensar ao longo desses eixos.

E não estamos falando de apenas uma ocupação de baixa densidade que poderia, até de certo modo, atender a lei dos mananciais. Um adensamento maior vai impermeabilizar ainda mais o solo. O que significa outra perda, a captação da água de chuva que vai penetrar menos no solo, também diminuindo a capacidade do manancial. Então, é um absurdo que se ocupe ainda mais os mananciais. Por que o que está sendo proposto [ no plano] é uma ampliação das zeis, especialmente tipo 4, dos mananciais.

E como o senhor vê a atuação do movimento de moradia na aprovação do PDE?

O movimento pró-moradia que está lutando, com razão, não deveria nunca ocupar manancial. Eles ocupam atualmente quatro áreas de manancial recentemente, em 2013, e estão se mantendo lá, o que incentiva novas invasões. Qualquer aumento de construção há perda de manancial. O que está acontecendo na lei de proteção aos mananciais é que não instituiu o monitoramento desses metais pesados e também a capacidade de armazenamento, que o volume de água vai diminuindo quando o lodo vai se depositando no fundo. Há uma grande falha de lei estadual que também deve ser corrigida. aliás, o plano diretor implica grandes prejuízos ao poder público estadual. No caso do metrô e dos trens, onde o PDE propôe maior adensamento, é estadual. Só que até agora o governo do estado de São Paulo não se pronunciou sobre essas questões do plano direitor. E, a meu ver, deveria se posicionar de modo crítico.

Qual a sua opinião sobre as Zonas Especiais de Interesse Social, as Zeis?

Eu defendo um planejamento metropolitano dessas zonas de interesse social porque aqui no município de São Paulo as áreas que ainda não foram ocupadas são áreas protegidas, com exceção de terrenos mais centrais que estão retidos para a especulação e deveriam ser de algum modo ocupados. Aí poderia haver a aplicação de IPTU Progressivo no Tempo, instrumento previsto no Estatuto das Cidades e que não está sendo aplicado nesse plano diretor como deveria. O IPTU progressivo no tempo só está sendo aplicado nas Zeis, que é correto, e operações urbanas, o que corresponde a cerca de 40% da cidade. No restante, a especulação corre solta. Inclusive porque um preço de um terreno contamina o outro que fica próximo. Então temos que combater a especulação imobiliária no conjunto da cidade ou até no conjunto da metrópole.


Isso implica numa nova posição em relação ao planejamento metropolitano, que é incipiente. O que temos hoje é a Lei de Proteção aos Mananciais e a Lei de Localização Industrial, que são da década de 1970. A Lei de Proteção aos Mananciais foi atualizada recentemente, mas continuamos sem o monitoramento da poluição difusa.


O instrumento para conter a especulação é colocar no Plano Diretor, que a constituição e o estatuto das cidades prevêem, a reforma urbana, e um dos principais instrumentos principaisdela é o  IPTU Progressivo no Tempo sobre os vazios urbanos e áreas subutilizadas. Mas, diante da problemática muito dramática que os movimentos pró-moradias sofrem, diante dos preços dos terrenos que dobraram de valor nos últimos cinco anos por conta da especulação imobiliária, associada à especulação financeira, que inclusive teve um efeito devastador nos Estados Unidos em 2008, de estagnação econômica, que atingiu o mundo inteiro, o governo do estado  tinha que assumir uma posição de fazer um planejamento metropolitano de moradia e , ao mesmo tempo, de uso do solo, com IPTU progressivo no tempo metropolitano, pelo menos para as grandes glebas. E os municípios que não tivessem essa política deveriam seguir a política estadual. É muito mais difícil aprovar isso em nível municipal do que na Assembleia Legislativa. Nas Câmaras municipais os vereadores que são ex-corretores e estão muito ligados a essas forças de especulação, com forte influência na comunidade.

Esse plano atual do município é um híbrido – de plano e política – quando ele deveria ser só política de desenvolvimento urbano. A constituição federal no artigo 182, define que os planos devem ser orientados por uma política de desenvolvimento urbano. Depois, o Estatuto das Cidades confirmou isso. Então, primeiramente deve-se aprovar uma política. Na sequência, orientado por essa política, é que se discute e aprova o plano. E o plano deve prever plano de transporte, de saneamento básico (que vai cuidar das enchentes, água e esgoto), de habitação, e de uso do solo. São quatro planos básicos que, conjugados e interrelacionados, é que compõem o plano diretor. O que foi aprovado agora não tem plano de mobilidade, não tem plano de saneamento, não tem plano de habitação. Só tem uma pequena parte de uso do solo, que só prevê esses eixos de estruturação urbana, ao longo do transporte coletivo, e as Zeis. A grosso modo, é um plano meia boca porque o grande conteúdo do que foi aprovado é a política de desenvolvimento urbano.

Mas o PDE anterior previa essas outras áreas?

Não. O
plano anterior também não fez plano de habitação, nem saneamento básico, nem mobilidade. Só fez um que precisa ainda ser completadom, que é o plano de uso do solo, que foi chamado de Lei de Zoneamento.

Mas se é um plano incompleto, que ainda precisa de ajustes, porquê não vemos isso na mídia hegemônica?


Acho muito bom o Sindicato dos Engenheiros estar abordando essa questão e estar me dando essa oportunidade porque vocês decidem sobre a matéria que vão publicar, tem liberdade para decidir o que publicam. Já a grande mídia está cooptada pelo setor imobiliário. Isso que eu estou falando para você, eu fui impedido de falar na mídia em geral. Eu concedi entrevistas mas nada foi publicado. Há 30 anos que eles [setor imobiliário] seguram, por exemplo, o cálculo sobre o transporte e uso do solo. Eu fui secretário do Olavo Setúbal, entre 1977 e 1981, naquela época nos já treinamos um conjunto de pessoal técnico para trabalhar com esses cálculos. Cerca de 30 técnicos foram treinados naquela época, quando o poder publico mantinha internamente como funcionários públicos esses técnicos. Daí veio a onda neoliberal e surgiram as empresas privadas, onde esses profissionais atuam hoje.

Mas esse cálculo prejudicaria as construtoras de alguma maneira?

Claro que não. Somente serão indicados os locais onde deverão ser construídas as edificações. Não serão impedidos de fazer nenhuma obra. Só que eles seriam impedidos, por exemplo, de criar um bairro onde não há infraestrutura, como vem ocorrendo, como foi com o Tatuapé nos últimos 20 anos, que passou por uma urbanização e está entupido de prédios. E só no ano passado é que o governo do estado começou a pensar em estender uma linha do metrô para atender aquela demanda. Mas as obras demorarão de oito a dez anos para ficarem prontas. Infelizmente, por conta da falta de planejamento, os governos ficam correndo atrás do prejuízo. O planejamento que nós temos de transporte e uso do solo é esse: só planeja o transporte sempre atendendo a uma demanda que já existe. Então, para acabar com essa defasagem, é que temos que fazer com que o setor imobiliário construa ao longo das linhas novas. O prefeito tem essa idéia definida no plano diretor e de forma mais clara do que o plano anterior, só que agora é preciso estabelecer os limites, em toda a cidade, de acordo com a capacidade de cada linha.

Deborah Moreira
Imprensa SEESP




Lido 5127 vezes
Gostou deste conteúdo? Compartilhe e comente:
Adicionar comentário

Receba o SEESP Notícias *

agenda