Desde 2010, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinou que as concessionárias de energia (Eletropaulo, CPFL etc) repassem para os municípios os “ativos de iluminação pública”. Trocando em miúdos, isso significa que a implantação, expansão, operação e manutenção da iluminação pública nas cidades passam a ser responsabilidade dos municípios. Para isso, as cidades podem cobrar dos moradores a Contribuição de Iluminação Pública (CIP). De acordo com a Aneel, esta resolução apenas cumpre a definição da Constituição Federal de 1988, que atribui aos municípios a gestão da iluminação das cidades.
Muitos municípios, principalmente os pequenos, que, aliás, são a maioria no Brasil, tentaram derrubar esta resolução ou fazer de tudo para adiar sua implementação. Segundo os gestores, as cidades não estão preparadas para prestar mais este serviço, não têm equipes técnicas profissionais para isso, não têm recursos para investir na expansão da iluminação, nem muito menos capacidade de realizar a manutenção. Em função dos protestos destes prefeitos e de liminares da Justiça, a Aneel foi adiando a implantação da resolução, mas o prazo fatal agora está próximo: 31 de dezembro deste ano.
Para fabricantes de lâmpadas, distribuidoras de energia, investidores da área de infraestrutura e diversas outras empresas, trata-se de entrar em um novo mercado, a gestão de iluminação pública, via parcerias público-privadas (PPPs). E a disputa já começou. Em São Paulo, segundo reportagem recente do Estadão, a Prefeitura recebeu 11 projetos em resposta à chamada de propostas para modernizar sua rede de iluminação, que contém 561 mil postes. O objetivo é que o sistema seja automatizado, com capacidade para, por exemplo, alterar a intensidade de luz e identificar quando uma lâmpada parar de funcionar.
De acordo com o jornal, que teve acesso às propostas apresentadas, os estudos, embora com análises diferentes sobre a viabilidade econômica, “apontam para investimentos de até R$ 5,5 bilhões e receitas que podem chegar a R$ 23,7 bilhões em 30 anos”. A reportagem mostra ainda que, no geral, as propostas seguem o modelo de outras concessões de serviços públicos de infraestrutura, como rodovias e aeroportos. A lógica é que os concessionários aportem recursos ao negócio nos primeiros anos e recuperem o investimento no longo prazo. No caso da PPP da iluminação pública, eles ficariam com os recursos da CIP.
Em mercados como o das regiões metropolitanas, estas PPPs certamente podem ser viáveis, mas… e nas pequenas cidades? Que empresa irá se interessar em gerir a iluminação pública de uma pequena cidade, com baixíssima renda per capita? Por esta razão, prefeitos de pequenas cidades do interior estão chamando esta transferência de atribuições de “presente de grego”. Mais uma vez, aparecem com clareza as dificuldades de tratar com os municípios, estabelecendo a mesma política para todos no país, sem considerar suas diferenças…
Não apenas no caso da iluminação, mas em muitos outros temas da política urbana no Brasil, são definidas atribuições considerando-se os municípios como entidades homogêneas: as regras de São Paulo ou Fortaleza – centros de regiões metropolitanas de milhões de moradores e com intensa dinâmica econômica – são idênticas às de Serra da Saudade, em Minas Gerais, quem tem 825 habitantes, ou de Borá, em São Paulo, com 834 habitantes.
Trata-se de um modelo de federação – consolidado na Constituição Federal – que não dá conta de garantir uma gestão eficiente e inclusiva das cidades. Transformá-lo implica mexer nos poderes locais e ninguém quer meter a mão neste vespeiro, já que este modelo é bastante aderente ao sistema político eleitoral, que tem na eleição dos prefeitos e vereadores uma base fundamental.
Fonte: Blog da Raquel Rolnik
Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs