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03/09/2014

Entrevista - Direito à comunicação e democracia

Um dos mais renomados pesquisadores em comunicação do Brasil, o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Venício A. de Lima vem há décadas travando o debate sobre a necessidade de um novo regramento para o setor no País.  Longe de se propor censura ou controle de conteúdo, trata-se de garantir pluralidade e evitar o monopólio econômico, afirma. Em seu mais recente livro –  “Para garantir o direito à comunicação” (Editora Fundação Perseu Abramo, 2014) –, ele analisa a chamada Lei de Medios, da Argentina, o Relatório Leveson, da Inglaterra, e o trabalho do Grupo de Alto Nível (HLG, na sigla em inglês), da União Europeia. Segundo ele, “os três documentos testemunham como a regulamentação da mídia é tema central no mundo contemporâneo”. Em entrevista ao Engenheiro, o professor falou um pouco sobre a questão.

Como se estabelece a relação entre regulação da mídia e o direito à comunicação?
Venício A. de Lima –
O que há em comum nos documentos que o livro reproduz é a garantia de acesso ao debate público, que é o direito à comunicação. Há um argumento de que a internet resolveu o problema, porque todos têm acesso. Mas ainda é a chamada velha mídia que pauta o debate público e consegue falar simultaneamente para 50 milhões de pessoas.  O que se pretende é que mais vozes participem e formem uma opinião pública democrática.  Para aqueles que são contra um novo marco regulatório, é muito fácil fazer um movimento que o identifique com censura, privação da liberdade. Isso está totalmente equivocado porque a proposta é para garantir mais vozes no espaço público e para disciplinar, do ponto de vista da atividade econômica, os grupos empresariais que hoje são pouquíssimos no mercado brasileiro de comunicações.  Mas esses continuarão a existir e ninguém vai interferir no que eles falam.

E quanto a regulamentar os vários preceitos constitucionais que seguem ignorados?
Eu tenho falado há mais de uma década que, se houvesse a regulamentação do Capítulo V (sobre comunicação social), seria uma revolução. O art. 220 fala que os meios de comunicação não podem ser objeto de oligopólio ou monopólio; o art. 223 introduz a complementaridade entre sistemas público, privado e estatal, o que deve orientar a renovação e outorgas de novas concessões; o art. 221 define princípios para a programação; e o art. 5º traz o direito de resposta. Claro que de 1988 para cá, do ponto de vista tecnológico, muita coisa mudou, as normas precisam ser atualizadas no tempo. Na verdade, o documento legal básico para a radiodifusão é o Código de 1962. É uma situação vergonhosa. E algumas das bases da estrutura do sistema de mídia privado estão lá, e são anteriores ainda, pois não houve mudanças desde a primeira regulação da área, da década de 1930.

Num debate entre candidatos, ao ser questionada sobre o tema, a presidente Dilma Rousseff afirmou ser favorável à regulação econômica. Isso seria suficiente?
Eu acredito que quando a presidente fala em regulação econômica, está traduzindo a ideia do parágrafo 5º, do art. 220, que estabelece que essa área não pode ser objeto de monopólio. É parcial,  mas seria um avanço fantástico aplicar para a mídia o que já existe em outras áreas, como a lei antitruste e contra a formação de cartéis.

Qual a dificuldade de se estabelecer um novo marco legal para o setor no Brasil?
Acho que temos condições históricas que nos diferenciam de outros países da América Latina em relação à formação e à consolidação do sistema de mídia privado no Brasil. Criou-se um poder tão forte na forma como ele é estruturado e enraizado no tecido social, é uma combinação de concessionários de radiodifusão e velhas oligarquias no País inteiro. Isso soma-se à estrutura do sistema político brasileiro, um obstáculo formidável à realização democrática, porque é um presidencialismo de coalizão que exige acordos amplíssimos. O Poder Executivo, que seria o propulsor básico de uma legislação de regulação da área, está historicamente amarrado por uma série de conveniências político-eleitorais que impedem que isso seja feito. Estamos agora em processo eleitoral e nenhum dos principais candidatos incluiu no seu programa ações nessa área.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) elaborou um projeto de lei de iniciativa popular (Plip) e está coletando assinaturas para encaminhá-lo ao Congresso. Essa iniciativa é positiva?
O mais importante do Plip é se ter um projeto em torno do qual se possa fazer o debate público.

Os partidos políticos, com raras exceções, não assumem essa questão. As entidades da sociedade civil ficam muito desamparadas nesse processo. Faltam também participação, envolvimento e compromisso da universidade. Eu tenho falado que nessa área as mudanças virão das ruas. Se não houver uma consciência coletiva da importância disso e pressão popular no sentido de que se façam reformas nessa área, é muito improvável que aconteça alguma coisa. É um percurso muito longo. Eu acho que a gente já avançou comparado com o que acontecia há 30 anos, mas é ainda muito difícil imaginar que alguém vá fazer greve pelo direito à comunicação. A Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, foi um passo importante.

 

Rita Casaro
Entrevista publicada, originalmente, no jornal Engenheiro, da FNE, nº 148, setembro/2014










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