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17/12/2014

O eSocial e as mudanças jurídicas nas relações de trabalho

O Direito do Trabalho, ao longo de sua histórica formação, sedimentou-se como um ramo autônomo da ciência jurídica com princípios próprios e um arcabouço de leis que regulamentam o conteúdo tão especial das relações de trabalho, qual seja aquela em que se envolvem os direitos humanos e os direitos fundamentais do trabalhador sob o vínculo do emprego na sua dimensão individual e coletiva. Todavia, há uma tendência para a burocratização do conteúdo das relações trabalhistas que poderá colocar fim às teses jurídicas.

Na sua dimensão individual, as normas trabalhistas, de natureza imperativa e de ordem pública, apresentam forte restrição para sua flexibilização, admitida legalmente em raras oportunidades, sem transferida com segurança jurídica para as negociações coletivas. No âmbito individual, o Estado procurou encharcar os contratos de trabalho de normas gerais supostamente protecionistas.

O protecionismo da legislação trabalhista consolidou-se como forma de assegurar que a desigualdade econômica, que provoca enorme desvantagem para o trabalhador empregado, não servisse como instrumento de maior exploração da força de trabalho. Desta forma, a proteção básica da lei ao empregado é o mínimo que se poderia considerar como garantia de respeito à condição de cidadão e de ser humano. Formou-se assim um grande guarda chuva sob o qual todos se abrigariam e estariam protegidos até a morte.

A fiscalização do cumprimento das normas protetivas é feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de auditores fiscais que garimpam nas empresas visitadas todos os documentos administrativos necessários e obrigatórios.

Neste campo de atuação, os detalhes são importantes: cartão de ponto, intervalos intrajornada e interjornadas; descansos semanais, vale transporte, comunicação de férias anuais com 30 dias de antecedência, concessão de férias e pagamento com 48 horas de antecedência ao seu início, ambiente de trabalho seguro, exemplificativamente. Enfim, deveria a fiscalização cuidar do conforto do empregado no seu ambiente de trabalho e o respeito de seus direitos, vis à vis o seu empregador. Mas a fiscalização trabalhista ignora a evolução de novos modelos de relações de trabalho e de prestação de serviços, ficando impedida até pela sua finalidade e mister, de interpretar fatos em detrimento da lei. Por esta razão, causam espanto as autuações com presunção de existência de vínculo de emprego de forma absolutamente verticalizada.

Está em processo de implantação de caráter obrigatório nas empresas uma simplificação de informações trabalhistas e fiscais o eSocial. Trata-se de projeto do governo federal que vai coletar as informações trabalhistas, previdenciárias, tributárias e fiscais relativas à contratação e utilização de mão de obra onerosa, com ou sem vínculo empregatício e também de outras informações previdenciárias e fiscais previstas na lei n° 8.212, de 1991. A proposta é de simplificação das obrigações do empregador e com provável redução de custos.

A partir da implantação do eSocial, todas as informações trabalhistas e fiscais estarão expostas de maneira clara e transparente de modo a permitir que a fiscalização não tenha mais que se deslocar para a garimpagem de cumprimento de obrigações legais administrativas. As empresas disponibilizarão à receita e à fiscalização seus procedimentos administrativos.

Portanto, a partir das informações alimentadas no sistema pelas empresas, os temas trabalhistas mais discutidos partirão de elementos de base claros e reconhecidos, razão pela qual, os modelos de contratos de trabalho ou de prestação de serviços em qualquer modalidade, inclusive a utilização de mão obra para execução de trabalho temporário merecerão clareza no descritivo para não deixar dúvidas quanto à legalidade do contrato. As questões relativas a jornada de trabalho e forma de remuneração, por exemplo, sofrerão um estreitamento na argumentação porque a declaração da empresa servirá como base de orientação para as discussões em eventual demanda trabalhista.

Não temos a menor dúvida de que o eSocial poderá servir, em razão da clareza de informações, à redução de conflitos trabalhistas. Todavia, os dados levados ao sistema devem passar necessariamente por um entrosamento do jurídico com recursos humanos, sob pena de um anular o outro, pois nem todas as orientações para alimentação do sistema serão compatíveis com o conteúdo jurídico das relações de trabalho.

Seguindo desta forma, a defesa em processo trabalhistas será resumida ao preenchimento de planilhas cujos dados poderão ser perfeitamente confrontadas pelo magistrado que terá acesso ao eSocial quanto às declarações efetuadas pela empresa para o caso concreto.

Com certeza, a atuação do advogado em processos trabalhistas será muito limitada. Vamos aguardar os efeitos do eSocial, com previsão para implantação a partir de janeiro de 2016.


 

*  por Paulo Sergio João, advogado e coordenador do curso Direito Empresarial do Trabalho do GVlaw








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