Desde que começaram a ser implementadas, as ciclovias de São Paulo têm despertado reações diversas na cidade. Há motoristas que se irritampor ter de fato perdido espaço no trânsito, há os que se incomodam, mas que compreendem e apoiam a ação, e há ainda os que, diretamente beneficiados ou não, desejam realmente que o paradigma da mobilidade na cidade de São Paulo seja transformado. Pesquisas de opinião indicam, no entanto, que a maioria da população apoia a iniciativa.
Na semana passada, porém, a Justiça determinou a paralisação das obras cicloviárias da cidade – com exceção da ciclovia da Avenida Paulista –, atendendo a pedido do Ministério Público. Cicloativistas e organizações da sociedade civil imediatamente se mobilizaram, realizando protestos e divulgando carta na qual repudiam a medida.
Ainda que o MP tenha razão em alguns dos motivos que expõe, acredito que a paralisação das obras seja um equívoco. Vejamos: a promotora Camila Mansour tem razão quando afirma que muitas das ciclovias não têm projetos adequados e que não houve debate público suficiente, especialmente nos bairros onde foram implementadas. Tanto ela tem razão que em alguns trechos houve necessidade de readequação das ciclovias após sua implementação. A representação apresenta fotografias evidenciando alguns desses erros, que muitas vezes oferecem riscos à segurança dos próprios ciclistas.
Por outro lado, algumas questões que ela aponta não fazem sentido, como, por exemplo, exigir estudo de impacto no trânsito ou afirmar, citando engenheiros, que o sistema cicloviário não pode alterar o sistema de circulação de veículos. É evidente que a redução do espaço dos carros, seja para a implementação de uma ciclovia, seja para uma faixa exclusiva de ônibus, altera – para pior – o trânsito para os carros. Isso é esperado e faz parte da opção feita pela cidade – a meu ver, correta – de priorizar outra lógica de mobilidade que não a do transporte individual motorizado.
Em um espaço finito – o sistema viário – a discussão é de prioridade. Historicamente, o carro reinou soberano: era dono da via, do meio-fio etc. E o transporte coletivo e os modos não motorizados (bicicletas e pedestres) eram sistematicamente preteridos. A inversão de prioridade altera este equilíbrio, a partir de uma nova opção e de uma nova política. E isso não é apenas uma decisão do atual prefeito, não. Trata-se de política urbana prevista no Plano Diretor de São Paulo desde 2002 e reafirmada em sua última versão, aprovada no ano passado. E que agora a cidade está – finalmente – implementando.
Agora, sabemos da enorme dificuldade que gestores municipais têm para implementar projetos. Os questionamentos que a promotora faz – alguns com absoluta razão, como já afirmei – não dependem da suspensão das obras para serem observados e resolvidos. Podemos readequar projetos implantados sem a devida consulta e refazer obras que não foram implantadas de acordo com os projetos. Podemos também exigir que os planos sejam publicizados e debatidos e que os projetos sejam mais detalhados antes de serem implantados daqui pra frente.
Paralisar as obras me parece atitude muito radical quando existem outras formas de aperfeiçoar os projetos e promover o diálogo, sem interromper a implementação de uma política fundamental para a cidade.
Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Fonte: Yahoo!Blogs