Participar do grande centro de física europeu, lar do acelerador de partículas LHC, custaria mais de US$ 10 milhões
O Brasil deve iniciar nos próximos dias o que se pode chamar de um "namoro" mais sério com o Cern (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear), mais importante centro de pesquisas físicas do mundo e lar do superacelerador de partículas LHC.
Pela primeira vez desde que foi fundado, o Cern admitirá países-membros de fora da Europa, e os brasileiros estão entre os pretendentes.
O contrato nupcial, por assim dizer, ainda está formulado em termos vagos. Uma portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia nomeará em breve uma comissão que ajudará a definir as condições da participação do país no Cern.
"Custa caro, mas nenhum país ficou pobre até hoje por investir em ciência", brinca Ronald Cintra Shellard, pesquisador do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro, e um dos nomes que deverá integrar a comissão.
A questão dos valores ligados à participação é complicada. Segundo Shellard, se fosse seguido o mecanismo de vincular a contribuição do país ao seu PIB, a "fatia" brasileira ficaria em torno de US$ 100 milhões ao ano.
"Isso, claro, é impraticável", diz ele. Valores mais razoáveis ficariam entre US$ 10 milhões e US$ 25 milhões.
José Monserrat Filho, assessor de assuntos internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia, no entanto, afirma que é cedo para cravar qualquer quantia.
"Um valor mais modesto teria a vantagem de não precisar passar pelo crivo do Congresso, embora, claro, fosse interessante e importante ter a participação dos congressistas na ideia."
Os valores são altos porque cada experimento no LHC e em outras instalações do Cern custa caro. Shellard calcula em cerca de US$ 12 mil dólares por experimento o custo para cada cientista sênior, "autor de paper" (ou seja, que assina o artigo científico derivado do experimento), sem contar valores menores para doutorandos, por exemplo.
A colaboração que já existe entre a comunidade brasileira de físicos e o Cern já é considerável. O físico Sérgio Ferraz Novaes, da Unesp, já participa das pesquisas do lugar, por exemplo.
"Hoje, mais de 70 cientistas brasileiros frequentam o Cern. Creio que os chineses têm apenas uma pessoa a mais do que nós", diz Shellard. A China e outros países emergentes industrializados, como a Índia e a Coreia do Sul, também estão negociando sua transformação em membros do clube europeu.
A perspectiva de aplicação da colaboração anima Monserrat Filho. "Temos uma perspectiva de alavancar o crescimento científico e tecnológico. A nossa disposição nesse sentido é a melhor possível." A portaria nomeando o grupo de trabalho que ajudará a formular a proposta brasileira deve sair, "na pior das hipóteses", nesta semana, diz ele.
Além de Shellard, devem integrar o grupo Novaes e Ademar Seabra da Cruz Júnior, da Divisão de Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores.
Para cientistas, acordo pode gerar lucro
Os cientistas brasileiros defendem que o que está em jogo não é apenas a colaboração mais estreita em um dos maiores empreendimentos científicos da história.
De fato, os experimentos com colisões altamente energéticas de partículas subatômicas no LHC (erroneamente apelidado de "máquina do Big Bang") provavelmente mudarão a visão sobre como o Universo funciona. Os físicos do LHC estão à caça do bóson de Higgs, partícula prevista por teóricos, mas nunca detectada, que seria responsável por dar massa (o popular "peso") à matéria.
Mas, além do desafio intelectual, há também a oportunidade para que empresas brasileiras disputem as licitações do Cern (cujo orçamento anual de 664 milhões de euros não é nada desprezível) e ganhem conhecimento valioso com isso.
Mais do que o valor de contratos individuais, produzir aparato para o Cern equivale à transferência de tecnologia de ponta, única no mundo, e pode ajudar qualquer companhia a criar produtos inovadores e lucrativos, diz Ronald Cintra Shellard, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio.
"Vi recentemente uma análise dizendo que Portugal só foi afetado de maneira relativamente leve pela crise econômica porque criou uma indústria eletrônica sofisticada, graças em grande parte à participação no Cern", diz. "As consequências econômicas são bastante palpáveis."
O caminho para transformar o Cern num motor de desenvolvimento, lembra José Monserrat Filho, do MCT, não passa pelas licitações de obras em si, porque, no fim das contas, cada país acaba conseguindo valores equivalentes aos que contribuiu para o projeto. O importante é o clima de inovação e abertura fomentado pela instituição.
"As pessoas estão até cansadas de ouvir isso, mas o 'www" da internet nasceu no Cern. E, por causa da cultura aberta, essa molecada que está ganhando dinheiro por aí hoje com a internet conseguiu adaptar para usos lucrativos a criação do Cern."
Mais um benefício imaterial? Inspirar. O Brasil já levou algumas dezenas de professores de escolas públicas de ensino médio para conhecer o Cern, e a expectativa é ampliar essa batelada para centenas. "Esses professores podem mudar a perspectiva dos alunos deles sobre a ciência."
Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo
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