O rendimento médio real do trabalho cresceu 2,2%, chegando a R$ 1.106 por mês. A renda média mensal real por domicílio cresceu 1,5%, alcançando R$ 2.085. O Índice de Gini, que mede o grau de desigualdade de zero (igualdade plena) a um (desigualdade total), melhorou tanto pela renda do trabalho quanto pela renda domiciliar. O desemprego aumentou, mas o emprego formal, de melhor qualidade, também. E a ocupação subiu, mesmo sem acompanhar o crescimento populacional.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada anualmente pelo IBGE, mostrou que a crise econômica iniciada em setembro de 2008 teve impacto, mas não foi suficiente para reverter a trajetória favorável da maioria dos indicadores sócio-econômicos brasileiros nos últimos anos.
"Na verdade, esta não é uma Pnad tão boa quanto a do [começo do] real, nem como a do real do Lula [presidente Luiz Inácio Lula da Silva], de 2003 a 2008. Não é tão pungente, mas é um dado bastante razoável", destaca o economista Marcelo Néri, especialista em indicadores sociais da Fundação Getulio Vargas.
De 2008 para 2009, a Pnad mostra que o índice de Gini do rendimento do trabalho andou três milésimos a favor da redução da desigualdade, passando de 0,521 para 0,518, ritmo inferior aos dos outros anos.
Os dados revelam também que desta vez, diferentemente dos últimos anos, a queda não beneficiou os 10% mais pobres da população que tiveram aumento zero no rendimento do trabalho, que foi de R$ 127 em média nos dois anos. No grupo seguinte, dos 10% a 20% mais pobres, o rendimento só subiu 0,65%. Em 2008, a renda destes dois grupos subiu muito mais - 4,1% e 6,9%.
Já os 10% mais ricos alcançaram uma renda média mensal de R$ 4.702, 1,75% maior do que em 2008 e, no topo da pirâmide, a faixa de 1% de renda mais elevada obteve ganho de 3,3%. Em 2008, esta parcela mais rica da população teve ganhos menores, de 0,3% e 1,1%, respectivamente.
O que sustentou a queda da desigualdade foram as camadas intermediárias de renda, os grupos na faixa entre R$ 459 e R$ 710 de receita média mensal do trabalho (a Pnad divide os grupos de renda de 10% em 10%). Para os analistas Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), e Jorge Abraão, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, o fenômeno tem a ver com a política de ganhos reais do salário mínimo.
Quando a conta é feita com base na renda domiciliar, que conta rendimentos de outras fontes que não a do trabalho, como aposentadorias, benefícios sociais (Bolsa Família, por exemplo) e outras fontes, o valor médio alcançado em 2009 foi mais bem distribuído, com crescimento de 1,46% entre os 10% mais pobres e de apenas 0,1% entre os 10% mais ricos.
Sônia, do Iets, avalia que os benefícios como o Bolsa Família são importantes, mas muito pequenos para influenciar de forma significativa nas estatísticas de renda e prefere, mesmo ressalvando ainda não ter estudado os números em detalhes, atribuir a melhora na distribuição da renda familiar - o Índice de Gini sob esse ponto de vista caiu de 0,514 para 0,509 - a fatores como o próprio salário mínimo e a aspectos demográficos, como a redução do número de crianças e jovens (a população de 0 a 24 anos baixou em 642 mil pessoas em relação a 2008), liberando mais adultos para trabalhar.
Néri, da FGV, elaborou os dados da Pnad, transformando a renda bruta domiciliar em renda domiciliar per capita, concluindo que, apesar da crise, a renda média do brasileiro subiu no ano passado 2,04%, passando de R$ 618 para R$ 630. Ainda segundo suas contas, houve aumento de 3,15% na renda dos 40% mais pobres e de apenas 1,09% na dos 10% mais ricos, fazendo com que houvesse uma queda da taxa de pobreza do país de 16,02% para 15,32% da população, uma queda de 4,37%.
De acordo com Neri, os números significam que o total de pobres no Brasil ficou 1,02 milhão menor, passando de 29,86 milhões para 28,84 milhões. O economista trabalhou com a linha de pobreza adotada pela FGV que considera pobre quem ganha até R$ 140 por mês. Segundo ele, se a linha adotada for a de meio salário mínimo, o total de pobres foi reduzido em três milhões no ano passado.
O economista destacou o que considera uma discrepância entre os dados da Pnad e os das Contas Nacionais (medem o Produto Interno Bruto-PIB). Pelos dados do PIB, que caiu 0,2% no ano passado, cada brasileiro ficou cerca de 1,5% mais pobre em 2009, enquanto os números da Pnad mostram crescimento da renda.
Mesmo ressalvando que os números da pesquisa social tendem a convergir para os mesmos do PIB ao longo do tempo, Neri ressaltou a tese de um grupo de economistas, entre eles o Prêmio Nobel americano Joseph Stiglitz, de que não se deve olhar apenas para o PIB na hora de medir os avanços de um país ou região.
Para Abraão, do Ipea, os resultados da Pnad foram positivos se considerarmos que eles foram coletados em setembro de 2009, justamente no ponto de saída da crise. Para ele, a alta da taxa de desemprego, de 7,2% para 8,4%, "tem tudo a ver com a crise", bem como a queda de 57,5% para 56,8% no nível de ocupação (população ocupada em relação à população em idade ativa) de um ano para outro.
Apesar da pequena queda na taxa de analfabetismo, de 9,8% para 9,6%, dando sequência a uma redução histórica, Sônia, do Iets destacou que a qualidade da educação segue sendo o calcanhar de aquiles da trajetória sócio-econômica brasileira.
Outro destaque levantado pelos analistas, neste caso negativo, foi o baixo crescimento do saneamento básico. Entre 2008 e 2009 a quantidade de domicílios com rede coletora ou fossa séptica ligada à rede coletora de esgoto pulou de 34,1 milhões para 34,6 milhões. Em números relativos, houve queda no volume de residências com esse serviço - de 59,3% do total em 2008 para 59,1% no ano passado.
(Chico Santos e Rafael Rosas, Valor Econômico)
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