Encerrou-se nesta terça-feira (19/06) um capítulo polêmico da trajetória da Rio+20, no que se refere à interação entre o governo brasileiro e a sociedade civil. O espaço semioficial dos DDS (Diálogos do Desenvolvimento Sustentável), promovido pelo Governo Federal entre os dias 16 e 19 de junho, com o apoio da ONU (Organização das Nações Unidas), que buscou firmar-se como uma inovação de processo participativo no contexto do sistema multilateral.
Ao convidar cidadãos e cidadãs de todo o mundo para identificar e eleger prioridades em 10 temas relativos ao desenvolvimento sustentável, o Governo brasilieiro declarou a intenção de recolher propostas concretas para a Rio+20 e também para o período que se segue à conferência. Indiretamente, esperava-se que os Diálogos pudessem influenciar as negociações oficiais em curso.
Neste documento, procuramos analisar o processo e seus resultados, identificando tanto pontos passíveis de crítica quanto aspectos que podem ter resultados positivos e oportunidades de melhoria.
Apesar do caráter inédito e do potencial inovador da iniciativa, observamos na prática uma série de posturas que enfraqueceram, do início ao fim, o processo de interação, bem como a legitimidade e aplicabilidade dos resultados.
Pelo lado negativo, destaca-se, em especial, a falta de clareza em relação aos objetivos e procedimentos, tanto durante o período de preparação, quanto durante os diálogos presenciais, já no Rio de Janeiro. Esse é um dos ingredientes que motivaram críticas e desconfiança por parte de diversas organizações da sociedade civil, o que acabou gerando baixa adesão ao processo de escolha das propostas durante a fase preparatória, especialmente por parte da sociedade civil brasileira.
Outro fator decisivo para esse baixo envolvimento foi a metodologia fechada, o processo pouco claro, em que temas (dez) e debatedores (dez por tema) foram apontados exclusivamente pelo governo, apoiado apenas em seus próprios conhecimentos e em um processo de consulta bastante limitado. Inicialmente, todos os demais participantes ficariam restritos à condição de plateia (ouvintes), o que foi revertido mais tarde, porém sem aviso prévio ou qualquer tipo de comunicado escrito aos interessados potenciais. Tudo isso prejudicou o ambiente participativo e, consequentemente, impactou seus resultados.
À luz das experiências de participação e diálogo que hoje são referências consolidadas no Brasil, incluindo as diversas iniciativas do próprio Governo Federal desde 2003, ou mesmo anteriores, os DDS não incluiram elementos essenciais de um diálogo. O foco em excusivamente em propostas afirmativas mas genéricas, em frases resumidas, eliminou das das recomendações finais as divergências e ponderações que caracterizam a complexidade da discussão sobre desenvolvimento sustentável. A inclusão das diferenças não comprometeria a escolha de prioridades. Sem elas, entretanto, esvazia-se o caráter reflexivo, o aprendizado e a apropriação dos temas tanto por parte dos envolvidos quanto por parte do público em geral e da imprensa, que terão acesso apenas a propostas simplificadas.
Por fim, uma das grandes faltas dos DDS foi o descolamento entre as discussões que ora ocorrem nos inúmeros processos autônomos da sociedade civil – em especial, na Cúpula dos Povos – e o conteúdo dos debates no espaço semioficial. Sem essa interlocução, o governo brasileiro, enquanto idealizador e organizador dos DDS, perdeu a oportunidade de atuar com um legítimo mediador entre os canais autônomos e o processo oficial da ONU.
Como pontos positivos, podemos destacar a qualidade dos palestrantes e, por consequência, de algumas propostas que resultaram dos painéis, bem como a metodologia com falas sucintas e algum grau de interação que, apesar de suas falhas, conseguiu manter a objetividade e eleger as prioridades de maneira relativamente eficaz. Também foi positiva a utilização do sistema de votação da plenária para priorização das propostas. Seguramente, o aproveitamento da infraestrutura com tecnologias de ponta da ONU oferece condições ideais para inovações metodológicas.
Conclui-se que os DDS representam um primeiro passo de inovação importante, que com as necessárias melhorias, pode ser replicado e aperfeiçoado em oportunidades futuras. Mas, para fins do propósito de influenciar a Rio+20, o que percebemos é paradoxal: ao mesmo tempo em que os DDS criaram oportunidades para tanto, essa influência se deu sob regras que contradizem mesmo experiências atualmente elementares de diálogo e participação. As propostas tiradas nos DDS serão apresentadas aos Chefes de Estado e Governo no segmento de alto-nível da Rio+20, e os organizadores da iniciativa esperam que sejam reconhecidas como um dos resultados da Rio+20. Não está claro, porém, quais as consequências práticas e políticas disso.
Algumas dúvidas ainda pairam no ar e merecem uma reflexão, tais como: para que terão servido os DDS no contexto da Rio+20? A iniciativa serviu para gerar escuta, qualificação de algumas vozes da sociedade, ou tornou-se um simulacro de participação? É possível criar expectativas de diálogo e avanços reais quando não existe possibilidade de aprovar ideias que não sejam majoritárias? Como serão utilizados os resultados dos DDS na continuidade dos trabalhos pós-Rio+20?
Imprensa – SEESP
* Informação do Portal Vitae Civilis
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