Em audiência pública sobre a Medida Provisória (MP) 676/15, realizada em 2 de setembro último, tivemos a oportunidade de contribuir com algumas reflexões sobre a fórmula 85/95, abordando basicamente três aspectos da referida MP.
O primeiro foi a progressividade na fórmula instituída na MP, que pretende passar da formula 85/95 para 90/100, ao longo de seis anos. Em relação a ela, apontamos as principais inconsistências.
A primeira diz respeito à isonomia de tratamento. Para os servidores a fórmula 85/95 foi instituída, como regra de transição, pela Emenda Constitucional 47, de 2005, sem qualquer exigência de progressividade.
Se para os servidores não há qualquer exigência de progressividade para efeito de aposentadoria integral, que sentido teria fazer tal exigência para os filiados ao Regime Geral de Previdência Social e ainda mais por medida provisória, que tem status ou hierarquia inferior à Emenda Constitucional?
Dissemos com todas as letras que a progressividade era inconstitucional, porque uma lei (e muito menos uma MP) não poderia estabelecer tratamento prejudicial ao segurado do INSS se para o servidor a fórmula tinha sido instituída, e por Emenda à Constituição, sem qualquer progressividade e pelo menos nove anos antes. Além disso, essa matéria jamais poderia ter sido editada por meio de medida provisória, em face do art. 246 da Constituição, pois se trata de regra de cálculo de benefício, matéria que foi desconstitucionalizada pela Emenda Constitucional 20, de 1998.
A instituição da progressividade, portanto, é uma forma de discriminação em função do vínculo empregatício ou do vínculo a regime previdenciário.
Além disso, não faz sentido nem justiça promover mudança previdenciária sem respeitar, além do direito adquirido, o direito proporcional acumulado, e também sem transição superior a 20 anos.
O ex-presidente Collor, quando encaminhou ao Congresso o projeto de lei que resultou na Lei 8.213, em 1991, ao instituir o aumento da carência do vínculo com a Previdência Social, para efeito de concessão de benefício, de cinco para 15 anos (ou de 60 meses para 180 meses), propôs sua implementação com uma transição de 20 anos, de 1991 a 2011.
Até o economista Fábio Giambiagi, defensor de reformas previdenciárias com viés fiscal, advoga que a transição para mudanças previdenciárias em relação a quem já está no sistema não pode ser inferior a 20 anos.
A segunda inconsistência foi a completa ausência de qualquer menção, na exposição de motivos da MP, em relação a estudos de natureza atuarial e ou de ordem demográfica que justificassem a progressividade e muito menos com a lógica empregada, de intervalo de dois anos no primeiro aumento das exigências e de um ano nas seguintes.
A terceira inconsistência foi que, uma vez implementada a progressividade, chegando à fórmula 90/100, haveria a neutralidade em relação ao fator, ou seja, ela em nada seria benéfica em relação ao fator.
A explicação para tanto é que nenhum segurado do sexo masculino alcançaria a fórmula 100 antes de atingir o fator um ou o fator pleno. Mesmo alguém que começasse a trabalhar aos 16 anos dificilmente chegaria aos 44 anos de contribuição antes de completar 60 anos de idade, porque certamente haveria interrupção na vida laboral ou no pagamento de contribuição previdenciária ao longo desse período.
O segundo aspecto diz respeito à situação dos professores da educação infantil e do ensino fundamental na MP. Esses profissionais fazem jus à aposentadoria com 30 anos de contribuição, se homem, e 25, se mulher.
O fator previdenciário, no caso dos professores, é calculado com acréscimo de 5 anos ao tempo de contribuição, quando se trata de professor, e de 10 anos, quando se trata de professora.
Diferentemente do fator, a fórmula 85/95 combina dois fatores: o tempo de contribuição e a idade. A MP — que exige o tempo mínimo de contribuição de 30 anos ou 35 anos para todos os segurados, sem levar em conta o direito diferenciado dos professores — manda acrescentar cinco anos à soma de tempo de contribuição e de idade, sem também levar em conta a diferença de tratamento entre homens e mulheres, o que prejudica os professores e, ainda mais, as professoras. Como não há previsão de acréscimo especificamente na idade considerada para o cálculo, o prejuízo é multiplicado.
Para corrigir essa distorção, alertamos que a MP precisa assegurar o acréscimo de cinco anos também no critério da idade, assim como já ocorre na aposentadoria dos professores do regime próprio. E é preciso, também, garantir o acréscimo de 10 anos às professoras, ao tempo de contribuição, visto que, para a mulher, os requisitos para a aposentadoria são menores.
O terceiro aspecto está relacionado à situação dos que se aposentaram antes da MP 676, tanto quem requereu o benefício tendo preenchido os requisitos da fórmula 85/95 quanto para quem ainda não tinha preenchido.
No primeiro caso, uma solução possível seria a adoção de uma regra que determine a atualização automática de seus benefícios, com contagem a partir da vigência da MP, já que quando solicitaram o benefício, ainda que a MP não estivesse em vigor, já preenchiam os seus requisitos.
No segundo caso, que inclui os que se aposentaram antes de atingir a fórmula 85/95 e continuaram trabalhando/contribuindo, uma solução possível seria permitir que esses segurados pudessem solicitar revisão de sua aposentadoria assim que atingissem a fórmula 85/95. Porém, essa conta levaria em consideração a idade desse segurado na data em que requereu sua aposentadoria (congelamento da idade), mais a soma de contribuições posteriores à aposentadoria. Algo semelhante ao que propõe o ministro Luis Roberto Barroso em seu voto no RE 661.256 em relação à desaposentação.
Por fim, registramos que o fato de termos participado daquela audiência pública debatendo mudanças na fórmula 85/95 já é um avanço, pois antes a luta era pela adoção da fórmula 85/95 no nosso ordenamento jurídico.
* Antônio Augusto de Queiroz, jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)