Enquanto alguns setores políticos e sociais protestam e combatem o ‘golpe’ que afastou a presidente reeleita em 2014, o governo do presidente interino Michel Temer (PMDB) e sua base parlamentar desmontam o Estado brasileiro. O quadro atual se configura em relevante contradição, pois as propostas, de autoria do governo anterior, colidem com o programa aprovado nas urnas em 2014.
Os fatos derrubam a narrativa que o governo e o Congresso estão paralisados. Isto constitui-se num diversionismo absurdo. Estes poderes não só estão funcionando como estão operando a todo vapor. É claro que o Planalto tem tido problemas políticos, mas tem se desvencilhado deles com certa agilidade e habilidade, de modo que tem causado menos danos aparentes. E para isso conta com certa parcimônia da mídia. Ao contrário do governo anterior.
Paralisado estava o governo Dilma, por força das circunstâncias políticas, sociais e econômicas que o país vivia e ainda vive. E com a maioria do Congresso a oferecer-lhe todo tipo de resistência até a admissibilidade do impeachment, no dia 17 de abril, na Câmara dos Deputados.
Governo e Congresso, com a nova maioria constituída, a partir do afastamento de Dilma, aprovaram proposições no Legislativo que vão desmontando o Estado brasileiro. Desse modo, dizer que a Operação Lava Jato está paralisando essas instituições é um tremendo equívoco. Pelo contrário! Está em curso, com força, uma agenda conservadora e regressiva. É preciso denunciá-la, debatê-la e combatê-la, sob pena de retrocessos incomensuráveis. Então vejamos.
DRU
Primeiro aprovaram a DRU (Desvinculação das Receitas da União). A PEC 87/15, de autoria da presidente Dilma Rousseff, amplia de 20% para 30% o percentual a ser desvinculado até 2023. A matéria ainda será examinada pelo Senado.
Pela proposta, o governo poderá destinar para onde quiser 30% das contribuições sociais, que deveriam ir para a Seguridade Social, que reúne as áreas da saúde, assistência e Previdência. Portanto, desvincula recursos do Estado destinados aos mais carentes e necessitados para fazer caixa para o superávit primário e pagamento da dívida pública.
Até o ano passado, esse valor significava R$ 60 bilhões anuais, de acordo com Tesouro Nacional. Um dos argumentos utilizados pelos governos Dilma/Temer é que os recursos desvinculados pela DRU serão destinados para outras áreas sociais.
PEC do teto
Outra proposta, enviada recentemente ao exame do Congresso, é a PEC que limita o gasto público. ‘Este, seguramente, é o maior retrocesso dos últimos tempos, porque interrompe a trajetória de acesso da população mais pobre aos serviços público de educação e saúde’, raciocina Antônio Queiroz, em artigo publicado na página do Diap.
A PEC 241/16 tem o propósito de instituir novo regime fiscal ou novo teto para o gasto púbico, que terá como limite a despesa do ano anterior corrigida pela inflação. A regra de congelamento do gasto público em termos reais valerá por 20 anos, período durante o qual o dinheiro economizado será canalizado para pagamento dos juros e do principal da dívida.
Estatuto das Estatais
O PLS 555/15, chamado Estatuto das Estatais, já foi aprovado pelo Senado e pela Câmara (PL 4918/16). O texto chancelado pela Casa revisora no dia 17 de junho retornou à Casa de origem e foi aprovado no dia 21. O projeto é duramente combatido pelos movimentos sociais por abrir as portas à privatização das empresas públicas.
No texto aprovado pelo Senado no dia 21 (reexame), o relator do projeto, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), acatou apenas três alterações feitas pelos deputados. A matéria irá à sanção presidencial.
O relator explicou que não poderia acatar todas as emendas apresentadas pela Câmara, por entender que muitas das alterações iriam contra os objetivos que nortearam o projeto, em especial a profissionalização da gestão das estatais.
Fundos de pensão
Novas regras para a gestão dos fundos de pensão públicos (PLS 78/15), do senador Valdir Raupp (PMDB-R), foram aprovadas por unanimidade no Senado no dia 10 de junho. Estão agora sob análise da Câmara dos Deputados. Na Casa, tramita como PLP 268/16 e está pronto para votação no plenário.
O texto aprovado no Senado é um substitutivo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que dificulta a influência de partidos políticos na indicação de dirigentes e conselheiros dessas entidades e estabelece mecanismos para profissionalização, delegação clara de atribuições e transparência nas relações entre gestores dos fundos, participantes e sociedade.
Em que pese aparentar ser uma boa proposta, vai criar dificuldades sobremodo para a participação de dirigentes sindicais nos fundos de pensão porque entre as novas regras haverá a impossibilidade de que os cargos de direçaõ sejam ocupados por pessoas com atividade político-partidária.
Abertura do pré-sal
O Senado aprovou o PLS 131/15, do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), no final de fevereiro e o encaminhou ao exame da Câmara (PL 4567/16). A proposta retira da Petrobras a exclusividade das atividades no pré-sal e acaba com a obrigação de a estatal participar, com pelo menos 30%, dos investimentos em todos os consórcios de exploração da camada. O projeto foi relatado pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). No dia 21 de junho foi constituída comissão especial na Câmara para proferir parecer sobre a proposição.
Em fevereiro, o presidente global da Shell, Ben Van Beurden, em visita ao Brasil, defendeu a flexibilização das regras para exploração do pré-sal, que hoje garantem exclusividade à Petrobras. É preciso dizer mais alguma coisa?
Aéreas
No dia 21 de junho, a Câmara aprovou e enviou ao Senado a MP 714/16, que aumenta para até 100% a participação do capital estrangeiro com direito a voto nas companhias aéreas nacionais. A abertura total do setor ocorreu com emenda do PMDB, aprovada por 199 votos a 71.
Editada pela presidente afastada Dilma Rousseff, a MP originalmente propunha o aumento de 20% para 49% do capital com direito a voto, índice que estava mantido no parecer do deputado Zé Geraldo (PT-PA), aprovado pela comissão mista.
Governadores
A mais recente demonstração de que o governo interino atua com força e relativa estabilidade foi a negociação das dívidas dos estados com governadores.
Em troca da suspensão do pagamento da dívida por seis meses e descontos por mais dois anos, o Planalto quer apoio para aprovar no Congresso o teto dos gastos públicos, a PEC 241/16. Essa foi a proposta que Temer fez aos governadores das 27 unidades da Federação e foi aceita.
As dívidas dos estados com a União chegam aos R$ 423 bilhões. Em contrapartida serão cobrados na hora de conferir votos de suas bancadas no Congresso ao politicamente indigesto plano de congelamento dos gastos públicos, principal cartada econômica do Planalto para tentar equilibrar as contas e seguir sendo chancelado pelo mercado.
Outra imposição do governo interino de Michel Temer para ampliar o prazo de pagamento de dívidas dos estados com a União é que aqueles transfiram para este empresas para serem leiloados pelo BNDES. Ou seja, os estados deverão se desfazer de empresas como as que fornecem água, gás e energia à população para serem privatizadas pelo governo interino.
Mais retrocessos
E não para por aí. A agenda relacionada acima é só o início do desmonte. Está em gestação uma reforma da Previdência Social que institui idade mínima e alterações na legislação trabalhista que precarizam as relações de trabalho, como a instituição do negociado sobre o legislado.
Sem falar no PLP 257/16, do governo Dilma, que prevê alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal que aprofundam as restrições em relação aos servidores da União, dos estados, do DF e municípios, e impõe uma série de exigências fiscais como condição para adesão ao plano de auxílio aos estados e ao DF.
Como se vê, o Poder Executivo e sua maioria parlamentar não estão paralisados. Pelo contrário! Estão trabalhando a ‘todo pano’ contra o povo e seus direitos!
* Marcos Verlaine, jornalista, analista político e assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)