Entre as inúmeras transformações na sociedade propiciadas pela tecnologia da informação está a possibilidade de se incrementar a participação em processos decisórios com a adoção de votações a distância. A alternativa, cada vez mais frequente, é defendida por especialistas desde que observadas medidas que garantam lisura, transparência e confiabilidade no processo eleitoral. Entre essas, está o uso de criptografia (que codifica a informação).
Foto: Beatriz Arruda/SEESP
Engenheiro Antonio Octaviano vota pela internet em eleição para diretoria do SEESP.
Para o professor Diego Aranha, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essencial é também o uso de software livre (código aberto), o que possibilita que o sistema seja verificado com transparência. “Vejo mais valor em soluções livres, auditáveis, gratuitas e bem geridas, do que pagar uma fortuna por uma licença de software que você não sabe como funciona (por não enxergar o código). Os softwares livres de votação que existem hoje são feitos por técnicos que trabalham em conjunto há mais de uma década. Na Unicamp estamos experimentando o sistema Helios para uma eleição de chefe de departamento”, afirma ele. Segundo o pesquisador, a ferramenta já foi utilizada por outros órgãos como a Defensoria Pública da União.
Além de assegurar a lisura do processo, enfatiza Aranha, os sistemas de eleição por internet precisam também garantir o sigilo do voto. “Você quer que ele permaneça secreto por um tempo indefinido mesmo depois da eleição. Então você precisa interagir com aquele sistema para depositar seu voto, mas esse sistema não pode armazenar nenhuma informação que permita reconstruir o autor daquele voto”, explica o professor, que é especialista em criptografia e segurança computacional.
Credibilidade
A contratação de uma empresa especializada em auditoria pode reforçar a credibilidade do processo, opção feita pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), que em 2011 fez sua primeira experiência de eleição pela internet em algumas regiões. Em 2015, o órgão estendeu a votação a distância para todo o País, registrando a participação de 170 mil profissionais. “Barateou muito, porque reduziu os gastos com contratação de mesário, papel e remessas por correio. Também nos deu segurança e agilizou o resultado, que sai logo depois do encerramento do prazo de eleição, geralmente de 48 horas”, relata Gustavo Beraldo, coordenador jurídico do CFF. Conforme ele, a cada eleição é feito um recadastramento dos profissionais e respectivos Cadastros de Pessoas Físicas (CPFs) junto aos bancos de dados do conselho. Depois, são feitos testes e simulações para evitar falhas durante a votação.
O analista de pré-vendas da Scytl, Ubiratan Elias, que fornece o sistema para o CFF, explica que o software possui criptografia assimétrica: são duas chaves distintas, uma pública, que pode ser livremente divulgada, e uma privada, que deve ser mantida em segredo. O sistema é similar a uma senha, que pode variar de tamanho. Quanto maior a chave, maior o nível de encriptação.
“Ao acessar o sistema com usuário e senha, automaticamente é enviado um certificado digital. Essa certificação é feita com uma chave que só o proprietário tem. O sistema que gera as chaves é gerenciado pela auditoria”, conta Elias. O sistema da Scytl é proprietário (fechado). Mas o analista garante que ele é exibido para a auditoria.
Área tecnológica
Entre as entidades da área tecnológica que optaram pelo voto pela internet, está o Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), filiado à FNE. A entidade utiliza a ferramenta desenvolvida pela Nib Consulting, desde 2001, para eleger a sua diretoria. O associado recebe por correio com antecedência uma senha eletrônica, em papel carbonado, que é gerada exclusivamente para ele. Para Murilo Pinheiro, presidente da FNE e do sindicato paulista, a alternativa, desde que garantida a segurança, é extremamente valiosa para ampliar a participação, já que o associado pode fazer a sua escolha de qualquer parte do planeta, sem precisar sair do trabalho ou de casa. Por isso mesmo, o dirigente vem defendendo que a ferramenta seja adotada pelo Sistema Confea/Creas, que em muitos locais ainda lança mão da urna de pano com cédulas de papel. “Não há motivo para que justamente o conselho profissional da área tecnológica não use a tecnologia disponível para propiciar a ampla participação democrática em sua votação”, defende.
O assunto tem sido debatido e a Resolução do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) 1.021, de 22 de junho de 2007, já prevê o voto por internet para as eleições dos presidentes dessa autarquia federal e dos conselhos regionais (Creas). A proposta também foi aprovada em 2015, durante o Congresso Nacional de Profissionais (CNP), visando o pleito que acontecerá em 2017. Se confirmada, a mudança pode reverter o quadro de baixo comparecimento às urnas, de cerca de 6% na média nacional, e conferir maior legitimidade às eleições do sistema profissional dos engenheiros.
Setor público
Outra experiência com o voto pela rede mundial de computadores é do Governo do Rio Grande do Sul, que utiliza o Login Cidadão para a participação da população gaúcha em consultas públicas, como por exemplo sobre a execução de obras e o orçamento participativo. A ferramenta faz certificação do usuário pelo RG, CPF e título de eleitor e está disponível para outras instituições. “Hoje, a ferramenta respeita a privacidade do usuário, utiliza padrões avançados de criptografia e é feita em software livre. O desafio que precisa ser superado é cada vez mais poder cruzar os bancos de dados. Quanto maior o cruzamento de dados, mais segura a certificação”, explica Uirá Porã, do Instituto Brasileiro de Políticas Digitais. (Por Deborah Moreira)
Deborah Moreira
* Matéria publicada no jornal Engenheiro, da FNE, Edição 173. Outubro de 2016