O embate na sociedade que levou à destituição da ex-presidente da República, Dilma Rousseff, ganhou uma dimensão tal que interditou o diálogo/debate entre as forças favoráveis e contrárias ao impeachment.
Qualquer sinal que possa caracterizar o vínculo com a disputa “coxinha” versus “petralha” impede o diálogo, mesmo que o tema seja de interesse comum. O nível de intolerância de lado a lado tem afetado a civilidade entre as pessoas, levando ao rompimento de relações de amizade e até familiares.
A negação do governo anterior parece legitimar as ações do novo governo, assim como a rejeição ao atual governo conota a legitimação dos erros do governo anterior, numa espécie de círculo vicioso em que todos perdem.
Nesse ambiente, o que prevalece é o preconceito, a reação, a irracionalidade, naturalmente em detrimento dos fatos, das evidências e até da verdade.
A cegueira, o fundamentalismo e a intolerância, além de fragilizarem a civilidade e inviabilizar a convivência pacífica, impedem a cooperação e tornam o conflito permanente, sempre em prejuízo da compreensão, do diálogo e da negociação.
Enquanto as pessoas se consomem nessa disputa insana, há uma investida jamais vista sobre os direitos de todos, independentemente de sua posição nessa falsa disputa de posição. É indispensável desarmar os espíritos e restabelecer a serenidade.
É preciso abordar os temas sem paixão cega e demonstrar o que efetivamente está em jogo. Se as forças de esquerda deixarem de lado a ideia de que todo cidadão que foi a favor do impeachment é “golpista” logo vão constatar que essa maioria que apoiou o impeachment inclui muitos que são também contrários às reformas em bases neoliberais do novo governo, como a PEC 241 e a reforma da Previdência.
Para isto, entretanto, é necessário que haja diálogo, o qual se encontra interditado pela adjetivação de lado a lado. Nesse momento, os defensores dos direitos sociais precisam de reforço para enfrentar o rolo compressor das forças conservadoras e não se pode hostilizar potenciais aliados nessa batalha.
Portanto, se não houver um esforço de diálogo, que seja capaz de reunir a maioria no combate aos aspectos perversos do ajuste, todos serão atingidos, independentemente de sua posição pessoal em relação ao processo de impeachment.
Se não houver a desinterdição do debate, os sacrifícios não serão distribuídos a todos, e nem de modo proporcional à sua capacidade. Por exemplo: o ajuste exclui as despesas financeiras (juros e encargos ou amortizações da dívida), incidindo sobre as políticas sociais, como saúde e educação, e sobre os direitos sociais, especialmente no campo da seguridade social, além dos direitos dos servidores públicos.
Todos estão de acordo com a necessidade de ajuste nas contas públicas, mas do modo como tem sido proposto é inaceitável. No Brasil estão sendo chamados a pagar a conta apenas e exclusivamente os que vivem de salário, dependem dos serviços públicos e da assistência do Estado ou vivem de aposentadoria ou pensão como as variáveis de ajuste. Isso é inaceitável.
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)