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05/01/2017

Entrevista - Produção tropical baseada em ciência

A agricultura brasileira teve notório avanço desde a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, em que grandes extensões de solos inférteis se transformaram no único modelo de plantio no mundo adaptado ao cinturão tropical. À frente da Embrapa há quatro anos, Maurício Antonio Lopes acredita que o trabalho da empresa se solidifica devido à inovação e criatividade. “O Brasil é sempre lembrado em outros países como aquele que faz o dever de casa na alimentação e na agricultura”, afirma. Em reconhecimento a esse sucesso, em 9 de dezembro último, ele foi um dos seis premiados pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (Seesp), como Personalidade da Tecnologia 2016. Em entrevista, Lopes fala sobre os avanços na agroindústria e a importância de ciência e tecnologia no setor.


Foto: Beatriz Arruda/SEESP
Mauricio Embrapa 506 
Lopes na cerimônia de entrega do prêmio Personalidade da Tecnologia de 2016.
 

O que o senhor pode destacar como evolução na agricultura brasileira nos últimos anos?

Em 1970, a autossuficiência na produção de alimentos ainda estava distante da realidade, e o Brasil convivia com o espectro sombrio da insegurança alimentar. Nesse contexto, surgiu a Embrapa. O Brasil conseguiu aliar a vontade política à inovação e criar um modelo inédito de agricultura tropical baseada em ciência. Uma equação infalível, que fez reduzir o gasto médio do brasileiro com as refeições – de cerca de 48% de sua renda nos anos 1970 a menos de 20% na atualidade. A safra de grãos passou de 30 milhões de toneladas, em 1972, para 210 milhões, em 2015. A área plantada aumentou de 28 milhões para 56 milhões de hectares. E continuamos evoluindo. Estima-se que o País tenha de 50 a 60 milhões de hectares de pastagens degradadas. São áreas ideais para expansão da agricultura, da pecuária e da base florestal, sem a necessidade de desmatamentos.

Qual o papel da Embrapa nesses resultados?

Sem dúvida alguma, a pesquisa agropecuária cumpriu papel fundamental para que o Brasil pudesse alcançar, em tempo recorde, posição de autossuficiência na produção de alimentos, além de protagonismo como provedor de alimentos para centenas de países ao redor do globo. O Brasil ocupa o terceiro lugar mundial em investimento público em P & D agrícola, após China e Índia. Em 2013, por exemplo, foi utilizado 1,82% do PIB em agropecuária, o maior índice registrado dentre os países da América Latina. No mesmo ano, das 168 instituições que realizaram atividades nesse ramo em todo o País, a Embrapa respondia por 42% do total de pesquisadores em tempo integral. Em 2016, a empresa conduziu mais de 1.200 projetos em longo prazo, com foco na ampliação da produção e da produtividade da agropecuária brasileira, com sustentabilidade, buscando ganhos econômicos, sociais e a conservação de recursos naturais.

Apesar dos avanços, o Brasil ainda depende da exportação de commodities?

O Brasil é grande produtor e exportador de grãos, mas é um erro considerar que o País não tem uma agroindústria forte. Além de produzir 207 milhões de toneladas de grãos em 2015, a agricultura brasileira produziu mais de 40 milhões de toneladas de frutas, cerca de 34 milhões de toneladas de açúcar, 35,2 bilhões de litros de leite, 4,1 bilhões de dúzias de ovos e 38,5 milhões de toneladas de mel, além de outros alimentos. O País abateu 30,6 milhões de bovinos, 39,3 milhões de suínos e quase 6 bilhões de frangos, colocando nosso setor agroalimentar e nossa indústria de transformação e proteína animal em posição diferenciada no mundo. De 1990 a 2015, o total das exportações agrícolas superou US$ 1 trilhão. Temos uma das agriculturas mais competitivas e menos subsidiadas do mundo, um sustentáculo para a economia brasileira. Obviamente é preciso investir em inovações para agregação de valor às commodities, criando mais oportunidades para a agroindústria, em especial em mercados mais competitivos, sofisticados e rentáveis. O fortalecimento das parcerias público-privadas em pesquisa também é algo muito necessário no Brasil, e a Embrapa está buscando fortalecer sua capacidade capitalizando na sua experiência no mercado de inovação.

Como a tecnologia é fator determinante para o setor?

Inovações tecnológicas são fundamentais para sustentação do Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), por exemplo. Tecnologias como a Integração Lavoura-Pecuária (ILP), Lavoura-Pecuária-Florestas (ILPF), desenvolvidas pela Embrapa, buscam a produção sustentável integrando atividades agrícolas, pecuárias e florestais na mesma área, em cultivo consorciado, em sucessão ou rotacionado. Acreditamos que o futuro da agropecuária brasileira é baseado em sistemas integrados, com utilização indispensável de C T & I.

Sobre uso de agrotóxicos e a polêmica dos alimentos transgênicos, qual é a visão da Embrapa?

Uma potência agrícola como o Brasil, situada nos trópicos – onde o ataque de pragas é intenso –, necessita do uso de defensivos. Um estudo da Empresa Kleffmann concluiu que o uso de defensivos por unidade produzida cresce 120% na China e 47% na Argentina desde 2004, enquanto no Brasil decresce 3%. É óbvio que temos que reduzir o máximo possível esse  uso, além de priorizar e incorporar continuamente princípios ativos de baixo impacto. Mas fazer agricultura na região tropical é muito desafiador. Quanto à transgenia, consideramos que, utilizada de forma segura e com forte base científica, faz parte do arsenal tecnológico para se enfrentar os desafios na produção de alimentos. Todas as plantas transgênicas em uso no Brasil passaram por testes rigorosos e foram consideradas seguras para o meio ambiente e o consumidor.  A agricultura será cada vez mais chamada a contribuir com alimentos de maior densidade nutricional e com novas funcionalidades no futuro, e a biologia avançada, incluindo a transgenia, é um caminho para se avançar nesse campo.

 

 

Jéssica Silva
Entrevista publicada no jornal Engenheiro, da FNE, nº 176, de janeiro de 2017

 

 

 

 

 

 

 

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