A economia brasileira vem encolhendo desde 2014. O PIB per capita caiu 9% no período, ou seja, o valor da riqueza corrente, se dividida pela população, diminui. Em 2017, a queda continuará e poderá ultrapassar 10%, pois a economia permanecerá estagnada, enquanto a população crescerá. Essa perversa dinâmica recessiva continuará a gerar, para a maioria, desemprego, arrocho salarial, informalidade, pobreza e desigualdade. Nessa situação, a visão de futuro fica opaca, e as incertezas aumentam.
Para os setores que construíram e viabilizaram o atalho para a mudança do poder central, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff teria poder para reverter as expectativas, e o otimismo mobilizaria a vontade do capital, especialmente internacional, para investir e ampliar a capacidade produtiva da economia brasileira. O País voltaria a crescer, o que faria com que fossem esquecidos os ataques e as violências às instituições, que deixaram claro a parcialidade da democracia no Brasil.
Os fatos que continuam a aprofundar a crise política indicam que há outros motivos para a tomada do atalho institucional. O tortuoso enfrentamento busca viabilizar dois objetivos de grupos e forças econômicas e políticas: fugir do caminho das punições e da cadeia e perpetrar os desvios.
A grave crise institucional amplia os desentendimentos e detona as pontes capazes de abrir caminhos para viabilizar um futuro melhor e fazer com que o País atinja outro patamar de relação entre os setores privado e público. Há muitas práticas a serem extirpadas no mundo das empresas e do Estado e muitas pessoas a serem punidas. Isso vai longe!
A questão é que o combate à corrupção atinge o setor produtivo privado e público, bem como as instituições do Estado que coordenam e financiam investimentos, envolvem dirigentes empresariais e públicos e afetam as práticas de governança. O combate à corrupção trava, no curto e médio prazo, a produção econômica, já debilitada pela recessão.
A experiência internacional e histórica mostra que não se acaba definitivamente com a corrupção. O que se faz é construir instituições e práticas para combatê-la e punir de maneira permanente e incondicional. A transição entre a situação presente – de reconhecimento da amplitude e profundidade do horror que a corrupção produz e identificação dos sujeitos que a promovem – e o futuro deve passar por uma delicada construção política para: (a) confirmar que o combate à corrupção veio para ficar; (b) evitar que a sociedade, mais uma vez, seja a principal vítima dessa mazela, com a destruição da economia, da democracia e das instituições; (c) separar, de maneira inteligente, a maneira de reconstruir o presente e o futuro, fazendo, ao mesmo tempo, o ajuste com o passado.
A saída é encontrar, nos marcos constitucionais e por meio da combalida democracia, a legitimidade para olhar para a frente e construir o curso para a mudança. A transição exige afirmar para a sociedade uma visão de futuro e mobilizá-la por uma utopia – uma situação que ainda não existe, mas que somos capazes de construir.
É preciso dar um tratamento correto ao passado sem destruir o que temos construído hoje e o que poderemos construir. Essa saída é essencialmente política, ou seja, requer a pactuação de novo patamar de relação social, materializada em regras, instituições, práticas de governança e de gestão do uso do recurso público. Será preciso um novo projeto de desenvolvimento nacional, que indique outra dinâmica produtiva, o papel do Estado, a contribuição da população com impostos, bem como o uso que será feito desses recursos.
Há uma lista longa de necessidades, de tarefas, e a escolha dos conteúdos deve ser feita pelas urnas, que devem fechar a tampa do poço ao qual o País desceu e jogar a escada que permitirá a retomada do desenvolvimento econômico e social.
Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
Artigo publicado originalmente pela Agência Sindical