Carlos Monte, pai de quatro filhas, entre elas a cantora Marisa Monte, conta, nesta entrevista especial, como conseguiu "engenheirar" e se entregar a sua paixão, o carnaval carioca.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
Ele completa 80 anos de idade no próximo dia 25 de julho. Ao falar da sua trajetória profissional desde o início dos anos 1960, o engenheiro mecânico Carlos Monte se define como “inquieto”. “Trabalhei em diversas empresas e funções. Estive na iniciativa privada e no serviço público.”
Mas tem muito mais para ser dito e conhecido. Carlos Monte é pai da Lívia, Letícia, Marisa e Carolina. Todas, salienta, com inclinações artísticas e bem-sucedidas no que fazem. A filha mais conhecida do público brasileiro, e internacional também, é a cantora Marisa Monte. “Sou um fã extremado dela e de todas as outras, cada uma a seu modo”, diz, ele mesmo com forte ligação com a música e o carnaval. “São minhas paixões”, avisa, fazendo questão de dizer de outro amor incondicional, a escola de samba carioca Portela.
A entrevista foi realizada numa das vindas de Carlos a São Paulo, no dia 17 de junho último, quando participou do lançamento da edição atual do "Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento", projeto da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE), que, neste ano, debruçou-se na necessidade do País ter uma área específica de engenharia de manutenção. Aliás, ele compôs um samba para o Cresce Brasil que você pode conferir aqui.
Fotos: Beatriz Arruda/Comunicação do SEESP
Carlos Monte, em quase cinco décadas, desempenhou diversas funções a partir da engenharia.
O “Excelência profissional” desta edição traz a engenharia que passou por quase cinco décadas, que se dividiu com a construção de uma família e ainda conseguiu ir além do saber técnico para se realizar também na arte. Carlos Monte é um exemplo de “reinvenções” ao longo de mais de 50 anos de exercício da profissão.
Carlos, como tudo começou?
A engenharia era uma profissão de maior realce na minha época e estava muito presente em casa: meu pai e avô eram engenheiros. Além disso, tinha certa inclinação para a matemática e a física. Nunca pensei em ser médico ou advogado. A engenharia era a profissão. Não havia o engenheiro que virou suco.
Quando os estudos começaram?
Entrei direto para o curso de Engenharia Mecânica. Fiz dois vestibulares no Rio. Optei pela Escola Nacional de Engenharia, que hoje é a Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Teve dificuldade em conseguir estágio?
Naquela época não tive nenhuma dificuldade em conseguir emprego ou estágio. Formei-me em 1962, mas já em 1960 consegui um estágio na Elevadores Atlas Schindler. Comecei a trabalhar na área de desenho; dois meses depois iniciei visitas a algumas instalações de elevadores lá no Rio com o engenheiro que fazia inspeção de montagem de elevadores nos prédios que estavam em construção.
Ficou até se formar na Atlas?
Pois é, pouco depois achei que aquilo não era exatamente o que queria. Resolvi mudar e fui trabalhar na parte de montagem industrial na Montreal Engenharia, empresa que estava fazendo diversas obras e era originária de um grupo de engenheiros que tinha saído da Petrobrás.
Formado, você foi fazer o quê?
Quando me formei continuava na Montreal e acompanhei a construção da antiga Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), em Cubatão (SP). Trabalhei primeiro na unidade da Coqueria, e depois na fábrica de refratário. Na mesma época, comecei a constituir a minha família, casei e vim morar com a minha esposa em São Vicente (litoral paulista). Voltei para o Rio de Janeiro, em 1964, ainda na Montreal e surgiu a possibilidade de ir para o Recife participar da construção da Companhia Pernambucana de Borracha (Coperb).
Saiu da Montreal?
Sim. Voltei para o Rio para trabalhar na Chicago Bridge Construções, empresa que fazia tanques e reservatórios de petróleo. Trabalhei em algumas obras na White Martins, na Refinaria Duque de Caxias e na construção de duas pequenas termoelétricas para o Estado do Rio de Janeiro, em Lameirão e Santíssimo, que foram duas usinas importadas pelo governo do Estado da época para fazer frente a uma crise de energia, uma discussão que estava tendo com a Light.
Logo em seguida surgiu uma oportunidade de trabalhar num grupo de pequenas empresas de engenharia, nas áreas de equipamentos para a indústria de petróleo (Project Engenharia Industrial) e a outra especializada na montagem e venda de material isolante para tubulações de calor e frio (Interna Isolantes Térmicos Nacionais).
Até quando ficou nessas empresas?
Até 1970. Aí fiz dois movimentos interessantes: fiz curso de especialização em Engenharia econômica e pouco depois recebi um convite de um empreendedor no Amapá (região Norte). Fui para lá e fiquei quase um ano trabalhando numa empresa de madeireira. Naquela época ainda era possível exportar toras e havia controle muito superficial sobre a questão da destruição da floresta, do desmatamento. Mas acabei retornando para o Rio para trabalhar numa atividade econômica, também ligada à engenharia, que era o leasing, que ainda não era regulamentado. Trabalhei numa empresa chamada Real Leasing que fazia propostas, basicamente, para automóveis e utilitários para empresas que tinham grandes frotas. Tivemos como clientes a Atlantic, Shell, Roche, Bayer. Durou uns três anos. Você vê que sou um pouco inquieto.
Como conciliou essa agitação no trabalho com a família?
No Amapá, por exemplo, fui sozinho. Foi um período de afastamento. Mas em todos os outros momentos a família me acompanhou. O fato é que tenho uma carreira variada, de empresa privada grande para pequena, mudança de ramo, até que depois do Real Leasing recebi um convite para ir para Furnas Centrais Elétricas para trabalhar na área financeira, aqui no Rio também. De Furnas fui para a Eletrobrás, onde cuidei da área de captação de recursos externos. Lidava com os bancos que emprestavam dinheiro para o Brasil.
Permaneceu na Eletrobrás até quando?
Até serem baixadas restrições de salário impostas pelo então ministro Delfim Netto, no governo militar. Resolvi sair porque tinha comprado uma casa e precisava de recurso para pagar as prestações. Por isso, aceitei proposta de uma empresa privada, do grupo Multiplic Indústria e Comércio, que é financeiro, mas que tinha interesse em desenvolver algumas atividades não financeiras.
Carlos Monte, na tribuna (à dir.), fazendo o lançamento de trabalho técnico sobre engenharia de manutenção.
Mas você teve experiência pública também.
Dessa empresa aceitei convite para ser secretário-geral do Ministério da Previdência e Assistência Social, em 1987, na gestão do presidente José Sarney, cujo ministro era o Raphael de Almeida Magalhães (1930-2011), onde fiquei 20 meses. Aí eu não estava mais casado com a minha primeira mulher e as minhas três meninas mais velhas ficaram com elas. Minha segunda mulher ficava um pouco comigo em Brasília, porque ela tinha o trabalho dela no Rio de Janeiro. Tive a minha quarta filha, e a segunda dela.
Aí voltei à carreira de consultoria, na década de 1980, organizando eventos ligados à área técnica de energia e financeira. Atividade que exerci até por volta de 2010, simultaneamente com a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) para fazer a coordenação técnica do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, no qual tenho me empenhado desde 2005.
Hoje não tenho mais a empresa de eventos e estou realmente diminuindo a minha atividade. Por sorte a minha mulher, que tinha uma editora, conseguiu se desfazer dela numa hora boa e a gente está tendo uma vida mais calma que é justo e razoável para uma pessoa que já está chegando à idade que estou chegando (80 anos).
Depois de quase cinco décadas, como você avalia a sua trajetória profissional e pessoal?
Tive uma experiência muita variada. Trabalhei em empresa privada grande e pequena, empresa pública, governo, consultoria. Além de tudo isso, sou vice-presidente do Instituto da Brasilidade, criado em 2018. É um grupo de pessoas que está interessada em preparar uma proposta nacional de desenvolvimento para ser deflagrado a partir de 2022. Nesse momento, estamos constituindo a base de pensamento sobre assuntos os mais variados, como infraestrutura, defesa, cidadania e de cultura.
E a sua paixão pelo carnaval e a música?
Há dois anos terminei a biografia de um compositor chamado Haroldo Lobo – autor de grandes sucessos, entre eles “Alá-lá-ô” e “Tristeza”. Fui diretor da Portela em dois períodos. E depois escrevi, em 2010, junto com o meu amigo João Baptista Vargens, um livro sobre a velha guarda da Portela. Sempre gostei de carnaval, de cantar e de ouvir música. Mas não sou músico.
Tristeza
Por favor vai embora
Minha alma que chora
Está vendo o meu fim
Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar
Quero voltar aquela vida de alegria
Quero de novo cantar
Lá, rá, lá, rá
Como foi a sua convivência familiar em meio à inquietude profissional?
Posso lhe garantir que uma das coisas que ajudou muito foi que as mães das minhas filhas foram muito competentes em cuidar delas, porque com a preocupação de trabalho eu acabei me afastando um pouco da convivência diária. Sinto um pouco de culpa nisso, por não ter sido um pai mais presente. Mas a vida é assim mesmo. Você vai para outros caminhos e as coisas ficam como ficam. Mas, hoje, elas (as filhas) são minhas amigas e reconhecem que eu sou um pai presente na escolha de profissão e atividade profissional. Estou sempre aberto para conversar sobre isso com elas. E acho que tem ajudado muito.
A música tem lugar especial em sua casa?
Olha, não tive educação musical. Mas tem, claro, a minha filha Marisa, que é cantora. Sou um fã extremado dela e de todas as outras, cada uma a seu modo.
Você pode falar delas?
A mais velha é a Lívia que viveu esses últimos anos nos Estados Unidos e fez os cursos na área de cinema e serviço social. A Letícia fez muitas coisas diferentes, já foi atriz, back vocal da Marisa e hoje é produtora de cinema. A Carolina fez uma especialização na área de engenharia de som, agora se dedica ao ateliê de costura. Todas tenham um viés na arte e na cultura. Acabei deixando uma sementinha nelas.