A trajetória de um estudante de engenharia elétrica que migrou para o jornalismo e conseguiu criar uma boa e bem-sucedida carreira profissional a partir da simbiose dos dois saberes.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
O saber técnico da engenharia elétrica foi fundamental para que Paulo Silvestre “colocasse” o jornal Folha de S.Paulo na internet. “Foi a “FolhaWeb”, que entrou no ar no dia 9 de julho de 1995”, lembra, orgulhoso, o hoje professor de Comunicação. À época, Silvestre era estudante da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
Primeira "aparição" do jornal Folha de S.Paulo na internet, em 1995. Foto: Arquivo pessoal/Paulo Silvestre.
Ele faz questão de descrever como foi a operação que resultou no “pontapé” inicial da criação de sites jornalísticos no País. “Eu entrava no sistema da paginadora da Folha, pegava os arquivos que queria publicar, importava no [programa] Word, rodava uma macro que tinha feito e substituía os comandos da paginadora por tags de HTML [do inglês Hypertext Markup Language, em português Linguagem de Marcação de Hipertexto] equivalentes, subia por FTP [sigla, em inglês, para File Transfer Protocol; na tradução para o português significa Protocolo de Transferência de Arquivos] para um servidor da Embratel [Empresa Brasileira de Telecomunicações], porque não tínhamos nem servidor próprio.”
Como faz questão de ressaltar, depois tudo evoluiu muito rápido. “A FolhaWeb virou Universo Online (UOL) em 28 de abril de 1996.” Silvestre continuou no jornal com função editorial também, pois escrevia para o caderno de Informática da época. “Mas, porque tinha esse background tecnológico, trabalhava diretamente com a equipe de TI [Tecnologia da Informação] para criar os primeiros sistemas de edição do UOL. Além disso, ajudei a criar o sistema da sala de bate-papo do UOL.”
“Foi importante essa minha formação de engenheiro nesse início da internet editorial no Brasil, porque a Folha foi, praticamente, um dos primeiros sites do País”, pontua e acrescenta: “O saber mais importante que qualquer engenheiro aprende no curso é ter capacidade de sair de qualquer buraco, de enfrentar desafios e resolver problemas.” Ao longo de quase 30 anos de carreira, Silvestre esteve sempre associado a atividades relacionadas ao desenvolvimento de produtos digitais e editorias, cujo saber técnico da engenharia foi essencial.
Multiatividades
Para ele, a visão pragmática e analítica da engenharia é grande aliada de modelos de negócio e, por isso, profissionais da área acabam sendo absorvidos por diversos setores da economia, como o financeiro e o da comunicação.
Silvestre exemplifica com a história do americano Jeff Bezos, dono da Amazon. Ele também é graduado em Engenharia Elétrica, formou-se na Universidade de Princeton (EUA). “Em 2013, ele comprou o jornal Washington Post. Uma das primeiras ações dele foi contratar jornalistas e engenheiros. Por quê? Porque a visão de Bezos é de negócio. Ele assumiu que de jornalismo não entendia nada. Por isso contratou muitos jornalistas para reforçar a parte editorial. Ele não meteu a mão na redação.”
O professor de Comunicação Paulo Silvestre juntou os saberes técnicos da Engenharia Elétrica,
de quando era aluno da Poli-USP, no seu trabalho na área de jornalismo. Foto: Divulgação.
Por outro lado, narra Silvestre, ele introduziu várias maneiras de fazer negócio, “destaco ter colocado os engenheiros dentro da redação, trabalhando lado a lado com os jornalistas, inclusive na definição de pautas. Porque são visões de mundo bem diferentes: o que o engenheiro vê, o jornalista não vê; e vice-versa. E quando se trabalha junto num produto editorial essa sinergia, estranha para muita gente, funciona muito bem”.
O engenheiro, argumenta o professor, vai ter a leitura do ponto de vista de produto do que está dando certo e a capacidade de extrair informação de números e dados, o data mining ou mineração de dados. Os resultados não demoraram a aparecer, segundo Silvestre, pois a audiência do Washington Post cresceu, “interrompendo um movimento que era de queda livre”. Hoje, observa ele, o jornal rivaliza com o The New York Times de novo. “Aumentou tiragem, receita, assinaturas. E é interessante que ele teve humildade em dizer que não entendia nada de jornalismo e deixou os jornalistas continuarem a fazer do modo deles.”
Engenharia: impactada pelo digital
O estudo técnico aliado ao de jornalismo – Silvestre se formou em Comunicação Social, em 2003, pela Universidade Metodista de São Paulo – acaba criando importantes reflexões sobre os avanços tecnológicos principalmente na área da informação. “Toda profissão está sendo impactada pelo digital. A engenharia, a medicina, o Direito, claro que umas mais e outras menos, mas todas.”
Na engenharia, por exemplo, “vemos que esse impacto é na maneira de se fazer o trabalho, que está totalmente diferente do que era nos anos 1990, pois as ferramentas, as técnicas e os insumos mudaram”. Ele continua: “Assim como os jornais estão “morrendo” porque estão agarrados a um formato que deu muito certo no passado e hoje não funciona mais; se o engenheiro quiser continuar fazendo engenharia como ele fazia no século passado, e não estou falando de 1920, mas de 1990, ele também vai ter problema.”
Os meios digitais, ensina Silvestre, estão aí oferecendo todo tipo de ferramenta para o profissional se atualizar e realizar melhor o seu trabalho. “Quando cursei engenharia elétrica fazer um protótipo de uma placa de circuito integrado era caríssimo. Só grandes empresas faziam isso. Hoje, qualquer adolescente, num quarto, faz um projeto num CAD dessa placa, manda o arquivo para a China e pede três plaquinhas dessas, eles “printam” e mandam a um custo marginal.”
Nesse sentido, Silvestre aconselha estudantes e profissionais da área para que não se agarrem a fórmulas. “É necessário ficar atento aos movimentos do mercado no sentido de novas técnicas e maneiras de se relacionar com o público, porque já era aquela figura do engenheiro que ficava fechado dentro do escritório.”
Matérias com o professor Paulo Silvestre
* Oportunidades – LinkedIn para construir novas relações profissionais
* Humanidade aumentada