Clemente Ganz Lúcio*
O salário mínimo (SM) foi instituído no Brasil na Constituição de 1934; a de 1946 determinou que o SM deveria atender também à família do trabalhador; e a de 1988 renovou esse direito a todos os trabalhadores urbanos e rurais, definindo no artigo 7º, parágrafo IV: um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.
O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) estima que o valor do salário mínimo necessário deveria ser de cerca de R$ 4 mil para atender a uma família de dois adultos e duas crianças.
As centrais sindicais realizaram as Marchas da Classe Trabalhadora, a partir de 2004, quando apresentaram a Agenda da Classe Trabalhadora, pauta propositiva para o desenvolvimento nacional, formulada com base em questões e prioridades do mundo do trabalho. Um dos destaques era a necessidade de implantação de uma política de valorização do salário mínimo.
O movimento gerou uma complexa negociação e resultou, inicialmente, em um acordo entre as Centrais Sindicais e o governo do então presidente Luís Inácio Lula da Silva, e, depois, em 2011, avançou para a legislação (Lei 12.382 de 25/02/11 e Lei 13.152 de 29/07/15).
Os critérios definidos para a valorização do piso nacional foram o reajuste correspondente à inflação anual medida pelo INPC-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o aumento real correspondente à variação do PIB (Produto Interno Bruto). Desde 2010, a data de definição do novo salário mínimo é 1º de janeiro.
Em maio de 2004, o valor do salário mínimo era de R$ 260,00. Com a política de valorização, além da reposição da inflação, houve aumento real de 74,33% até janeiro de 2019 (quando passou a valer R$ 998,00).
A política de valorização promoveu, no período 2004-2019, aumento real acumulado, portanto, crescimento acima da reposição inflacionária, de R$ 425,00. Se não tivessem sido concedidos os aumentos reais, somente com a reposição da inflação, o valor atual do salário mínimo seria de R$ 573,00.
Para um trabalhador que ganha salário mínimo, o ganho real conquistado com a política adicionou cerca de R$ 5.525,00 à renda bruta anual, elevando-a de R$ 7.449,00 (R$ 573,00 X 13 salários) para R$ 12.974,00 (R$ 998,00 X 13 salários). Considerando que cerca de 48 milhões de pessoas recebem remuneração correspondente ao salário mínimo – assalariados, aposentados e pensionistas, trabalhadores por conta-própria, domésticos - a política de valorização elevou a massa salarial, fortaleceu a capacidade de consumo dos trabalhadores e estimulou a produção econômica, para que desse conta da demanda decorrente do crescimento salarial. Em 2019, o total acumulado nesse período adicionará cerca de R$ 265 bilhões à massa de rendimentos do trabalho, ajuda consistente e virtuosa para a dinâmica econômica.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020, aprovada pelo Congresso nesta semana, define que o salário mínimo será somente reajustado pelo índice de inflação de 2019, sem aumento real. A estimativa indica o valor de R$ 1.039,00.
Há também no Congresso, por iniciativa dos Senadores Humberto Costa (PT/PE), Jaques Wagner (PT/BA), Jean Paul Prates (PT/RN), Paulo Paim (PT/RS), Paulo Rocha (PT/PA) e Rogério Carvalho (PT/SE), o Projeto de Lei 605/2019 que trata da “Politica de Valorização do Salário Mínimo para o período de 2020 a 2023”.
É hora de reforçar as iniciativas junto aos parlamentares para que o Congresso renove a política de valorização do salário mínimo, mantendo para os próximos quatro anos, o aumento real anual segundo a taxa de crescimento da economia brasileira.
O movimento sindical defende a manutenção da atual política, considerando, entre outros aspectos, a evolução do valor da remuneração; o poder aquisitivo em relação ao previsto em Constituição; a importância do SM como instrumento de promoção de bem-estar social; a resistente e profunda desigualdade social existente no país. O processo de elevação contínua e rápida do salário mínimo é um instrumento para propiciar a elevação do padrão civilizatório no país e enfrentar a ampla flexibilização laboral em curso.
*Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor técnico do Dieese.