Deborah Moreira*
Enchente na zona leste/Foto: Marcos Santos/USP
Equacionar o problema das enchentes na Capital é um dos grandes desafios da engenharia. Tema desta primeira matéria da série especial do Jornal do Engenheiro sobre manutenção em São Paulo. Os diversos especialistas ouvidos sobre a situação do sistema de drenagem foram unânimes em afirmar que falta planejamento e que os investimentos estão aquém do necessário.
É o que aponta a última edição do projeto “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”, iniciativa da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) com a adesão do SEESP, cujo tema é Engenharia de Manutenção.
De acordo com levantamento do Tribunal de Contas do Município (TCM), foram gastos, em 2018, R$ 335,9 milhões em intervenções, melhorias e manutenção de sistemas de drenagem e bacias, 55% do total orçado para o ano, representando redução de 25,6% em relação a 2016. Em 2019, conforme a Prefeitura, o valor subiu para R$ 600,8 milhões, que inclui ainda manutenção e operação dos sistemas de monitoramento e alerta de enchentes, obras e serviços nas áreas de risco e combate a essa situação.
Uma delas ocorre na região da Luz, para retificação de um córrego, que terá parte de seu fluxo desviado a um novo canal, embaixo da via pública. “Quando houve a canalização, há 40 anos, passava sob quadras desocupadas. Os pilares de um prédio recém-construído atravessaram a rede, que acaba entupida quando passa algum resíduo mais volumoso”, explica o engenheiro da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) e diretor do SEESP junto à Prefeitura, Carlos Eduardo de Lacerda e Silva, que faz a gestão do contrato.
Obras complexas como essa, com dois metros de diâmetro a nove metros de profundidade, ficam sob responsabilidade da Siurb. Já os sistemas menores, com tubulações de até 80cm de diâmetro, são atribuição das subprefeituras, que mantêm equipes terceirizadas. As mesmas que realizam a limpeza dos piscinões, que precisaria ocorrer com mais frequência. Lacerda, que já atuou em subprefeituras, revela que há interrupções nos contratos, com consequente irregularidade na limpeza, além de roubo de cabos das bombas em alguns casos.
Impermeabilização
São Paulo nasceu no alto de um morro, entre três grandes rios (Tietê, Anhangabaú e Tamanduateí). Levantamentos recentes, de projetos como Cidade Azul, Rios e Ruas, Rios de São Paulo, dão conta que a cidade possui 287 rios catalogados, com cerca de 3 mil quilômetros de cursos d’água correndo sob asfalto e concreto. Com a urbanização, foram poluídos, soterrados e espremidos entre ruas e avenidas. Esse cenário, somado ao crescimento desordenado da cidade, levou à impermeabilização do solo.
“Na década de 1980, quando ainda existia uma grande área desocupada na Vila Matilde, junto à linha Vermelha do Metrô, estava prevista a construção de um parque. Seria uma espécie de Ibirapuera da Zona Leste. Infelizmente, o projeto não saiu do papel, e os terrenos foram ocupados”, recorda Nestor Tupinambá, engenheiro do Metrô e diretor do SEESP, que chegou a fazer a obra de canalização do Córrego Rincão naquela região.
Julio Cerqueira Cesar Neto, que dedicou sua carreira à Engenharia Hidráulica, Sanitária e Ambiental, lembra a decisão do então Governo Alckmin de não realizar obras de ampliação das várzeas dos grandes rios, como o Tietê, e, em seu lugar, construir 134 piscinões – o que não ocorreu. Hoje aposentado, aos 89 anos, Dr. Julio, como é conhecido, lamenta: “Não se fez nenhuma obra em canais e galerias de águas pluviais desde o início dos anos 2000. Com isso, a drenagem da Região Metropolitana está sucateada.”
Segundo ele, durante a segunda fase de ampliação e rebaixamento da calha do Tietê, constatou-se que o projeto estava superado. Dados do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) mostram que após a conclusão das obras, em 2005, a capacidade de vazão passou de 640m³/s para 1.048m³/s. “Hoje, a necessidade de vazão da calha do Tietê é de 2 mil m³/s. O Tamanduateí, que tem uma capacidade de 450m³/s, precisaria ter uma vazão de 850m³/s. Precisamos praticamente dobrar a capacidade de vazão”, diagnosticou Dr. Julio. O Daee alega que ampliações dos canais e novos piscinões são “inviáveis” por falta de espaço e de recursos. Pelos mesmos motivos, a reconstituição das várzeas é “praticamente impossível”.
Ao todo, foram construídos 33 piscinões pelo Daee, nas bacias do Alto Tietê, Pirajuçara, Ribeirão Vermelho, Juquery e Rio Tietê. Em obras de desassoreamento em 2019, o Governo do Estado informa que gastou R$ 32 milhões – e R$ 45 milhões devem ser investidos na limpeza e manutenção de 25 reservatórios. A Prefeitura de São Paulo anunciou a inauguração de cinco piscinões em 2019, totalizando, assim, 32. Para 2020, promete mais cinco.
Álvaro Rodrigues dos Santos, consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia, contudo, propõe outras ações, aliadas ao combate dos processos erosivos, assoreamento dos rios, descarte irregular de lixo e entulho. “Piscinão deveria ser a última alternativa. Há diversas medidas mais econômicas utilizadas em países desenvolvidos, como pequenos reservatórios, domésticos e empresariais, para acumulação e infiltração; calçadas, sarjetas, pátios, estacionamentos, valetas, trincheiras e poços drenantes; multiplicação de bosques florestados por todo o espaço urbano; entre outros.”
*Matéria publicada na edição 535 de janeiro de 2020 do Jornal do Engenheiro
** Foto: obras de drenagem na região da Lapa/Divulgação Prefeitura de S. Paulo