Deborah Moreira
Comunicação SEESP
A Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) promoveu o debate online “Soberania: desenvolver a indústria, quebrar patentes, proteger o povo”, que contou com a participação do geógrafo Elias Jabbour, professor adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do professor Jorge Bermudez, médico, doutor em saúde pública, pesquisador titular e chefe do Departamento de Política de Medicamentos da Escola Nacional de Saúde Pública (FNSP/FioCruz), com mediação de Ronald Ferreira dos Santos, presidente da Federação.
Foi ele quem fez uma explanação inicial da atividade, que ocorreu na manhã de segunda-feira (6/4), e foi acompanhada por dezenas de participantes em uma plataforma online. Devido às medidas de isolamento social, por conta da pandemia da Covid-19, diversos debates têm ocorrido nesse formato.
Ronald dos Santos falou da atuação dos farmacêuticos na defesa da farmácia como estabelecimento de saúde e importância da produção nacional de medicamentos, que não devem ser vistos como uma mercadoria qualquer por se tratar de um "insumo garantidor de direitos". Por isso, tem que ser objeto de políticas publicas.
“Neste momento, no entanto, o debate mais central, que também sempre levantamos ao longos das últimas décadas, é o monopólio privado do conhecimento sobre as tecnologias”, afirmou Santos, citando a importância da apresentação do Projeto de Lei 1.84/2020, de autoria da médica Jandira Feghali, deputada federal (PCdoB), na segunda-feira (6/4), que permite a licença compulsória para concessão de licenças não voluntárias relacionadas à medicamentos para o tratamento da Covid-19.
“E esse tipo de medida [quebra de patente], como as econômicas para a instituição de renda mínima aos trabalhadores, devem ser tomadas para contribuir na construção de um lastro politico para assegurar direitos a todos”, afirmou o presidente da Fenafar.
Para ele, travamos neste momento uma grande batalha. “De um lado, os defensores da vida e do outro os defensores da morte”, disse referindo-se aos representantes do mercado financeiro, que incentivam soluções individuais, de competição, que vão na contramão das recomendações da Organização Mundial de Saúde e autoridades nacionais do setor.
Ele lembrou que a Fenafar sempre defendeu o fortalecimento dos estados nacionais , da capacidade do estado de intervir e se responsabiliza sobre um conjunto importante de políticas e da importância em empregar a ciência e pesquisa nacional em prol da sociedade.
Quebra de patente
O médico Jorge Bermudez também falou da importância de atuar politicamente na quebra de patente de medicamentos que serão importantes no tratamento da gripe causada pelo coronavírus e citou alguns países que já aprovaram leis nesse sentido, que altera a lei de patentes: Canadá, Chile e Equador.
Antes disso, em artigo publicado em diversos portais de notícia, em 6 de março, o especialista em saúde pública alertou a todos sobre um provável desabastecimento de matéria-prima no parque tecnológico brasileiro, logo que começaram os primeiros movimentos internacionais. No artigo, consta um apanhado de iniciativas pelo mundo. Como no Senado dos Estados Unidos já havia promovido audiência publica em que um diretor da agencia regulatória estadunidense, FDA, declarou que já havia risco de desabastecimento de produtos nos EUA. No Reino Unido, também foi detectado o mesmo. Já o governo da Índia anunciava a proibição de exportação de 26 medicamentos, sem autorização expressa do governo, entre eles a cloroquina e a hidróxido de cloroquina, cogitadas para o tratamento da Covid-19.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, recebeu carta do presidente da Costa Rica, Carlos Alvarado Quesada, endossada por uma série de organizações sociais de diversos países, solicitando o estabelecimento do mecanismo global de direitos de conhecimento e tecnologia utilizadas na prevenção, detecção e tratamento da Covid-19. “Também será um instrumento valioso”, argumentou.
Considerando que o País é dependente da importação de insumos, Bermudez salienta que já deveriam ter sido observados esses alertas do mundo. “Um quinto das exportações de medicamentos genéricos no mundo são da Índia. Entretanto, a Índia importa da China muitas das matérias-primas”, advertiu.
Outras ações citadas por ele, no âmbito brasileiro, é outro PL do deputado Alexandre Padilha (PT) e da comissão externa, foi protocolado na sexta-feira (3/4), o PL 1.462/2020 assinado por 11 deputados de vários partidos políticos, alterando o artigo 71 da Lei de Propriedade Industrial, que institui que a declaração de emergência de saúde publica, pela OMS, ou a declaração de emergência pelas autoridades nacionais, sejam suficientes para a emissão automática de licenças compulsórias para todos os pedidos de patentes ou para as patentes vigentes de tecnologias utilizadas no enfrentamento da pandemia.
Outro PL (1.543/2020), da deputada federal Alice Portugal (PCDoB), e farmacêutica, proíbe reajustes e suspensão dos planos de saúde durante a pandemia.
Economia
Elias Jabbour traçou um panorama econômico no cenário da crise causada pelo coronavírus. Ele lembrou que as economias mais desenvolvidas querem sustentar que mesmo durante a crise o status quo internacional precisa ser mantido. Por isso, foi criada uma narrativa de que problemas globais demandam soluções globais, o que contraria a realidade nos países. “Acredito que questões globais demandam estados soberanos para potencializar suas ações”, pontuou, lembrando que é preciso construir uma narrativa econômica palpável: “Além de uma boa narrativa política, com foco na soberania e na reindustrialização, que são elementos híbridos, estamos falhando com a ausência de uma teoria econômica para enfrentar o debate. Por exemplo, foi feita a proposta de taxação de grandes fortunas, quando o que precisamos é aumentar o gasto público. Não é um problema de redistribuição de renda neste momento. Tem parcelas da população bem perdidas no debate econômico”.
Jabbour frisou que a atual crise já derrubou alguns mitos econômicos, como o do estado mínimo. “Em todos os lugares do mundo que estão tendo êxito no enfrentamento ao coronavírus tem estado macro. A Espanha esta estatizando empresas”, citou.
Outro mito que ainda não foi quebrado, relacionado diretamente com um terceiro mito: o do teto de gastos e o de que acabou o dinheiro, respectivamente. Enquanto há três semanas atrás a fala do governo era de que acabou o dinheiro, agora, já existem recursos que estão sendo redirecionados para a administração da crise.
Elias Jabbour elencou ideias fundamentais neste momento: largar o dogmatismo fiscal e rasgar a fantasia neoliberal, ignorando a falácia de que não tem dinheiro; não existe restrição financeira para o gasto publico, além das regras instituídas; divida publica não se paga, se rola; qualquer gasto público é redistributivo; garantir renda para os mais pobres e para a saúde, o que evitará o caos social. “Todos saem ganhando. Não devemos cair nessa casca de banana de que vamos nos endividar e vai ser pior. Mesmo entre os ortodoxos americanos, já está superada essa ideia. No Brasil, os neoliberais não percebem que existe um consenso de que em situações como esta o estado precisa agir”.
O especialista em economia alertou que após o período da pandemia não será possível retornar para a austeridade fiscal como antes. “O custo social disso será terrível. E dívida pública se estabiliza com crescimento econômico”.