Com informações da Rede Brasil Atual
A concentração em algumas áreas da capital paulista de casos, internações e mortes causadas pela covid-19 está associada com a não interrupção do trabalho de parte da população durante a quarentena. A conclusão é de um mapeamento realizado pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da Universidade de São Paulo (USP), com dados da São Paulo Transporte (SPTrans).
Seja por atuar nos serviços essenciais, seja por atuar no setor informal (para gerar renda por não terem outras fontes de recursos), o levantamento relaciona diretamente a continuidade do trabalho e uso do transporte coletivo. “As áreas que concentram mais casos são as áreas aonde mais gente teve que sair para trabalhar. Nós estamos falando de trabalhadores de serviços essenciais cuja circulação ou continuidade do trabalho garantiu que outras pessoas pudessem estar em isolamento social. E trata-se de uma circulação de longo percurso, ou seja, por transporte coletivo, que atravessa a cidade na direção destas áreas de trabalho”, explicou a coordenadora do LabCidade e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Raquel Rolnik, em entrevista à Rádio USP.
Um mapeamento anterior do LabCidade já havia indicado que a forma como a prefeitura de São Paulo apresenta a distribuição dos casos de Covid-19 na cidade é muito simplificadora e pode distorcer as reais causas da concentração de casos em alguns lugares.
O levantamento atual utilizou dados de viagens do dia 5 de junho, quando cerca de 3 milhões de pessoas utilizaram o transporte coletivo por ônibus, e os dados da pesquisa Origem Destino, de 2017, considerando as viagens realizadas por trabalhadores sem ensino superior e em cargos não-executivos. A conclusão foi que “há forte associação entre os locais de onde saíram mais trabalhadores com a concentração do local de moradia de pessoas internadas por causa da covid-19 ou da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), em casos suspeitos de coronavírus”.
Para os pesquisadores do LabCidade, os dados apontam para a inconsequência da reabertura do comércio e dos serviços planejada pelas prefeituras e governo estadual, que implicou em aumentar significativamente o número de áreas de origens com mais densidades de viagens e maior circulação de pessoas no transporte público. "Se o maior número de óbitos está nos territórios que tiveram mais pessoas saindo para trabalhar durante o período de isolamento, temos que pensar tanto em políticas que as protejam em seus percursos como ampliar o direito ao isolamento para as pessoas que não estão envolvidas com serviços essenciais, mas precisam trabalhar para garantir seu sustento”, escreveu Raquel, em artigo.
Para ela, é fundamental que sejam estabelecidas políticas de garantia de renda e segurança alimentar, subsídios de aluguel e outras despesas, além de ações específicas para cuidado dos trabalhadores de serviços essenciais: “É muito importante a gente pensar isso para uma política de transporte. Se há pessoas que precisam deslocar, como os trabalhadores da saúde, os caixas de supermercado, os atendentes, precisam ser protegidos em sua circulação diária e precisam ser protegidos de uma forma absolutamente dirigida e especial. Os governos, especialmente o governo municipal, a SPTrans, tem esses dados e podem planejar esse deslocamento”, disse Raquel.