Carlos Magno Corrêa Dias*
Independentemente ou a despeito da Covid-19 um mundo 4.0 se desenvolve complexa e velozmente de forma que robôs inteligentes geram outros robôs ainda mais inteligentes e os CPS (Cyber-Physical Systens, Sistemas Ciberfísicos) se expandem de forma impensável nesta realidade 4.0 chamada, também, de Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial.
Os CPS, sistemas compostos por elementos computacionais colaborativos para controlar entidades físicas, nos primórdios conhecidos como sistemas embarcados e mais focados nos elementos computacionais, atualmente, fortemente pensados para o estabelecimento de ligações entre elementos físicos e elementos computacionais, se aperfeiçoam cada vez mais rapidamente para o estabelecimento da efetiva interação entre o mundo físico e elementos computacionais colaborativos.
Das aplicações mais simples corriqueiras como atendimento em caixas eletrônicos nos bancos às aplicações complexas como pilotagem de aeroespaciais sem pilotos humanos ou operações remotas de tumores cancerígenos em pessoas sem os cirurgiões humanos os CPS revolucionam o dia a dia das pessoas de forma que apenas é impossível o desenvolvimento da vida com qualidade sem eles. E os robôs? Estes estão em toda parte executando tudo quanto é tipo de tarefas muitas delas antes exclusivas dos humanos.
De repente surge esta pandemia assustadora de Covid-19 e se observa o Brasil sofrendo sem acessar os CPS, sem interação com os robôs e mantendo as Engenharias distantes da realidade 4.0 ou pelo menos não tão próximas como poderiam para a realização de trabalhos de determinação de soluções possíveis.
Loucamente há no País uma incessante confecção de máscaras descartáveis (muitas feitas à mão precariamente, sem qualidade e sem cumprir um mínimo de cuidados sanitários) ou produção de outros tantos tipos de máscaras reutilizáveis de diferentes tipos de materiais (muitas produzidas artesanalmente por não profissionais, nas residências das próprias pessoas com suas máquinas de costuras e sem atender requisitos básicos para a confecção).
Existem, também, os poucos projetos nacionais de ventiladores pulmonares mecânicos baratos e até inovadores que estão sendo propostos, mas sem liberação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou sem certificação pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) passarão a ser apenas histórias a serem contadas.
Quanto aos ventiladores pulmonares já tradicionais que estão no mercado há de se salientar, a propósito, objetivamente, que as indústrias nacionais não têm plena capacidade de produção dos mesmos. Não existe no Brasil a produção de microcontroladores e nem tão pouco há tecnologia própria para a produção de válvulas ou turbinas para aqueles respiradores pulmonares. Assim, para se produzir no Brasil os respiradores já há tempos conhecidos há uma grande dependência de importação de partes, de acessórios ou mesmo de insumos. Como um dos graves resultados deste atrelamento o Brasil chega a pagar de R$ 80.000,00 a R$ 190.000,00 por respiradores cujo custo antes da Covid-19 era de cerca de R$ 5.000,00 até R$ 10.000,00, ou menos.
Não se pode esquecer, também, dos milhões e milhões de litros de álcool em gel 70% produzidos em todo canto por tudo quanto é tipo de instituição; muitos dos quais sem cumprir efetivamente a proteção esperada devido ou à intencional adulteração ou em função de falta de conhecimento prévio adequado e necessário.
Claro, porém, que toda esta produção de equipamentos é importante na luta contra a doença Covid-19. Pensar diferente seria uma falta total de noção. Neste sentido, reconheça-se, também, os importantes equipamentos de esterilização com raios ultravioletas que já foram criados no combate ao novo coronavírus.
Mas, há de se ressaltar, também, que muitos dos EPI (Equipamentos de Proteção Individual), como máscaras descartáveis ou mascaras reutilizáveis, foram e estão sendo confeccionados segundo as Regras da Norma Regulamentadora número 6 aprovada pela Portaria número 3.214, de 8 de junho de 1978, e atualizada por diversas Portarias subsequentes; possuindo, também, os CAs (Certificados de Aprovação) concedidos pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e Órgão Auxiliares.
De outro lado, foram montados Hospitais de Campanha, criadas novas UTI (Unidades de Tratamento Intensivo) em hospitais, ampliadas alas de hospitais com todo equipamento para tratar exclusivamente dos pacientes graves de Covid-19. Muitas Universidades e algumas pessoas físicas começaram a utilizar suas impressoras 3D para imprimir o suporte dos protetores faciais. Outras Instituições utilizam suas máquinas de corte digitais a laser para cortar as viseiras de plástico transparente dos protetores faciais.
Até está sendo utilizado a impressora 3D para imprimir apoio para os elásticos das máscaras para evitar que as máscaras fiquem pressionando e machucando as orelhas dos profissionais após várias horas de uso.
Na mesma linha do parágrafo precedente não seria justo deixar de mencionar o trabalho dos Laboratórios de Modelagem Molecular e afins que encontram-se realizando pesquisas com o objetivo de propor potenciais fármacos capazes de combater o coronavírus gerador da doença Covid-19. Os correspondentes profissionais trabalham incessantemente na avaliação de medicamentos já existentes que possam combater a Covid-19 ou estudam novas moléculas visando acabar com a Covid-19.
Todavia, além dos poucos equipamentos ou ações precedentemente considerados quais outros produtos foram engendrados pela Engenharia do Brasil para combater a Covid-19? Quais outros equipamentos inovadores ou mesmo tradicionais já conhecidos no mundo foram produzidos ou adequados pela Engenharia do Brasil para resolver os problemas do Brasil no combate à Covid-19? Como a Engenharia do Brasil se coordenada para enfrentar a Covid-19?
Pode ser chocante, mas, salvo alguns poucos projetos em desenvolvimento e pouco divulgados, ou ainda em estado embrionário, não existem outras soluções para mitigar os impactos da Covid-19 e as engenharias do Brasil não, produziram, também, nada de inolvidável e muito menos se uniram para combater a Covid-19. Efetivamente, um trabalho multidisciplinar ou sequer interdisciplinar para enfrentar a Covid-19 foi estabelecido. As Ciências e as Tecnologias no Brasil continuam a caminhar em trilhas isoladas sem uma efetiva conexão mesmo diante de um problema cujas soluções poderiam ser combinadas.
A despeito, porém, das observações precedentes, não se deve deixar de mencionar que o Brasil passou a produzir os kits de RT-PCR (Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction, Transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase) que são utilizados para testar se uma pessoa contraiu ou não o coronavírus causador da Covid-19. Tais kits são considerados padrão ouro pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Todavia, o mesmo Brasil tem gasto, também, milhões com a importação de semelhantes kits produzidos no exterior por não dar conta de gerar a quantidade de kits que necessita.
Contrapondo a afirmação que no Brasil somente são produzidos RT-PCR, máscaras, álcool em gel e que existem tentativas de produção de respiradores pulmonares nacionais alguns dirão, também, que foram criados, por meio da modelagem científica, diversos modelos de simulação e de monitoramento da pandemia de Covid-19 com o desenvolvimento de sofisticadas estatísticas de alto padrão para avaliar (prever) a evolução epidemiológica da doença. Mas, uma “engenharia” integrada para mitigação das consequências presentes ou futuras da Covid-19 não existe efetivamente.
De fato, gráficos e tabelas cada vez mais rebuscados e de todo tipo aparecem a cada dia. Especialistas e mais especialistas expõem suas projeções dizendo que o pico da doença será amanhã, ou no próximo mês ou (talvez) daqui a dois meses. Nunca a população de estatísticos de plantão foi tão grande. Mas, todos estes trabalhos continuam, também, sendo desenvolvidos separadamente uns dos outros sem a pensada “engenharia integradora” para a condução dos mesmos.
Estudos computacionais de altíssima complexidade para projeção da doença, mapas georreferenciados para auxílio na prospecção de como deveria ser a gestão da saúde, desenvolvimento de metodologias científicas para auxiliar o mapeamento dos casos de morte e contaminados ativos, também, surgem a cada momento. Mapas e mais mapas, gráficos e mais gráficos, tentando (teoricamente) prever o futuro ou apenas registrando o passado. Mas, uma engenharia que conjugue possibilidades de soluções para combater a Covid-19 não é posta em desenvolvimento.
Entendendo que as engenharias devem tomar as pessoas como o centro de sua razão de ser para resolver os problemas destas mesmas pessoas pensa-se que a engenharia deva ser ágil na solução dos problemas de uma sociedade e, para tanto, não pode se isolar em sua área de expertise. No atual mundo 4.0 as engenharias devem se associar com outras áreas do saber para com a reunião dos vários conhecimentos, das distintas expertises, chegar às necessárias ou melhores soluções.
Diante do panorama atual com tantas contradições e questões abertas por resolver é inegável a responsabilidade da engenharia para otimizar os serviços que poderiam prestar à sociedade na resolução dos inúmeros problemas socioeconômicos em diversos setores provocados pela Covid-19. Tanto agora quanto depois da pandemia de Covid-19 é imprescindível por em prática em conjunto os vários conhecimentos das diferentes engenharias (em particular) e das ciências (em geral) para ajudar a manter funcionando o mundo com um mínimo de qualidade de vida das pessoas.
Em todos os setores a engenharia a partir de sua responsabilidade social corporativa pode e deve agir tanto para promover quanto para efetivar transformações no mundo para melhor. Assim, é necessário transcender do trabalho estritamente técnico isolado particular para o desenvolvimento de uma posição humanitária que pense na melhoria de vida das pessoas o que, aliás, sempre esteve na base da engenharia haja vista que é a engenharia a responsável por engendrar soluções centradas no conhecimento da humanidade para a melhoria de vida das pessoas.
É no mínimo estranho que em mundo 4.0 onde CPS e robôs inteligentes se multiplicam as academias (as Universidades) continuem a insistir na prática tradicional de grandes quantidades de pesquisas acadêmicas teóricas tornando a aplicação uma alternativa pouco desenvolvida.
Semelhante realidade das academias ficou bem evidente quando não se conseguiu o enfrentamento amplo e irrestrito dos problemas gerados de uma hora para outra com o advento da pandemia de Covid-19. Cada área permanece na sua área de domínio (de conforto) e não se arrisca em outros campos que não os seus. Ousa-se dizer que, em um cenário geral, um dos problemas comuns a todas as engenharias é a concentração nos seus campos de atuação deixando de lado a multidisciplinaridade a interdisciplinaridade no enfrentamento dos problemas do mundo real.
A pandemia de Covid-19 provocou uma busca incessante por soluções na área das Ciências e das Tecnologias. Todavia, caminhar pelo mesmo caminho já trilhado levará, invariavelmente, ao mesmo lugar. O enfrentamento da atual pandemia com as mesmas armas utilizadas no passado já se mostrou ineficiente. E o mais assustador é constatar que as Academias do Brasil não conseguiram até agora gerar outras soluções a não ser as poucas citadas nos parágrafos anteriores.
A pandemia de Covid-19 está afetando cada um de maneira diferente e suas consequências, nas mais distintas áreas, serão sentidas na Sociedade por um bom tempo e são nas engenharias que se devem concentrar as esperanças de se superar os correspondentes desafios. Mas, não é nas Engenharias tratadas isoladamente que estão as soluções aventadas. As diversas áreas das engenharias necessitam se unir em torno de uma nova Engenharia que seja fundamentalmente colaborativa e reúna as demais Engenharias em torno da resolução de problemas do mundo real sem, entretanto, interferir no desenvolvimento das expertises de excelência de cada uma das Engenharias que a integrariam. Arbitre-se chamar esta Engenharia resiliente de “Engenharia 4.0”.
A Engenharia 4.0 pensada, centrada na interdisciplinar e multidisciplinar das várias engenharias, chamaria o apoio do conhecimento desenvolvido nas demais áreas da Ciências e das Tecnologias para tornar possível a concretização efetiva de soluções de problemas do mundo real tais quais aqueles que estão sendo gerados pela Covid-19 e utilizariam, também, necessariamente, as excelentes ferramentas já desenvolvidas e que estão sendo engendradas na Quarta Revolução Industrial.
Nesta concepção de engenharia, integradora por excelência, caberia definir previamente, independentemente do nível de complexidade, o ciclo de desenvolvimento do problema a resolver, quais seriam as possíveis necessidades do usuário, os requisitos, as funcionalidades requeridas, bem como o projeto e a etapa de validação considerando o problema de forma ampla e completa: operação; custos e cronogramas; performance; treinamento e suporte; teste; instalação; fabricação.
Na base de uma engenharia 4.0 como a sugerida estariam as seguintes exigências: uma forte relação entre teoria e prática, uma estreita relação com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), a constante revisão periódica e sistemática dos conhecimentos adquiridos, o atendimento às áreas emergentes, o acompanhamento de modelos internacionais, a flexibilidade, a inserção na Indústria 4.0, a valorização dos direitos humanos, o embasamento nos preceitos éticos e de cidadania, a inovação, a colaboração, a resiliência, o entendimento que disrupção é sempre uma possibilidade de avanço, o empreendedorismo, a utilização intensa de CPS e robôs inteligentes, o entendimento e a prática da responsabilidade social, a prévia intenção de atuar para solucionar problemas do mundo real, o reconhecimento da necessidade da sustentabilidade, entre outros requisitos.
Uma das diferenças significativas da engenharia em proposição é que a mesma não viria para competir, mas sim para colaborar estando centrada na concepção de “somar para multiplicar”. Todavia, não se deve confundir a denominada Engenharia 4.0 sugerida com uma Engenharia de Sistemas que é voltada para atender áreas diversas multifuncionais de elevada complexidade e mais direcionada para trabalhar com produtos lógicos e nem tanto com produtos tangíveis.
Além das característica já mencionadas a Engenharia 4.0 em questão poderia, por exemplo, reunir os vários projetos, estudos e equipamentos já criados para combater a pandemia de Covid-19 num grande projeto integrador de “Engenharia de Saúde” desenvolvido em meio remoto com o auxílio da computação para depois transformar aquelas soluções virtuais testadas e aprovadas, extensamente experimentadas no mundo virtual, em soluções físicas efetivas não somente para mitigação das consequências da Covid-19 como também para perspectivar caminhos a serem seguidos no futuro se algo semelhante acontecesse novamente.
O enfrentamento da Covid-19 chama a união de forças entre as Ciências e as Tecnologias e o entrosamento entre as Engenharias. Uma das possibilidades reais de integração pensada para aquisição de maior poder na resolução dos correspondentes problemas seria por intermédio de uma Engenharia como a precedentemente considerada. O mundo 4.0 exige uma engenharia integradora de soluções, resiliente e com estreita relação entre a realidade remota e a realidade física.
*Carlos Magno Corrêa Dias é professor, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI), líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).