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23/10/2020

Cresce Brasil propõe retomada de obras públicas no pós-pandemia

 

Soraya Misleh / Comunicação SEESP

 

Um Programa de Retomada de Obras Públicas para o pós-pandemia, que possa gerar empregos, entregar equipamentos à população e infraestrutura adequada ao setor produtivo. É o que apresenta a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) em sua nova edição do projeto "Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento” – iniciativa inaugurada em 2006 e, desde então, atualizada constantemente. Neste ano, traz homenagem ao economista Carlos Lessa, que faleceu em 5 de junho último, e teve contribuição crucial para sua realização.

 

O lançamento ocorreu nesta quarta-feira (21/10) em webinar com participação de especialistas. A transmissão online aconteceu no Youtube e Facebook da FNE, sob apresentação de Fernando Palmezan, coordenador-geral do “Cresce Brasil”.

 

No ensejo, Murilo Pinheiro, presidente da federação e do SEESP, frisou o momento difícil e preocupante no País, ante a pandemia de Covid-19, que levou a FNE a pensar o que fazer para dar conta dos impactos causados por essa situação, o que foi discutido tanto com a categoria quanto com autoridades governamentais.

 

Sempre da esq. para a dir.: acima, Fátima Có, Antonio Florentino e Fernando

Palmezan; no centro, Sílvio Figueiredo, Artur Araújo e Edson Aparecido da Silva;

abaixo, Carlos Monte e Murilo Pinheiro. (Reprodução Youtube)

 

O resultado foi a apresentação das propostas reunidas no novo “Cresce Brasil” que trazem questão central, já apontada pela entidade e sindicatos filiados há tempos: “Se o Presidente da República nos perguntasse o que deveria ser feito de imediato para retomar o crescimento e desenvolvimento nacional, seria a retomada de obras públicas paralisadas. Isso traria abertura de postos de serviços, oportunidades de trabalho, levando o País cada vez mais a um desenvolvimento tecnológico.”

 

 

Obras interrompidas e logística

 

Coube ao coordenador técnico do “Cresce Brasil”, Carlos Monte, trazer breve panorama sobre a situação das obras paradas, como resolver e prevenir novas ocorrências. Autor da nota técnica sobre o assunto e quanto à importância de se solucionar a questão da logística para fazer frente ao desafio, ele também abordou esse problema e formas de enfrentamento constantes do novo documento.

 

“O dinheiro gasto é infinito, e o resultado é nulo”, apontou, ao explicar um dos graves problemas da interrupção de obras no País. Segundo Monte, essa situação se configura, de acordo com a Caixa Econômica Federal (CEF), quando por mais de três meses não é apresentado nenhum relatório de custos do empreendimento.

 

Ainda conforme o coordenador técnico do “Cresce Brasil”, o problema foi identificado pela primeira vez em 1995 por comissão do Senado, que então indicou haver 400 obras interrompidas por iniciativa do governo federal, ao custo de R$ 3,342 bilhões. Em 2007, continuou, foi feito um segundo levantamento, o qual revelou a existência de 700 delas, sem definir os prejuízos, contudo. E mais recentemente, duas comissões específicas no Congresso Nacional apresentaram um novo relatório, adaptado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “A conclusão é de valor aproximado de R$ 76 bilhões” e mais de 7 mil obras.

 

O governo federal, informou Monte, lançou o programa “Avançar” em novembro de 2017, que visava a retomada até final de 2018, mas a iniciativa não prosperou. Em 2020, por iniciativa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, com a participação de diversos órgãos da administração pública federal, programa semelhante foi apresentado, denominado “Destrava”. Para Monte, isso mostra que há sensibilidade sobre o assunto por parte do governo, mas ainda persiste o problema.

 

Somando-se obras inconclusas a cargo da União, estados e municípios, o montante é de 10 mil empreendimentos paralisados, cujo prejuízo supera R$ 100 bilhões.

 

Além de identificar as causas e responsáveis, na nota técnica que compõe o “Cresce Brasil”, Monte recomenda “planejamento cuidadoso de novas obras, com orçamento detalhado para evitar que esse fato aconteça no futuro, e a retomada das paralisadas, o que exigirá novos contratos, dos quais devem ser afastadas empresas sem condições técnicas”.

 

Com relação à logística, o coordenador técnico do “Cresce Brasil” destacou ao lançamento o “levantamento exaustivo [constante da publicação] que reúne uma série de informações preliminares sobre os diversos eixos [rodoviário, hidroviário, ferroviário, dutoviário]”.

 

Ele trouxe breve síntese das obras planejadas, em curso ou concedidas e salientou a importância de se ampliarem sobretudo os modais hidroviário e ferroviário. Ademais, frisou: “O desenvolvimento da logística exige integração perfeita para que não se deixe nenhuma região para trás em relação a outras.”

 

 

Engenharia e Estado

 

Para dar conta dessas soluções, rumo ao desenvolvimento e qualidade de vida da população brasileira, a engenharia é decisiva. Quem ressaltou foi Artur Araújo, consultor do “Cresce Brasil”, ao trazer exemplos como o desempenho dos setores hidroelétrico, de aviação – com a experiência da Embraer -, de petróleo, gás e petroquímica, além da “capacidade de provar que enorme parcela do Cerrado é plenamente agricultável, assegurando produtividade com sustentabilidade”.

 

Para ele, a pandemia escancarou os impactos deletérios da falta de engenharia, para além do desenvolvimento, à segurança nacional. E o papel central do Estado.

 

Nesse sentido, a destruição das cadeias produtivas e substituição por importação ao longo dos anos revelou as consequências dramáticas logo aos primeiros casos de Covid-19 no Brasil, em março deste ano. Deixou a descoberto toda a produção para o sistema de saúde.

 

O País se viu sem condições de garantir itens e equipamentos vitais, como máscaras e respiradores, “apesar da enorme quantidade de plantas industriais ociosas e facilmente adaptáveis”. Araújo completou: “Faltavam peças e componentes que havíamos deixado de produzir.”

 

Ele lembrou que o País só não colapsou “por completo” devido ao auxílio emergencial de R$ 600,00 – reduzido, na sua opinião, injustificadamente, agora pela metade. Mas se viu também enfrentando carestia de alimentos, “sem ter problemas de produção, por conta do câmbio não controlado e inexistência de estoques reguladores de preços”.

 

Em meio a esse grave cenário, asseverou Araújo, “travamos política econômica totalmente siderada pelo teto de gastos”. Segundo detalhou, na contramão de recomendação inclusive de organismos internacionais como Banco Mundial e FMI (Fundo Monetário Internacional), que dizem “que os estados nacionais têm que gastar, enquanto perdurar a pandemia. A única possibilidade de retomar a atividade econômica é o gasto estatal”.

 

Nessa direção, o “Cresce Brasil” traz, como reiterou o consultor, a questão da retomada das obras paradas, além da recomposição das cadeias produtivas. “São desafios da engenharia.”

 

 

Saneamento e habitação

 

A nova versão joga luz, nesse bojo, sobre duas questões essenciais: saneamento e habitação. Autor da nota técnica sobre o primeiro tema, Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Agua e ao Saneamento (Ondas), apresentou ao lançamento diagnóstico e desafios à universalização do saneamento básico.

 

Segundo informou, este engloba, como preconiza a Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2010, direitos humanos fundamentais, como garantia de acesso a água e esgotamento sanitário, além de resíduos sólidos e drenagem urbana.

 

Ele abordou a legislação e as mudanças introduzidas a partir das novas normas, após longo vazio institucional, de 1980 a 2003. A partir desse último ano, o setor passou a ter “o papel de destaque que deveria”. Houve a destinação de R$ 166 bilhões em recursos onerosos e não onerosos.

 

Não obstante, como apontou, 30% previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1), de 2007, até hoje não foram executados. Quem conseguiu fazer mais "foram estados e municípios, principalmente do Norte e Nordeste, que pegaram recursos do Orçamento Geral da União”.

 

No período foram aprovadas as leis no 11.445/2007 (que institui as diretrizes e política nacional do saneamento básico) e no 11.107/2005 (relativa à contratação de consórcios públicos pela União, estados e municípios).

 

Já em julho deste ano, foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada com vetos pelo Presidente da República a Lei no 14.026/2020, relativa ao “marco legal do saneamento”. A égide, destacou Silva, é de favorecimento do setor privado, em detrimento do público. “O governo pretende enfraquecer o papel do Estado nas várias políticas e participação no saneamento básico.”

 

Os desafios à universalização são enormes no Brasil. “A forma encontrada pelo governo federal e Congresso Nacional não contribui para superá-los.” Pelo contrário, para Silva, as experiências e mesmo declarações de empresários demonstram que o setor privado terá interesse no filão, ou seja, onde dá lucro. E o déficit de saneamento, vaticinou, está localizado onde não lhes interessa aportar recursos – captados em instituições públicas –, ou seja, na periferia das grandes cidades, em favelas, morros, palafitas. “Não vão fazer contrato para universalizar.”

 

Nó, ainda, é que esse modelo vai comprometer o subsídio cruzado, em que os municípios que dão lucro suportam o serviço de saneamento nos que não dão – lembrando que no País, como destacou no ensejo o arquiteto Sílvio Figueiredo ao abordar a questão da habitação, 78% contam com menos de 20 mil habitantes. Por tudo isso, Palmezan comentou: “Aparentemente o novo modelo não apresenta o que deveria. Pode até ser uma armadilha.”

 

Na visão do vice-presidente da FNE, Antonio Florentino de Souza Filho, é essencial derrubar o veto do Presidente da República ao artigo 16 da Lei 14.026/2020 – que contraria acordo que Bolsonaro fez com o Legislativo para aprovação da norma.

 

Este mantinha a porta aberta à participação de empresas públicas e lhes dava prazo para sua revitalização. “Se isso não ocorrer, até 31 de dezembro de 2022, vão se alterar ou ser extintos os atuais contratos de programa. E a mais prejudicada será a população mais pobre do País”, alertou.

 

“É muito importante entender o papel do Estado, fundamental, estratégico, para a política de saneamento básico”, enfatizou Silva. E foi categórico em afirmar que não há qualquer possibilidade de assegurar a universalização sem revogar a Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos públicos.

 

Na sua concepção, diante de tantos desafios, urge que a sociedade civil se aproprie da política e garanta espaços de controle e participação – aí incluídas as organizações que representam os engenheiros, como a FNE e seus sindicatos filiados, entre eles o SEESP.

 

“Precisamos defender um grande programa de recuperação e revitalização da operação pública do saneamento, com qualificação, melhor gestão e perenidade nos recursos”, concluiu. O investimento necessário estimado à universalização, segundo Florentino, gira em torno de R$ 400 bilhões, montante que “poderia vir do Orçamento Geral da União”.

 

Ademais, Silva ensinou: “O planejamento da política pública tem que ser de forma integrada, em interface com saúde pública, meio ambiente, desenvolvimento urbano, turismo e, sobretudo, habitação. Isso é estratégico.”

 

Nesse contexto, Figueiredo salientou a importância de se solucionar a questão fundiária no Brasil e o déficit habitacional – temas que constam de nota técnica de sua autoria na nova edição do “Cresce Brasil”. “Mais de 50% das unidades urbanas, totalizando 35 milhões de imóveis, sofrem algum tipo de irregularidade. Há cidades inteiras assim”, detalhou ele.

 

Essa situação está diretamente ligada à saúde pública, uma vez que, como a pandemia explicitou, impede o acesso a infraestrutura básica, “principalmente de saneamento”

Figueiredo acrescentou: “O impacto é grande e direto sobre o município, que deixa de arrecadar recursos devidos, como IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], ITBI [Imposto de Transmissão de Bens Imóveis], INSS [Instituto Nacional do Seguro Social],”

 

“Temos que reconhecer os direitos reais do ocupante após a regularização. Isso traz o ingresso à economia formal da cidade, núcleo, bairro. Está diretamente ligada à geração de renda e receita, à gestão tributária e arrecadação do município. O que proporciona a execução de obras novas e retomada das paradas, impõe melhorias sanitárias, urbanísticas e habitacionais, distribuição de água potável, coleta de esgoto e destinação final de resíduos sólidos”, descreveu.

 

A engenharia, como finalizou, tem papel de destaque em todo o processo – na gestão do território, melhorias urbanas, habitacionais e ambientais, através “do desenvolvimento do projeto e estudos técnicos obrigatórios à regularização”.

 

Para Fátima Có, diretora da FNE, a conclusão é que engenharia, que é a solução, deve ser política de Estado. “Isso ajudaria a não haver descontinuidade nos projetos e obras. A pandemia tem aflorado o que seria o mundo sem a engenharia, que está presente em todas as atividades. É impulsora e protagonista do desenvolvimento. Precisamos mostrar sua força e importância, o que temos a contribuir, qual a nossa proposta, através da engenharia unida [movimento da FNE pela articulação da área tecnológica]”, propugnou.

 

Confira a nova edição do “Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento”:

 

https://www.crescebrasil.org.br/

 

Assista o webinar de lançamento na íntegra:

 

 

 

 

 

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