Esse é o recrutamento inclusivo cada vez mais observado pelas empresas, mas ainda se precisa avançar.
Rosângela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
A expectativa de vida no Brasil, assim como no mundo, aumentou. Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, o País terá mais um milhão de idosos a cada ano, nos próximos dez anos, e chegará a 2060 com 73,5 milhões de pessoas acima de 60 anos, o equivalente a um terço de uma população estimada em 218 milhões de habitantes. A expectativa de vida ao nascer já alcança 76,2 anos, contra 45,5 em 1940, por exemplo. Tal realidade tem reflexos em todos os aspectos de uma sociedade, como o mercado de trabalho. Com o intuito de levar informações para os profissionais acima dos 40 anos de idade, a área Oportunidades na Engenharia, do SEESP, realizou webinar, em 26 de outubro último, reunindo a headhunter e diretora da Talenses Group, Isis Borge; a diretora de Recrutamento para médias e altas gerências da Robert Half, Maria Sartori; e o engenheiro mecânico Henrique Pereira, que fez transição de carreira aos 51 anos de idade depois de 20 anos trabalhando no setor automotivo, na região do ABC paulista.
À abertura, a gestora do Oportunidades, Alexandra Justo, que coordenou a atividade, destacou que a área do SEESP tem se debruçado no tema da longevidade, considerando “esse grande salto na expectativa de vida e como isso se reflete no mercado de trabalho e absorção desse grupo significativo”. Para ela, o preconceito contra a faixa etária das pessoas, o etarismo, relaciona justificativas, como saúde debilitada, ônus econômico, desatualização profissional e das novas tecnologias, entra outras, ao grupo dos 40+. “Esquecemos de considerar o conhecimento, a experiência, as vivências, o nível de energia, as construções que foram realizadas. Vantagens que o relacionamento intergeracional cria. Entendemos que um dos caminhos que temos para combater o preconceito é levando informação séria sobre o tema. E é esse o objetivo deste webinar”, ressaltou.
Para frear o preconceito, segundo Isis Borge, há uma tendência forte de realização de recrutamentos que “olhem menos para a idade e mais para o perfil e energia do profissional”. Para reforçar a importância dessa tendência, Maria Sartori observa que se tem comprovado ganhos, inclusive financeiros, na diversidade e inclusão, “e a longevidade entraria aqui também, as empresas estão cada vez mais abertas a receber esse tipo de profissional que certamente vai agregar muito ao negócio com tantas habilidades”. Fato observado, segundo ela, por recente pesquisa da Robert Half, a “Índice de Confiança”, de abrangência nacional, que mede a empregabilidade dos profissionais, que levantou que 91% das empresas contratariam profissionais acima de 50 anos de idade. Henrique Pereira lembra que “esse profissional traz um bagagem muito grande em termos de experiência”.
Além do conhecimento, conforme Sartori, as empresas consideram positivo nesse grupo “a capacidade de inteligência emocional e saber lidar com adversidades”. Outro aspecto que precisa ser desmitificado, continua ela, é de que faltaria energia à faixa etária a partir dos 40. “O próprio censo brasileiro mostra que isso é uma grande mentira, a população vem envelhecendo com mais saúde e mais energia. Quantas vezes não nos deparamos com profissionais dessa faixa etária e com a “energia na lua”? Ele traz o conhecimento, a bagagem, o know-how e a energia. A questão da energia é um ponto que precisa se desmistificar”, diz. Pereira enfatiza: “Energia temos. O que pode acontecer é a pessoa estar desmotivada por algum motivo, mas isso não se confunde com energia.”
Para os profissionais com grande histórico de carreira, citando a pesquisa Propósito no Trabalho, da Talenses Group, Borge indica que a atração e retenção da geração baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), nesse momento, “não se dá pela questão salarial, mas pelos desafios, ambiente e cultura organizacional. Percebemos que quanto mais sênior a relevância estará nos desafios e de se sentir útil. Por outro lado, o mercado enxerga a experiência muito mais forte do que a formação acadêmica, ou seja, importa muito mais a trilha de carreira. Não vai ter uma vaga para sênior que exija ser, por exemplo, um engenheiro mecatrônico, mecânico, elétrico, se o profissional for engenheiro excelente”.
LinkedIn e currículo
Para Justo, o preconceito existe, mas é importante o profissional focar em seus objetivos de carreira e se posicionar bem para o mercado, “usando o LinkedIn, mostrar experiência, energia e que se faz o que se ama”. Por isso, orienta Isis, os profissionais precisam estar atentos sobre como estão se mostrando para o mundo corporativo. “Pergunto sempre para os candidatos se eles se contrariam pelo perfil deles nessa plataforma”, brinca. A atenção, explica a headhunter, precisa estar desde a foto do perfil até o cuidado em interagir e compartilhar conteúdo, além de escrever seus próprios artigos. “Existem diversos recursos, como participar de comunidades de trabalho, por assunto ou por ramo de atividade e até gravar vídeo”, relaciona. E acrescenta: “Dá para fazer muita coisa nessa rede social de networking, precisa mostrar que é um profissional ativo, cheio de energia. Cada um de nós é um dot [ponto] na rede, o engenheiro sabe muito bem sobre isso. O LinkedIn não é apenas um currículo.”
Em relação ao currículo tradicional, Sartori dá boas dicas e avisa que, normalmente, ele é visto por não mais do que dez segundos pelos recrutadores. “Isso indica a importância de um documento enxuto, de no máximo duas páginas, com pontos-chaves sobre a carreira. Falar dos resultados alcançados é um ponto relevante para uma análise de currículo, mostrar o que efetivamente aquele profissional conquistou. As referências profissionais são muito importantes também, pois vamos nos aprofundar falando com pessoas que trabalharam com você, para ver se tudo o que foi dito é real”, avisa. A diretora também avisa que não se deve colocar idade ou data de nascimento no currículo. Pereira também indica: “Deixe os recrutadores curiosos, tente, de alguma forma, deixar algo que gere curiosidade no currículo para você ser chamado e ter a oportunidade de falar diretamente.”
Outra questão inovadora nos recrutamentos, também por conta da pandemia da Covid-19, “são os processos por vídeo, onde o profissional responde às perguntas, conta sua experiência, faz um pitch pessoal curtinho, um ‘discurso de elevador’, como chamamos. É uma ótima forma de medir a energia, independente da faixa etária, e de ver o profissional contar sua experiência”, informa Borge.
Tendências para 2021
A Robert Half acaba de lançar o Guia Salarial de 2021 sobre remuneração e tendências de recrutamento para os profissionais qualificados. Sartori avisa que, em razão da pandemia, os salários deverão permanecer no mesmo nível no próximo ano. Todavia, diz ela, o que mais se destacou na pesquisa é que a maior preocupação do empregador é com as soft skills, principalmente a adaptalidade ao relacionamento interpessoal e a capacidade de fazer gestão num ambiente remoto. “Essas são as características mais pedidas para os engenheiros já em 2021. Nada melhor que um profissional maduro para desenvolver esse tipo de habilidade.”
Em relação à empregabilidade, a pesquisa, que se apoia nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), fechado em julho de 2020, mostra que o desemprego está em 13%, “o maior índice já registrado”, esclarece Sartori. “Nesse índice, fizemos um recorte para os profissionais qualificados, acima de 25 anos e com formação acadêmica. O nível de desemprego é de 5.8%, consideravelmente baixo em relação aos 13%. Esses dados só corroboram que existem boas oportunidades no mercado, mas precisamos ter um pouco mais de paciência. Antes esse profissional qualificado levava de três a quatro meses para se recolocar, hoje esse tempo é de seis a oito meses”, informa a diretora da Robert Half.
Olhar da inovação e conselhos
Isis Borge indica alguns caminhos de recolocação para a mão de obra mais sênior, um desses é a do conselheiro. O mercado está passando por uma mudança gigante, aponta ela, com a formação dos Conselhos de Administração e Consultivo em empresas de capital aberto, conforme legislação. “É um caminho de carreira extremamente almejado. Numa pesquisa que fizemos com diretores e CEOs de empresas, 44% responderam que seus planos, ao encerrarem a carreira corporativa, é se tornar conselheiro.” A mesma pesquisa indica, ainda, que 37% pretendem se tornar consultor; 37%, empreendedor; 30% dar aula; e 25% não parou para pensar.
Borge explica que a maior parte das empresas tem recrutado conselheiros com algum tipo de bagagem técnica bem específica, como da área financeira, com visão de mercado, ex-diretor comercial ou de marketing, e trade marketing também nesse viés. “Estamos vendo essas vagas de conselheiro sendo preenchidas por profissionais com o olhar da inovação. Outro aspecto é que muitas vezes não precisa abdicar cem por cento da carreira corporativa. Ele pode, em paralelo, ser diretor ou CEO”, observa. Ela cita um processo recente que a Talenses fez para um grupo de hospitais, cujo conselheiro selecionado veio de uma empresa química.
Para atuar bem nesse nicho, a headhunter informa que existem certificações no mercado para conselheiros. “A gente encontra em algumas instituições grandes, como a [Fundação] Dom Cabral, o IBGC [Instituto Brasileiro de Governança Corporativa], e a Saint Paul [Escola de Negócios]. "Mas reforço que a bagagem técnica conta bastante também."
Transição de carreira
Pereira lembra que a sua transição, em 2011, foi totalmente planejada e tranquila, todavia, ele ressalta que a pandemia acabou criando um momento muito difícil para os profissionais. “Saí como gerente de engenharia de motores, participei de grandes projetos dentro da General Motors, como o motor flex”, diz, explanando que planejou sua organização financeira para que pudesse sair da montadora de maneira positiva e atuar de forma mais tranquila, sem a necessidade de cumprimento de jornada. Desta forma, explica, sentiu que podia sair pelo Programa de Demissão Voluntária (PDV) da empresa. Também passou a desenvolver as atividades atuais – consultor técnico para revista especializada em carros e no programa “Máquinas no Pan”, da rádio Jovem Pan; e professor de pós-graduação no Instituto Mauá de Tecnologia (IMT) –, Pereira ainda atua na construtora da família e prestou algumas consultorias.
Sartori descreve, ainda, uma transição de carreira bem especial, em 2012. “A Isis, inclusive, estava envolvida nessa comigo. Estávamos selecionando uma posição para uma empresa de agronegócio, de maquinários agrícolas, que fica no interior de São Paulo. Era uma empresa familiar, eles estavam se profissionalizando e queriam um gerente de engenharia que viesse do mercado automotivo de qualquer maneira. Fizemos uma grande busca. Montamos um shortlist com os melhores profissionais de engenharia das automotivas. Nele, apareceu um que havia se aposentado há quatro anos, tinha saído num PDV, e estava fazendo consultoria em algumas empresas. O perfil dele casava impecavelmente no shortlist. E tinha 60 anos.”
O que chamou a atenção, completa Sartori, foi a energia “que encontramos nesse profissional. E ele acabou sendo escolhido mesmo e ficou na empresa até os 70 anos”. Borge indica o Endeavor para quem está nesse caminho também de mudança na carreira. “Eles trabalham com profissionais que tenham vontade de fazer meio que um trabalho comunitário de orientar startups, jovens que tiveram algum tipo de aporte para alavancar suas empresas, dando ideias, trazendo essa trajetória."
A coordenadora do webinar, Alexandra Justo, pediu para os participantes, ao final, que indicassem leituras, filmes ou outras contribuições que pudessem ajudar o público a se inspirar. A headhunter e diretora da Talenses Group, Isis Borge, indicou os seus artigos publicados, semanalmente, no site vocesa.com.br/blog/isis-borge. “Escrevo sobre currículo, processos seletivos, dou dicas as mais diversas. E todas as dúvidas que recebo por mensagens faço uma compilação e escrevo um artigo”. Já a diretora de Recrutamento da Robert Half, Maria Sartori, indicou a série “The Playbook”, da Netflix, que fala sobre persistência e resiliência. “Acho que é bem adequada para o momento”, comenta. Por último, o engenheiro Henrique Pereira indicou a revista online sobre carros e o programa de rádio “Máquinas na Pan”.
O webinar teve duração de quase duas horas com muita informação boa e importante para os profissionais 40+, esta matéria citou apenas alguns trechos do debate. Por isso, colocamos à disposição, abaixo, o vídeo com o evento na íntegra para você assistir.
Excelente tema. Parabéns aos participantes.
Solange