Conhecimento e momento profissionais devem ser destaques num recrutamento, não o gênero.
Rosângela Ribeiro Gil
A participação de mulheres no mercado de trabalho caiu 50,6% durante a pandemia, segundo dados da pesquisa “Mercado de trabalho e pandemia da Covid-19: Ampliação de desigualdades já existentes?”, realizada em julho do ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Como mostra a análise, essa presença, que vinha aumentando gradativamente, voltou ao nível observado em 1990. É um cenário que agrava a situação de todas as mulheres, inclusive das profissionais de engenharia, mas que não pode significar desistir, observa Carolina Cabral, gerente sênior de recrutamento da Robert Half.
Engenheira mecânica que atuou na profissão por oito anos, ao mesmo tempo que reconhece impeditivos e marcadores de gênero que ainda afunilam a presença feminina no trabalho, ela reconhece, nesta entrevista, que houve avanços nos últimos anos. Constata ainda que o mundo corporativo está “sedento” por mudanças em relação à inclusão da mulher. “Estamos vendo isso mudar muito, mas o caminho é longo. A mulher precisa se posicionar com firmeza para se sentir empoderada e mostrar que pode assumir qualquer cargo”, destaca.
E acrescenta: “Acredito no papel de educar o mercado para mudar esse quadro, trazendo equilíbrio e equipes cada vez mais mistas”. Para a especialista, todos ganham em excelência com isso.
Esta entrevista compõe série dedicada ao Dia Internacional da Mulher.
Como você avalia o mercado de trabalho com relação à presença feminina na engenharia?
Houve um avanço. A postura feminina é cada vez mais profissional dentro desse nicho. O que percebo é um limitante quando é uma vaga de engenharia que envolve viagem, responsabilidade por um território longe da residência. O empregador ainda tem uma forma de pensar bem retrógrada nesse aspecto.
A partir do seu trabalho na área de recrutamento e seleção, esse cenário pode mudar?
Isso é um trabalho que os recrutadores, não só da Robert Ralf, mas de uma maneira geral, devem pensar em termos de diversidade e inclusão. Temos essa função de educar, de entender se o momento do profissional - independente se for homem ou mulher, idade, enfim - possibilita a ele, por exemplo, viajar. Estou usando esse exemplo porque me deparo com ele todos os dias. É o que mais se vê como impeditivo para uma engenheira ter sucesso numa vaga diante de um engenheiro.
O que enxerga, por outro lado, de mais positivo no mercado em relação às engenheiras?
Há posições em que as mulheres têm sido muito fortes dentro da engenharia. É o caso, por exemplo, da segurança do trabalho. Geralmente a profissional se gradua em engenharia e depois faz uma pós-graduação na área. Vemos muito esse movimento, como de engenheiras ambientais que migram para atuar em segurança do trabalho.
É muito interessante porque é uma função extremamente híbrida em que a profissional lida com documentação, regras e informações minuciosas e precisas. E é muito bacana ver como as mulheres têm se sobressaído nessa função de segurança do trabalho, saúde e meio ambiente. Acredito que é um ponto importante para ressaltar, porque é uma função que está em alta. É a postura feminina que está construindo esse avanço e tem que ser cada vez maior, a gente está no meio do caminho ainda.
A Robert Half fez uma pesquisa, que saiu no final de 2020, sobre a visão do mercado e do mundo corporativo com relação à presença da mulher. Quais as conclusões?
Vou trazer alguns dados. Nessa pesquisa, perguntamos para os empregadores e os profissionais se eles acreditam que a política de diversidade e inclusão da empresa é clara. Infelizmente, 57% disseram que não, 43%, sim. A política clara de diversidade e inclusão da empresa é muito importante. As pessoas que participaram são coordenadores, gerentes, diretores, c-level [cargos de alta gestão] da parte de recursos humanos de diferentes setores. É realmente uma informação relevante. Perguntamos porque isso acontecia: 58% responderam que [o programa] estava sendo estruturado. Por isso, reforço que estamos no meio do caminho.
Tem algum ponto positivo apurado na pesquisa?
Quando questionamos sobre qual o tema mais relacionado à diversidade e inclusão, 68% responderam mulheres na liderança. Sem dúvida é fator que nos traz muito otimismo. A Robert Ralf traz com muito destaque essa questão. Por isso, orientamos que a empresa não pode, no short-list [lista final de candidatos], colocar só homens ou só mulheres. A gente tem que medir o profissional pelo conhecimento. A gente tem visto cada vez mais vagas de gestão onde se pede diretamente por uma mulher. Sentimos na pele que este é o momento que o País está vivendo, de colocar mulheres na liderança. É a partir daí, acredito, que vão ocorrer as mudanças dentro das empresas, principalmente nas indústrias, onde atuam as engenheiras.
Existem iniciativas importantes para quebrar esse paradigma da predominância masculina no mercado de trabalho?
Acredito que é melhor falar em segmentos, aí destaco os de bens de consumo e químico [nesse sentido]. Já no automotivo, na área de vendas, onde o profissional precisa ser responsável por diversos territórios, existe sim, uma disponibilidade masculina muito mais forte e daí vem a questão já dita sobre educarmos. Cabe à pessoa que está recrutando, tanto o RH quanto uma consultoria, fazer isso e mostrar que cada pessoa é movida por algo diferente, personalizar essa questão e não ter essa tarja "líder masculino". É preciso descristalizar esses padrões. Tive uma experiência interessante, há dois anos, numa empresa de equipamentos, em Barueri [SP]: dar uma palestra para futuras engenheiras, incentivar a seguirem carreira industrial.
Além do papel de educar, na hora do processo seletivo, o que mais pode ajudar a acabar com a discriminação contra a mulher?
Não existe hoje, ao menos não é do nosso conhecimento, incentivo para que as pessoas que estejam no ensino médio pensem numa carreira de engenharia. Por isso quis citar esse trabalho que fiz na empresa de Barueri. Acredito que é muito bacana as empresas que querem mulheres na liderança, por exemplo, fazerem um trabalho de base, irem às escolas e contar a esses alunos que não têm noção do mercado de trabalho, saber o que estão vendo e esperam daqui a cinco, seis ou sete anos. Porque serão eles que estarão nas empresas. Essa é uma carência do mercado brasileiro. Às vezes, vemos acontecer fora do Brasil e aqui ainda não existe essa parceria com empresas, consultorias, especialistas no mercado de trabalho que gerem incentivo, nem mesmo dentro de grandes escolas em São Paulo.
Como você definiria os estereótipos e marcadores de gênero?
Para mim, tem muito a ver com incentivo e informação. Como estamos no meio do caminho, têm empresas que ainda estão com uma filosofia muito arcaica e outras que estão sedentas por mudanças. O mercado está dividido exatamente dessa forma. Quando a gente fala em bens de consumo, farmacêuticas, empresas químicas, laboratórios, empresas de serviço, ramo logístico, onde é necessária essa questão do detalhe, as empresas estão carentes de mulheres, até para que haja um quadro balanceado, de colaboradores diferenciados. E essa informação não chega na base, naquele pessoal que está fazendo o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], prestando vestibular. Esses incentivos são muito relevantes para escolha de uma profissão.
Você é engenheira mecânica e agora está na área de recrutamento. Como a formação ajuda no seu trabalho hoje?
A engenharia nos deixa aptos a desenvolver diversas funções. A minha carreira é um exemplo disso. Sou engenheira mecânica. Estudei à noite numa sala onde só tinham eu e mais duas numa turma, juntamente com 80 homens. Segui a carreira de engenharia por oito anos e, hoje, em recrutamento, sou uma profissional que conhece, tecnicamente, as descrições da função. Isso ajuda demais o RH. Dentro da Robert Ralf, por exemplo, sou responsável pela área de recrutamento para engenharia, vendas e marketing, hoje extremamente mista. A faculdade de engenharia é uma grande base, que permite diversos horizontes profissionais. Não é uma opinião pessoal, é uma constatação. O curso ensina raciocínio lógico, entender situações de uma maneira sistêmica e isso é muito bem visto no mercado. Portanto, quem ainda não tem uma política de diversidade e inclusão desenvolvida está tendo que fazer. Por isso também a importância de mulheres na liderança, como aponta o estudo que fizemos.