Ramo atua em questões relacionadas ao som e às vibrações e visa o bem-estar da sociedade.
Rosânngela Ribeiro Gil
Oportunidades na Engenharia
Cem por cento da população mundial está exposta a algum tipo de pressão sonora, que não necessariamente é ruído. Todavia, segundo estudos e relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% das pessoas estão submetidas a níveis de ruído que podem causar problemas de saúde. Por isso, a organização, ligada às Nações Unidas (ONU), estipulou recomendações de níveis máximos de barulho em locais públicos como forma de combater doenças decorrentes da influência do estresse sonoro. Já se associa o excesso de ruído a doenças metabólicas e cardiovasculares, deficits cognitivos em crianças, zumbidos nos ouvidos, distúrbios do sono, danos ao aparelho auditivo e até mesmo à obesidade.
Em 24 de agosto de 2016, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) publicou a Resolução n° 1078, que discrimina “as atividades e competências profissionais do Engenheiro Acústico e insere o respectivo título na Tabela de Títulos Profissionais do Sistema Confea/Crea, para efeito de fiscalização do exercício profissional”.
Com a decisão, o País ganhou um profissional especializado, com conhecimento múltiplo e abrangente, formado para atuar na fonte sonora, na trajetória do som e nos efeitos dessa energia, protegendo as pessoas e resolvendo os problemas em máquinas e equipamentos ruidosos. “Nasceu, assim, uma nova engenharia, como profissão equiparada às demais, inclusive às mais tradicionais”, destaca a professora Dinara Xavier da Paixão, idealizadora e primeira coordenadora do curso de Engenharia Acústica da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. A graduação foi implantada, no segundo semestre de 2009, por meio do Programa Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).
Atualmente, o curso está sob a coordenação da professora Viviane Suzey Gomes de Melo que explica que a graduação da instituição santa-mariense é ainda a única existente no País: “A modalidade atua no campo das ciências que compreende os sons e as vibrações, trata-se de um ramo da engenharia voltado à análise dos mecanismos de produção, transmissão e recepção do som, incluindo os efeitos dele decorrentes.” Paixão complementa dizendo que o “som é tratado como a energia que tem a capacidade de influenciar o ser humano em sua fisiologia e em suas condições psicoemocionais. Ou seja, os danos causados não desaparecem quando a fonte sonora é desligada, porque a energia somente se modifica. Como o som não tem forma, cheiro ou sabor, ele não aparenta ser perigoso, por isso é negligenciado, na maioria das vezes”.
Epidemia do ruído
As professoras destacam que o mundo tem se mobilizado para reduzir os níveis sonoros, pois a epidemia do ruído deixou de ser uma questão secundária, para se transformar num problema de saúde pública. “A audição é um sentido impossível de ser desligado e a poluição sonora é, atualmente, apontada pela OMS como o segundo tipo de poluição mais importante”, reforça Melo.
Paixão ensina que, além do som audível, há o infrassom e o ultrassom, gerados em frequências abaixo ou acima do limiar da audição humana, respectivamente. As vibrações mecânicas decorrentes dessa energia podem prejudicar, também, o funcionamento de máquinas e equipamentos. Ela destaca que, no Brasil, o controle do ruído e das vibrações, dos sons audíveis ou não, sempre esteve disperso em diferentes áreas, “em especial, nas engenharias mecânica, civil e elétrica, na Arquitetura e Urbanismo, na Fonoaudiologia, na Física, na Medicina dentre outras. Cada profissional resolvia a sua parte do problema, sem tratar da solução como um todo”.
Mercado de trabalho
Melo informa que o mercado de trabalho para esse profissional é amplo e diversificado, no Brasil e no exterior. “Há profissionais egressos do curso da UFSM trabalhando em empresas de projetos acústicos, de áudio e de desenvolvimento de materiais e equipamentos em países como França, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca, Estados Unidos e Singapura, pois muitos alunos têm realizado seus estágios no exterior, sendo a maioria efetivada após a formatura”, orgulha-se.
Já no País, acrescenta Paixão, o principal mercado está ligado às edificações, em especial para o atendimento da NBR 15575 - Desempenho em Edificações, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A idealizadora do primeiro curso de Engenharia Acústica, no Brasil, observa que a pandemia aqueceu “o mercado de qualificação acústica de espaços internos, principalmente para o conforto acústico de home office”.
Esse profissional, prossegue Melo, também é requisitado pela “indústria metal/mecânica, automobilística, aeronáutica, para controle de ruído e vibrações em máquinas e equipamentos, bem como nos espaços físicos, visando o bem-estar de colaboradores e vizinhos. A área ambiental, com a necessidade legal dos mapas acústicos, por exemplo, é outra demanda profissional em crescimento”.
Inovação tecnológica
A Engenharia Acústica, como informam as professoras Melo e Paixão, fornece uma fundamentação teórica e experimental aprofundada, inclusive na área numérica, que permite aos seus egressos o desenvolvimento de equipamentos, sistemas de medição e software.
Nesse quesito, a atual coordenadora traz alguns exemplos de inovação dos próprios trabalhos de conclusão do curso desenvolvidos pelos graduandos da UFSM: o aperfeiçoamento na caracterização experimental de fontes sonoras usando métodos normatizados e técnicas de intensimetria e imageamento acústico; a caracterização acústica de salas baseada na medição espaço-temporal com arranjos de microfones, que possibilita identificar a direção de chegada das reflexões no recinto; a caracterização de propriedades acústicas dos materiais e da incerteza de medição, usando métodos normatizados e desenvolvendo técnicas avançadas, baseadas na medição espaço-temporal com arranjos de microfones; o desenvolvimento de técnicas computacionais para a simulação de cenários acústicos e o desenvolvimento recente de plataformas de simulação open source.
Isso demonstra que os profissionais da área, observa Melo, atuam no desenvolvimento de software para análise da propagação sonora em recintos e em métodos de caracterização de propriedades acústicas dos materiais, “o que tem um impacto positivo no bem-estar e saúde da sociedade”. Tais informações, prossegue ela, “são necessárias em projetos acústicos de recintos, na arquitetura e no controle de ruído de máquinas e dispositivos. As pessoas passam boa parte de suas vidas no interior de ambientes – residências, escolas, escritórios, restaurantes, teatros etc.”.
Nesse sentido, vale dizer que os docentes e discentes da Engenharia Acústica da UFSM atuam em campanhas educativas nacionais e internacionais, como é o caso do Dia Internacional da Conscientização sobre Ruído [em inglês International Noise Awareness Day – Inad], campanha global criada em 1996 pelo Centro de Audição e Comunicação, celebrada anualmente na última quarta-feira de abril, cujo objetivo é conscientizar os efeitos do ruído sobre o bem-estar e a saúde das pessoas. “O som é um importante elemento na vida do ser humano, por isso, a mitigação da poluição sonora e o aumento da qualidade acústica dos recintos têm um impacto positivo no bem-estar dos indivíduos. O aperfeiçoamento das técnicas de caracterização de fontes sonoras e dos materiais acústicos, bem como o desenvolvimento de possibilidades de prevenção e proteção, são tão importantes para a saúde e qualidade de vida da sociedade”, destaca Melo.
Grade curricular
Paixão lembra que a iniciativa de criação do curso foi fundamentada pela existência, na UFSM, desde 1991, de um setor de pesquisas que adquiriu reconhecimento internacional, ao longo do tempo, por seus trabalhos e experimentos, que foram possíveis pela ótima infraestrutura em equipamentos e instalações especiais, denominadas Câmaras Reverberantes. A graduação, destaca a ex-coordenadora, cumpre os requisitos do Ministério da Educação (MEC) e do Confea: totaliza 3.750 horas, distribuídas em 1.260 horas para disciplinas básicas das Engenharias, 720 horas em disciplinas profissionalizantes e 1.395 horas em disciplinas específicas. “Além disso, há Disciplinas Complementares de Graduação (DCGs), Atividades Complementares de Graduação (ACGs), Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) e o último semestre do curso é livre para permitir a realização do estágio supervisionado, em qualquer cidade do Brasil ou exterior”, relaciona.
Engenharia acústica – Raio-X |
Objetivo – A Engenharia Acústica da Universidade Federal de Santa Maria tem como missão ser um centro de excelência na pesquisa e no fomento de conhecimento em tópicos relacionadas à acústica e vibrações. Nesse contexto, os objetivos são: Formar profissionais de alta capacitação técnica e científica; Contribuir no desenvolvimento de pesquisa fundamental e aplicada; e Prestar serviços profissionais avançados em questões envolvendo acústica e vibrações. |
Carga horária total – 3.750 |
Estágio – Obrigatório (Lei 11.788/2008) |
Disciplinas específicas – Acústica Ambiental, Eletroacústica, Acústica de Salas, Acústica Subjetiva, Psicoacústica, Acústica em Edificações, Controle de Ruído, Controle de Vibrações, Técnicas de Gravação, Caixas Acústicas, Projeto Sonoro, Sonorização Teórica, Sonorização Experimental, Métodos Numéricos em Acústica e Vibrações, Métodos Experimentais em Acústica e Vibrações, Música para a Engenharia Acústica, Instrumentação em Acústica e Vibrações, entre outras. |
Conteúdo básico - Todas as habilitações do curso de Engenharia devem contemplar os seguintes conteúdos básicos, dentre outros: Administração e Economia; Algoritmos e Programação; Ciência dos Materiais; Ciências do Ambiente; Eletricidade; Estatística. Expressão Gráfica; Fenômenos de Transporte; Física; Informática; Matemática; Mecânica dos Sólidos; Metodologia Científica e Tecnológica; e Química. (Resolução nº 2, de 24 de abril de 2019, do Conselho Nacional de Educação do MEC) |
Piso salarial – A engenharia, independente da modalidade, é uma profissão que tem piso salarial definido pela Lei 4.950-A/66. |
Vídeo gravado pelo professor Eric Brandão, do curso de Engenharia Acústica da UFSM. Ele inclusive é autor do livro sobre "Acústica de Salas", publicado pela editora Bluncher, que recebeu o Prêmio Jabuti (2° lugar) na categoria Tecnologias e Informática em 2019.