Francisco Christovam (*)
A Lei nº 17.293, de 15 de outubro de 2020, que estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas do Estado de São Paulo, autoriza a extinção de vários órgãos da administração pública, incluindo a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU/SP), cuja constituição foi autorizada pela Lei nº 1.492, de 13 de dezembro de 1977.
Pelo item I do artigo 35 da referida Lei nº 17.293/2020, o Poder Executivo fica autorizado a delegar à Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) as funções de regulação e fiscalização de todas as modalidades de serviços públicos de transporte autorizados, permitidos ou concedidos a entidades de direito privado, inclusive aqueles submetidos à esfera institucional da Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos.
Assim, as atividades exercidas pela EMTU/SP, cuja missão é promover a qualidade da mobilidade urbana nas regiões metropolitanas do Estado de São Paulo, estruturando e fiscalizando os serviços de média e baixa capacidade, passarão a ser de responsabilidade da Artesp, que tem como atribuição incentivar o desenvolvimento e assegurar a excelência da prestação dos serviços de transporte, por meio da regulação e fiscalização, mediando os interesses dos usuários, entidades reguladas e poder concedente.
Vale destacar que enquanto a EMTU/SP é uma empresa pública, controlada pelo Governo do Estado de São Paulo, com características de órgão gestor, a Artesp é uma agência reguladora, com atributos próprios de uma autarquia especial. Pode não parecer, mas a substituição de uma empresa pública por uma agência reguladora representa uma diferença muito grande no que se refere ao modelo de gestão e de governança, particularmente no que diz respeito às questões administrativas, financeiras, contábeis e fiscais.
Sem querer entrar no mérito da decisão política que culminou com a promulgação da Lei nº 17.293/2020, atualmente há uma discussão bastante acalorada sobre a conveniência e oportunidade de transferir as atividades da EMTU/SP para a Artesp ou de se criar uma agência específica para regular, controlar e fiscalizar todas as atividades relacionadas com a mobilidade urbana nas regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista, Vale do Paraíba, Sorocaba, Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.
No âmbito dessa discussão, cabe avaliar se esse novo órgão de gestão deveria ser uma agência reguladora, uma agência executiva ou uma autoridade metropolitana e, ainda, se a entidade cuidaria apenas do transporte sobre pneus ou se incluiria também os transportes metroferroviários concedidos.
As agências reguladoras são entidades integrantes da administração pública indireta, criadas sob a forma de autarquias em regime especial, responsáveis pela regulamentação, controle e fiscalização de serviços públicos, atividades e bens transferidos ao setor privado. Segundo a legislação aplicável, toda agência reguladora deve elaborar um plano estratégico que contenha os objetivos, as metas e os resultados estratégicos esperados, de acordo com o seu modelo de gestão e suas competências regulatórias, fiscalizatórias e normativas.
As agências reguladoras têm como característica principal sua independência do Poder Executivo, por não se submeterem a controle hierárquico. Elas regulamentam a matéria de sua competência, decidem litígios e sua autonomia se dá pela liberdade de atuação político-administrativa de seus diretores, pela soberania técnica decisória e normativa e pela autossuficiência orçamentária e financeira, decorrente de gestão de seus recursos próprios.
Na esfera federal, a gestão, organização e o processo decisório das agências reguladoras são disciplinados pela Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019; porém, no Estado de São Paulo, não há uma lei geral que oriente a criação dessas entidades. As duas agências reguladoras paulistas, a Artesp e a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) foram criadas pelas leis complementares nº 914, de 14 de janeiro de 2002, e nº 1.025, de 7 de dezembro de 2007, respectivamente.
Na visão de Maria Sylvia Zanella di Pietro, professora de direito administrativo da Universidade de São Paulo (USP) e ex-procuradora do Estado de São Paulo, agência executiva é uma qualificação dada à autarquia ou fundação que celebre contrato de gestão com o órgão a que se ache vinculada, para a melhoria da eficiência e redução de custos. “São, na realidade, autarquias ou fundações que, em decorrência dessa qualificação, passam a submeter-se a regime jurídico especial.” (DI PIETRO, 2004, p. 401)
As agências executivas também são pessoas jurídicas de direito público, que devem aperfeiçoar os serviços que prestam em troca de uma maior autonomia gerencial, orçamentária e financeira, recebendo algumas prerrogativas e privilégios. Sua criação, na esfera federal, está disciplinada pelos artigos 51 e 52 da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998.
O status de agência executiva não é permanente, ou seja, uma vez extinto o contrato de gestão, ela voltará a ser uma simples autarquia ou fundação. Por paralelismo jurídico, a desqualificação também poderá se efetivar via decreto, não levando à extinção da pessoa jurídica, somente a despindo do qualitativo de agência executiva. Tais agências não se configuram como categoria nova de pessoas jurídicas e sua denominação corresponde apenas a uma qualificação ou denominação atribuída às autarquias ou fundações governamentais.
As agências executivas se distinguem das agências reguladoras por não terem como objetivo principal o exercício do controle sobre particulares que prestam serviços públicos, que é o objetivo fundamental das agências reguladoras. Enquanto as agências reguladoras são regidas por disciplina específica, cuja característica seria a de atribuir prerrogativas especiais e diferenciadas a certas autarquias, as agências executivas existem para a execução efetiva de certas atividades administrativas típicas de Estado.
Com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum nas regiões metropolitanas, o Estado de São Paulo possui a Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem/BS), a Agência Metropolitana de Campinas Agemcamp) e a Agência Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (Agemvale), criadas pelas leis complementares nº 853, de 23 de dezembro de 1998, nº 946, de 23 de setembro de 2003, e nº 1.258, de 12 de janeiro de 2015, respectivamente.
Segundo Paulo Eduardo Garrido Modesto, professor de direito administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público, em “Região Metropolitana, Estado e Autonomia Municipal: a governança interfederativa em questão”, publicado na Revista Colunistas de Direito do Estado, edição nº 66, de janeiro de 2016, “... nossa Constituição foi lacônica quando tratou da coordenação ou cooperação entre as unidades da Federação”. Na sua opinião, essa insuficiência normativa é grave, pois quase todos os problemas municipais hoje são interfederativos ou intermunicipais e as questões urbanas são quase sempre metropolitanas.
Uma autoridade metropolitana, à semelhança do que existe em outros países, é o ente responsável pela integração do planejamento, organização, execução, regulação e fiscalização das atividades públicas de interesse dos municípios que integram uma região metropolitana e funciona como uma instância de governo, infraestadual e supramunicipal. Em essência, é um instrumento importante para potencializar melhorias nos serviços públicos intermunicipais e pode cuidar de um ou mais serviços de interesse público (transporte, trânsito, saúde, educação, saneamento, entre outros).
A autoridade metropolitana, na legislação brasileira, ainda carece de uma regulamentação mais apropriada, para se tornar uma entidade da administração pública, muito embora a Lei Federal nº 13.089/2015, com as alterações trazidas pela Lei 13.683/2018 (Estatuto da Metrópole), estabeleça princípios, diretrizes específicas, diretrizes gerais e estrutura básica para a governança interfederativa de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas. Entretanto, essa legislação é omissa no que se refere à entidade da administração pública que se incumbirá da execução, regulação e fiscalização das atividades e dos serviços públicos intermunicipais ou inter-regionais.
Observado o regramento de caráter geral trazido pela legislação federal, caberá ao Estado e aos municípios adotarem medidas direcionadas à promoção da regência interativa, na forma definida pela lei. Como ponto de partida, para o caso em discussão, há que se adaptar o regramento institucional do Estado, no sentido de incluir, de maneira complementar, esse novo nível de governo, com autonomia política, jurídica, administrativa, financeira, orçamentária, técnica e de organização. Sua lei de criação deverá estabelecer o plano em que se dará a sua relação institucional com o Governo do Estado e com os municípios que a constituem, bem como definir poderes, competências e limites de atuação, para a gestão dos serviços e das atividades sob sua responsabilidade.
Em função da sua autonomia, a autoridade metropolitana deve atuar como o poder concedente de todos os serviços públicos comuns aos municípios que a integram e pode, inclusive, assumir a gestão, controle e fiscalização de serviços públicos específicos de um dado município, se previsto na sua lei de criação.
Ela é muito mais do que um modelo de gestão ou de governança, que busca a eficiência, eficácia e efetividade nas decisões políticas e difere de uma agência reguladora, entre outros aspectos, pela forma de escolha dos seus dirigentes e pela maneira como as decisões são tomadas. Enquanto nas agências a indicação dos administradores e as decisões estratégicas são de responsabilidade do governo central, nas autoridades metropolitanas a escolha dos dirigentes deve ser por eleição – direta ou indireta – e as decisões são tomadas, preferencialmente, por todos os agentes envolvidos na prestação dos serviços públicos (governo, operadores e população).
A figura da autoridade metropolitana não deve ser confundida com outras formas de organização conjunta de municípios – comitê de bacia, câmaras setoriais, associação de municípios, convênio de cooperação, condomínio intermunicipal e consórcio público, entre outros. O consórcio público, em especial, é uma pessoa jurídica de direito público ou privado, criado por lei, com a finalidade de executar a gestão associada de serviços públicos sob responsabilidade de entes federados – União, estados, Distrito Federal e municípios –, com vistas ao planejamento, regulação e execução de atividades gerais ou de serviços públicos de interesse comum. Sua regulamentação está estabelecida na Lei Federal nº 11.107/2005.
Assim, os institutos não se misturam, mas se complementam no objetivo primeiro de aprimorar a governança administrativa em prol dos serviços postos à disposição da sociedade, em especial, a mobilidade urbana. Ainda veremos grandes debates sobre o futuro da EMTU/SP, bem como sobre as organizações governamentais, criadas e a serem criadas pelo Estado.
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(*) Francisco Christovam é assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss) e também membro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (FETPESP), da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia