Carlos Magno Corrêa Dias*
No mundo atual, na realidade 4.0, na Quarta Revolução Industrial, na Era da Comunicação e da Informação, é fundamental existir Legislação Nacional sobre as novas tecnologias e inovações que vão sendo dia após dia sendo instituídas.
Não é diferente quando se pensa em Nanotecnologia que já se transformou em exigência sem volta no cenário científico e industrial de todo o planeta. Leis que regulamentam os vários temas relacionados à Nanotecnologia possibilitam segurança jurídica e promovem, invariavelmente, ambiente promissor no desenvolvimento e progresso das Nações. Felizmente, neste sentido, o Brasil entendeu a urgência de uma regulação para tratar dos vários aspectos relacionados com a Nanotecnologia para não ficar para trás no cenário internacional e já tem aprovado uma primeira iniciativa para a instituição de uma Lei Federal que versa sobre a Nanotecnologia.
Em 19 de fevereiro de 2020 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal o Marco Legal da Nanotecnologia do Brasil proposto pelo Projeto de Lei (PL) 880/2019, publicado no Diário do Senado Federal em 20 Fevereiro 2019, o qual dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação nanotecnológica, propondo alterações tanto na Lei número 10.973, de 2 de dezembro de 2004, quanto na Lei número 8.666, de 21 de junho de 1993; dando outras providências. O PL 880/2019 encontra-se na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) aguardando prosseguimento na tramitação necessária.
O Marco Legal da Nanotecnologia altera a Lei de Inovação Tecnológica (Lei 10.973/2004) uma vez que que inclui a nanotecnologia no conjunto dos setores beneficiados com medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica. A proposta propõe, também, alterações na Lei das Licitações (Lei 8.666/1993) objetivando dar preferência (em concorrências públicas) para a produção nacional que utilize insumos manufaturados gerados por meio da Nanotecnologia ou a partir de novos materiais que venham a ser criados.
A Nanotecnologia combina diferentes áreas do saber tais como química, matemática, física, engenharia, computação, biologia, medicina, dentre outras, com a possibilidade de gerar novos materiais tanto com características inéditas e muitos superiores aos materiais existentes levando a concepção de mundo quântico a níveis jamais imaginados e promovendo impactos profundos em todas as áreas do conhecimento os quais, necessariamente, promoverão mudanças nunca antes pensadas e de extrema importância para o bem da humanidade.
Em tempos de pandemia de Covid-19 a Nanotecnologia não apenas pode se transformar em um importante meio de se combater causas e efeitos da doença como também se apresenta como agente potente para se gerar nano fármacos que poderão instituir novas e efetivas formas de tratamento.
A Nanotecnologia pode ser pensada como todas as Tecnologias que se prestam à criação de dispositivos e materiais funcionais utilizados para o controle da matéria em escala nanométrica para ampliar as possibilidades de soluções em todos os campos uma vez que a Nanotecnologia tem potencialidade tecnológica para produzir objetos físicos a partir do conhecimento e controle em nível atômico “disponibilizando átomos e moléculas segundo as necessitadas que se apresentam”.
Entende-se que a Nanociência é a mais promissora dentre as áreas do conhecimento dado ser a área do conhecimento científico que vem abrindo portas para o melhor entendimento sobre a organização de todos os sistemas sejam naturais ou artificiais atualmente existentes.
Hoje a Nanotecnologia, uma das aplicações da Nanociência, se mostra com poder transformador tal que a partir de sua plena disseminação possibilitará à Indústria e à Engenharia alcançar grau de desenvolvimento jamais imaginado. Com a Nanotecnologia o mundo macrométrico será revolucionado ao ponto de se transformar em história a ser apenas contada.
Quando se fala em Nanotecnologia pensa-se tratar de tema novo, contudo já lá em 1959 se falava em usar a Nanotecnologia para a produção de nanomáquinas artificiais. Efetivamente, por volta de 1979, uma equipe de pesquisadores do Departamento de Química e Biologia da Universidade de Kyushu, no Japão, já haviam construído o primeiro protótipo de nanomáquina artificial. Era uma molécula que possuía a função de chave liga-desliga acionada pela luz.
A evolução da Nanotecnologia segue velozmente e começa a invadir o dia a dia sem que se tome plena consciência de seu progresso. “Motores moleculares, nanomateriais como matéria-prima para a fabricação de produtos diversos, robôs nanométricos introduzidos no corpo humano por via oral ou intravenosa, nanobombas para destruir células de câncer, nanocabos para o transporte de eletricidade, dentre outras aplicações da Nanotecnologia já deixaram de ser ‘ficção científica’ e invadem de forma intensa o mundo científico e tecnológico”.
Muito mais será possível produzir por meio da Nanotecnologia e muitos problemas estão por serem gerados inevitavelmente. “Fazer mais com menos” (lema próprio dos mercados inovadores) é, também, uma das características da Nanotecnologia.
Dentre as muitas necessidades de se ter uma Legislação sobre Nanotecnologia está a questão de como os novos materiais gerados pela Nanotecnologia vão impactar sobre o meio ambiente, principalmente sobre a saúde humana. “Em qualquer meio de produção sempre existirão impactos ambientais potenciais relacionados com aquilo que se produz. Não será diferente, certamente, no que diz respeito aos rejeitos gerados do emprego dos nanomateriais em produção industrial; isso sem levar em conta a problemática associada com a destinação final dos correspondentes rejeitos”.
Outro aspecto importante que exige ordenação jurídica bem estruturada sobre o uso da Nanotecnologia diz respeito a questões relacionadas com a produtividade e competitividade, lucros e prejuízos, condições de trabalho, dentre outras, haja vista que o desenvolvimento da Nanotecnologia já vem promovendo mudanças estruturais que vão acabar ou transformar profundamente a planta industrial de muitos setores. Disrupção e Nanotecnologia andarão, inevitavelmente, sempre juntas.
Como muito em breve a Nanotecnologia permeará todos os segmentos da realidade com consequências sequer aventadas (mas, imaginando que acontecerão rupturas ou transformações profundas) é razoável supor que os novos materiais gerados e as formas de utilização promoverão muitos e complicados conflitos no Meio de Produção, na Ética, na própria Ciência, nas Relações Empresariais, no Direito, caso normas jurídicas bem estruturadas não existirem.
Entretanto, no mundo, atualmente, não existe legislação “específica” sobre a Nanotecnologia embora inúmeros sejam os estudos relacionados com o tema. Debates sobre as questões relacionadas com a Nanotecnologia são cada vez mais promovidos e intensificados e diversos países (como o Brasil) dão os primeiros passos no sentido de instituir as necessárias normas jurídicas associadas.
No Brasil foram criados diversos organismos de promoção e fomento à Nanotecnologia tais como: a Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN), o Comitê Consultivo de Nanotecologia (CCNANO), o Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias, as Redes de Centros de Inovação em Nanotecnologias no âmbito do Sistema Brasileiro de Tecnologia (SibratecNANO), o Comitê Interministerial de Nanotecnologia (CIN), e, o Comitê Consultivo de Nanotecnologia e Novos Materiais (CCNANOMAT), dentre outros.
Observe, entretanto, que a partir da Portaria MCTIC número 1.122, de 19 de março de 2020, a Nanotecnologia passou a ser uma das tecnologias habilitadoras consideradas prioritárias, no âmbito do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), no que se refere a projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, entre 2020 e 2023.
Lançada em 2013 a IBN objetiva “criar, integrar e fortalecer ações governamentais na área de Nanotecnologia, com foco na promoção da inovação na indústria brasileira e no desenvolvimento econômico e social”. Já em 2019 a IBN foi institucionalizada como o principal programa estratégico para incentivo da Nanotecnologia no Brasil permitindo instituí-la como uma política pública para o desenvolvimento da Nanotecnologia no país.
O SisNANO, por sua vez, constitui um conjunto de vários laboratórios direcionados à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação em Nanociência e Nanotecnologia. A principal característica destes laboratórios é ser multiusuário e de Acesso Aberto (AA) a instituições públicas e privadas. O SisNANO, também, institucionalizado, constitui um dos eixos estratégicos da IBN e contribui para o alcance de diversos objetivos estratégicos do MCTI.
Saliente-se que o AA do SisNANO, centrado na ideia que o conhecimento científico é um bem público e que deve estar disponível a todos, tem por característica fundamental a disponibilização e o acesso gratuito por qualquer pessoa aos resultados das pesquisas científicas desenvolvidas nos correspondentes laboratórios.
Quanto ao SibratecNANO - Centros de Inovação em Nanotecnologia este é constituído da Rede de Centro de Inovação em Nanomateriais e Nanocompósitos e da Rede de Centro de Inovação em Nanodispositivos e Nanosensores e tem por objetivo fomentar e implantar a cultura da inovação nas empresas brasileiras voltadas para incorporação da Nanotecnologia em produtos e processos (principalmente nas micro e pequenas empresas).
O SibratecNANO trabalha pelas aproximações da comunidade científica e tecnológica com correspondentes empreendimentos visando potencializar o valor agregado de produtos. O programa constitui um agente facilitador que produz mecanismos e condições para que o conhecimento da Academia chegue na forma de produtos ao Mercado por meio da Inovação.
Em conjunto com o CCNANOMAT cabe ao CIN discutir e propor as ações estratégicas da IBN como, por exemplo, a proposição de adesão do Brasil ao projeto NanoReg que possibilita ao Brasil acompanhar aquilo que de mais atualizado existe em termos de regulação internacional em Nanotecnologia.
Como signatário do NanoReg o Brasil, por meio do MCTI, poderá apresentar tratativas para estabelecer o desenvolvimento efetivo da Nanotecnologia no país como um todo dado que as prerrogativas do NanoReg direcionam posicionamentos abalizados tanto no nível de eficiência quanto de segurança das aplicações da Nanotecnologia.
O Projeto NanoReg, criado em 2017, é coordenado pelo Ministério de Infraestrutura e Meio Ambiente dos Países Baixos (Holanda) e envolve cerca de cem instituições de quase vinte países europeus além de Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão.
O NanoReg apresenta subsídios necessários para o processo de regulação e regulamentação da Nanotecnologia e de seus produtos e basicamente, estruturado no formato de consórcio, objetiva dar suporte técnico e científico ao conjunto de questões relacionadas à regulação em Nanotecnologia estando ligado aos principais organismos globais que lidam com regulação e regulamentação tais como a Organização Internacional para Padronização (ISO), a Agência Europeia dos Produtos Químicos (Echa), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No NanoReg cada membro é responsável (durante dois anos) pela produção de um determinado conjunto de dados e informações que deverão ser compartilhados entre os participantes do projeto como um todo.
O CCNANOMAT, a propósito, foi instituído pelo Decreto número 10.095, de 6 de novembro de 2019, e é um órgão de assessoramento destinado a formular tanto propostas relacionadas à Nanotecnologia quanto a propor: “macro objetivos; áreas prioritárias; alocação de recursos; e, acompanhamento e avaliação de iniciativas, ações, programas e projetos nas áreas de Nanotecnologia e Novos Materiais”.
Na medida em que os estudos forem avançando outros órgãos serão criados para contemplar as várias variáveis (muitas ainda sequer conhecidas) no campo da Nanotecnologia.
Ao PL 880/2019 serão, necessárias, também, inclusões e alterações para que o Marco Legal da Nanotecnologia do Brasil acompanhe a evolução mundial no campo da Nanotecnologia a fim de beneficiar todos os cidadãos com os avanços que não param de acontecer conforme as pesquisas se intensificam na área da Nanotecnologia.
Ajustes e complementos já exigem ser acrescentados mesmo a partir da aprovação do Marco Legal da Nanotecnologia do Brasil proposto pelo PL 880/2019.
Dentre tais necessidades liste-se, por exemplo, que todo um conjunto de conceitos específicos devem ser clarificados no que se refere ao tema Nanotecnologia como um corpo de conhecimento novo e inovador.
No campo das definições são necessários, também, tanto estabelecer as questões sobre as estratégias da Política Nacional de Nanotecnologia com seus correspondentes objetivos e metas a atingir no médio e longo prazo quanto definir Políticas de Produção, Incentivo e Fomento da Nanotecnologia no Brasil.
Outros aspectos fundamentais a serem considerados na Legislação sobre Nanotecnologia são questões relacionadas à Propriedade Industrial e à Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Certamente, muito ainda será necessário ser pensado e inserido ao Marco Legal da Nanotecnologia do Brasil, mas embora existam vários pontos a complementar é inegável a importância e a relevância do Marco Legal da Nanotecnologia proposto pelo PL pelo PL 880/2019 podendo-se afirmar que trata-se de uma das mais inovadoras ações desenvolvidas pelo Brasil colocando-o junto com as grandes Nações mais desenvolvidas para a regulação e regulamentação da Nanotecnologia que já está revolucionando e alterando completamente o mundo como se conhece atualmente.
*Carlos Magno Corrêa Dias é professor, pesquisador, conselheiro efetivo do Conselho das Mil Cabeças da CNTU, conselheiro sênior do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial (CPCE) do Sistema Fiep, líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Tecnológico e Científico em Engenharia e na Indústria (GPDTCEI), líder/fundador do Grupo de Pesquisa em Lógica e Filosofia da Ciência (GPLFC), personalidade empreendedora do Estado do Paraná pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).