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10/12/2021

Um engenheiro

Renato Vargas*

 

Canudos imgInternetFoto no Arraial de Canudos (1897). Reprodução internet.“Estamos condenados ao progresso: ou evoluímos com ele, ou desaparecemos”. O autor desta frase é de um dos mais ilustres colegas de profissão, a quem gostaria de homenagear no Dia do Engenheiro, celebrado neste sábado, 11 de dezembro.

 

Euclydes da Cunha (1866-1909) cursou a Escola Politécnica do Rio de Janeiro e o Instituto Militar da Praia Vermelha, e exerceu a profissão até o fim de sua vida, deixando várias obras de engenharia pelo País. Entretanto, sua notoriedade foi inscrita na história do Brasil por meio de uma obra literária, que se tornou um dos maiores clássicos nacionais.

 

Na época, seus artigos sobre Canudos chamaram a atenção do jornal O Estado de S. Paulo, que o convidou para acompanhar aquela que seria a campanha final (1897) contra a revolta. Após três derrotas para os sertanejos, um exército formado por quase 10 mil homens, auxiliado pela artilharia pesada dos modernos canhões Krupp, dizimou os 25 mil habitantes daquela comunidade.


Euclydes da Cunha qualificou a campanha como um crime que exigia uma denúncia, cristalizada em “Os Sertões” (1902). Nesse livro, a descrição de aspectos geológicos da terra e as suas implicações na formação cultural e social do sertanejo são o produto de uma síntese entre a técnica e a condição humana jamais alcançada por outro autor.

 

O sucesso da publicação de “Os Sertões” foi o suficiente para eleger seu autor como imortal da Academia Brasileira de Letras, mas não o bastante para ocupar o almejado cargo de professor da Escola Politécnica em São Paulo, ao qual postulou por mais de dez anos e foi sempre preterido por motivos políticos.

 

Para nós, engenheiros, “Os Sertões” é motivo de orgulho e gratidão, porque, a despeito da crítica reiterada de nossa formação estritamente tecnicista, foi através de um engenheiro, no exercício da profissão, durante a restauração de uma ponte em São José do Rio Pardo (SP), que foi criada uma das mais importantes peças da cultura nacional.

 

Sem dúvida, a síntese entre a técnica e a sensibilidade à condição humana apresentada em “Os Sertões” poderia ser uma referência para as entidades envolvidas na discussão de currículos de engenharia – condicionadas pela emulação de países desenvolvidos – e pouco sensíveis à formação dos engenheiros em um país de carências evidentes, onde os desafios técnicos e sociais estão conectados.

 

Para aqueles que ainda não leram a obra de arte deste grande engenheiro, transcrevo alguns fragmentos do brilhantismo e da atualidade de Euclydes da Cunha, por meio da sua descrição de Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos.

 

“(...) o historiador só pode avaliar a altitude daquele homem, que por si nada valeu, considerando a psicologia da sociedade que o criou. Isolado, ele se perde na turba dos vulgares. Pode ser incluído numa modalidade qualquer de psicose progressiva. Mas posto em função do meio, assombra. É uma síntese. As fases singulares de sua existência não são, talvez, períodos sucessivos de uma moléstia grave, mas são com certeza, resumo abreviado dos aspectos predominantes de mal social gravíssimo. Por isso o infeliz destinado à solicitude dos médicos, veio, impelido por uma potência superior, bater de encontro a uma civilização, indo para a história como poderia ter ido para o hospício. Porque ele, para o historiador não foi um desequilibrado. Apareceu como integração de caracteres diferenciais – vagos, indecisos, mal percebidos quando dispersos na multidão, mas enérgicos e definidos, quando resumidos numa individualidade. Todas as crenças ingênuas, de fetichismo bárbaro às aberrações católicas, todas as tendências impulsivas das raças inferiores, livremente exercitadas na indisciplina da vida sertaneja se condensaram no seu misticismo feroz e extravagante...O temperamento mais impressionável apenas fê-lo absorver as crenças ambientes, a princípio numa quase passividade pela própria receptividade mórbida do espírito torturado de reveses, e elas refluíram, depois, mais fortemente, sobre o próprio meio de onde haviam partido, partido de sua consciência delirante. .. A vida resumida do homem é um capítulo instantâneo da vida de sua sociedade.”

 

 

 

 

 

*Renato Vargas é engenheiro mecânico com mestrado e doutorado na área pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), diretor técnico-administrativo do Núcleo de Consultoria em Engenharia e Pesquisas em Tecnologia Ltda. (NEP) e coordenador da Relief, plataforma EAD desenvolvida para capacitação de engenheiros na área de análise estrutural por elementos finitos.

 

 

 

 

 

 

 

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